quinta-feira, 30 de maio de 2013

não vou pro céu, mas já não vivo no chão

Sonho de Caramujo

João Bosco



"Nem menino eu era garotinho
Vivia adulto sozinho
Eu nunca fui aonde eu ia
Andava em má companhia
Entrava no livro que lia e fugia


Neguinho me vendo em Quixeramobim
E eu andando de elefante em Bombaim


Cumpri o astral de caramujo musical
Hoje eu gripo ou canto
Não vou pro céu, mas já não vivo no chão
Eu moro dentro da casca do meu violão

1º ENCONTRO NACIONAL DE BLOGUEIROS E ATIVISTAS EM REDES SOCIAIS DA SAÚDE

http://www.mariolobato.blogspot.com.br/search?updated-max=2013-05-29T15:57:00-03:00&max-results=15

MAIS UMA DO MÉDICO EX-DIRETOR DO HOSPIAL UNIVERSITÁRIO DA UFMS

Investigado na Operação Sangue Frio teria adulterado laudo de cirurgia

Médico teria combinado mudança em laudo de cirurgia que acabou em óbito.
Investigado foi flagrado em escutas telefônicas em junho de 2012.

 
Em uma das ligações telefônicas interceptadas com autorização da Justiça durante a Operação Sangue Frio, o ex-diretor do Hospital Universitário de Campo Grande, José Carlos Dorsa, teria combinado com outro cirurgião cardíaco para adulterar o laudo de uma cirurgia que terminou em morte. O caso ocorreu há cerca de um ano. A reportagem foi exibida no Bom Dia MS desta quarta-feira (29).
Procurado pela reportagem, o médico José Carlos Dorsa falou por telefone. Ele disse que, por orientação do advogado, não irá gravar entrevista, mas afirmou que as interceptações telefônicas, feitas durante a Operação Sangue Frio, são diálogos entre especialistas e que fazem parte da rotina médica. Ele enfatizou que não combinou alterações em laudos médicos.
 
A dona de casa Maria Domingues Lopes Dias, de 65 anos, sofria de estenose aórtica e estava em tratamento. Os médicos não recomendavam a cirurgia convencional no coração, ou seja, com a abertura do tórax, porque ela poderia não resistir. Em junho de 2012, quando a dona de casa estava internada no Hospital Regional de Campo Grande, a família recebeu a notícia de que ela seria transferida para o Hospital Universitário (HU) de Campo Grande, para uma cirurgia de implante de uma válvula no coração. O procedimento é menos invasivo porque é feito por meio de um cateter.
Segundo a família, que prefere não se identificar, o médico João Jackson Duarte foi quem fez o anúncio. Assim que a paciente foi transferida, Dorsa foi avisado por um funcionário do HU que checou os exames encaminhados.
Funcionário: A paciente chegou aqui, do Regional.
Dorsa: E foi para a 'tomo' (tomografia)?
Funcionário: Não, acabou de chegar, faz um minuto. Tem um 'eco' (ecocardiograma) aqui que parece que tem uma estenose subaórtica aí, viu!
Dorsa: É, mas não tem não, nós já olhamos.
No dia seguinte, a paciente estava na sala da hemodinâmica do HU para o procedimento cirúrgico, quando Dorsa ligou para avisar à equipe que estava a caminho.
Dorsa: Como que está aí?
Funcionário: Vamos induzir já!
Dorsa: Quem que está aí?
Funcionário: Jackson, Dr. Augusto, Guilherme.
Dorsa: Fala que eu já estou chegando! Que esse caso aí, eu já olhei a tomo (tomografia). Vou ter que abrir a barriga, que nem aquela última, viu!
Quase três horas depois, o médico auxiliar saiu da sala para conversar com a família. Mas a equipe médica só deixou o local cerca de cinco horas após o início do procedimento.
Dorsa: Terminei aqui, viu. Estava uma tragédia grega a ponto de chegar a isso. Eu vou falar com a família, tá, que a paciente morreu. Tá?
Homem: Ai, meu Deus!
Ao deixar o hospital, Dorsa falou com seu assessor, Alcides Nascimento.
Alcides: Você está vindo do HU, né?
Dorsa: Do HU. A paciente morreu, viu! Empoleirou a válvula, viu. Ficamos tentando, tentando, abrimos o tórax. Fizemos o diabo aqui, cravou, viu!
Alcides: Ahn. Faz parte da estatística, né?
No atestado de óbito, as causas da morte apontadas foram choque cardiogênico, disfunção ventricular e estenose aórtica grave. Quem assinou foi o médico Guilherme Viotto, o segundo auxiliar na cirurgia, na época residente do Hospital Universitário.
No dia seguinte, em outro telefonema, Dorsa explicou como perfurou o ventrículo da paciente.
Dorsa: Aquela guia ficou solta. E a hora que eu introduzi o balão, a guia foi junto. E ela que fez um chicote lá dentro, e uma alça lá dentro e furou aquela m...! Mas é isso. Eu acho que é o aprendizado, né?
A guia, citada no diálogo, é o que leva a válvula até o coração do paciente. Um balão é inflado no local do implante e a válvula se prende às paredes da aorta. Em outro telefonema, Dorsa falou sobre a cirurgia com outro médico da equipe.
Dorsa: Sabe o que nós podíamos ter feito que nós não fizemos?
Médico: Ahn.
Dorsa: Introduz essa desgraça desse condutor no próprio PTFE (enxerto). Não gosto desse negócio porque acontece algum acidente e é isso que dá! Porque as artérias, se acontece qualquer coisa, você conserta. Tem jeito. O coração não tem conserto.
Médico: Essa do PTFE (enxerto) também, nem me toquei dessa aí, também!
Dorsa: É, não pensei. Também, fica todo mundo dando palpite! O Jackson querendo fazer transapical, puxa você para uma indicação que eu não gosto. E outra coisa, antes de acontecer qualquer coisa, a pressão já tava a 3, antes de furar o ventrículo. Não é um furo, é um rasgo.
Em outro trecho da conversa, Dorsa admite que não dominava a técnica.
Dorsa: Fazer cirurgia no coração e meter coisa lá dentro, sem extracorpórea, não é comigo. Ah, eu não gosto de transapical. Mas  vamos ter que fazer, tudo bem. Mas vamos ter que fazer com cuidado absurdo, com uma programação de estar ali pensando em tudo, cuidando das coisas. Muita coisa agora já firmei.
Homem: É, muita coisa que a gente não sabia. Né?
Dorsa: Não tinha noção de... não é noção. Você vê, mas é só fazendo para você sentir o que que é o treco, né.
Homem: É, deixar para os bem selecionados, né. E como você falou ontem, é um aprendizado, né?
Dorsa: Exato.
O telefonema em que os médicos José Carlos Dorsa e João Jackson Duarte combinam de alterar o relatório da cirurgia ocorreu 18 dias após a morte da paciente.
Jackson: Como é que vai descrever aquela válvula transcateter que abriu a mulher, lá?
Dorsa: Qual mulher?
Jackson: Aquela que nós abrimos pra fazer transapical e morreu no meio.
Dorsa: Ué, tem que falar que fez transapical, né. Nós não fizemos transapical? Como é que foi?
Jackson: Nós fizemos apical e furou o ventrículo. Põe isso?
Dorsa: Não lembro agora o que que nós pensamos em fazer. Não, não põe isso! Coloca que foi transapical e que evoluiu com disfunção ventricular e que nós, é... conforme disfunção ventricular colocamos em extracorpórea, porque .... entendeu?
Jackson: Mas nós não colocamos em extracorpórea!
Dorsa: Eu sei, mas você vai falar por que você abriu o tórax? Não pode falar que furou, né!
Consta do prontuário da paciente, arquivado no HU, que participaram do procedimento José Carlos Dorsa, o primeiro auxiliar João Jackson Duarte e o segundo auxiliar, Guilherme Viotto, o mesmo que assinou o atestado de óbito da paciente. O relatório, assinado por Jackson, foi feito conforme o combinado.
Dorsa: Tem que descrever que evoluiu após implante com disfunção ventricular, importante que evoluiu pro óbito. Pode falar que ampliou a paractomia, pra fazer massagem cardíaca, né. E tentar colocar em extracorpórea, né. Entendeu?
Jackson: Aí não põe que eu pus em bomba, né?
Dorsa: Não, não põe! Evoluiu mal com... não evoluiu, evoluiu com baixo débito, disfunção ventricular severa. Que não houve retorno. Entendeu?
Jackson: Então tá.
Os médicos Guilherme Viotto e João Jackson Duarte também foram procurados pela reportagem, mas eles não foram encontrados.
 

Internado há mais de 40 anos, paciente cria série de animação dentro do hospital

Internado há mais de 40 anos, paciente cria série de animação dentro do hospital

Depoimento a
CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Vítima de paralisia infantil e morando há mais de 40 anos em uma UTI do Hospital das Clínicas, em São Paulo, Paulo Henrique Machado, 45, decidiu transformar suas aventuras em uma animação 3D.

Voltada para o público infantil, a série de desenhos "As Aventuras de Léca e Seus Amigos" mostra a infância de sete crianças com deficiência física. Léca, melhor amiga de Paulo, mora na cama ao lado.

É Eliana Zagui, também vítima da pólio e autora do livro "Pulmão de Aço - uma vida no maior hospital do Brasil" (Belaletra Editora, R$ 36).

Para sair do papel, o projeto tenta um financiamento coletivo por meio do site http://catarse.me/pt/leca.

Até sexta-feira, tinha conseguido só R$ 8.800 dos R$ 120 mil necessários para a produção.

Leia abaixo o depoimento dele:

Joel Silva/Folhapress
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Paulo Henrique Machado, internado há 43 anos no HC, aprendeu a usar ferramentas de computação no próprio leito

Minha mãe morreu dois dias depois que eu nasci. Com um ano e meio, tive paralisia infantil. Vim para o Hospital das Clínicas sem movimento nas pernas e, com o tempo, a paralisia atingiu também meu sistema respiratório.

Desde então, dependo do aparelho de respiração artificial para continuar vivo.

Aqui no hospital, aprendi a ler e a escrever. Conclui o ensino médio e fiz vários outros cursos de informática e na área de softwares.

Lembro-me de quando era pivete, podia andar de cadeira de rodas pelo hospital e visitar meus amigos em outros quartos. Líamos historinhas infantis uns para os outros.

Minha capacidade de respiração foi piorando e eu já não podia mais sair da cama. Eu e mais seis amigos, todos com paralisia infantil, fomos transferidos para um quarto [só ele e Eliana Zagui sobreviveram]. Era uma gangue.

Eu e a Tânia éramos os líderes e discutíamos muito. O principal motivo era a televisão. Havia dois aparelhos e a gente ficava competindo pelo volume, pelos programas. Os meninos queriam futebol, as meninas, novela.

PIPAS PELA JANELA
Apesar de estarmos presos às camas, a gente inventava brincadeiras que estimulavam a imaginação.

Eu, o Pedro e o Anderson tínhamos movimentação nos braços [as meninas não tinham] e fazíamos pipas para brincar e para vender. O Anderson conseguia soltar da janela do quarto.

Era engraçado porque não ventava o suficiente. Quando a pipa estava quase subindo, caía. Era muita pipa perdida. Enganchavam nas árvores, ou eram pegas pelos meninos que já ficavam perto do hospital à espera delas. Sempre machucava a mão afiando o bambu com canivete.

Aqui no hospital tive muita oportunidade de fazer coisas que qualquer outra criança podia fazer lá fora, como armar arapucas para pegar passarinho no fundo do terraço. A diferença é aqui a gente só pegava pomba.

Um dia encontrei um gafanhoto e o amarrei com barbante. Fazia de conta que eu era o Pinóquio e ele o grilo falante. Também ganhava "presentes" dos funcionários.

Uma atendente me deu uns tatus-bolas. Outro médico que trabalhava aqui, o doutor Giovani, que eu chamava de pai [Paulo tem pai, mas que raramente o visita], me trouxe duas pererecas, aquelas que dão em rio.

Eu tentava pegar, e elas pulavam. Foi aquela histeria generalizada na UTI.

Em 1992, pensei o que poderia ter para produzir, criar alguma coisa. Foi quando escrevi uma carta para uma empresa pedindo a doação de um computador. Comecei a estudar informática sozinho. Era um modelo MSX, bem limitado. Em 1994, ganhei meu primeiro PC.

No início, era aterrorizador, eu vivia quebrando o computador. A coisa melhorou depois que os hospital deixou os técnicos de informática à disposição para me ajudar. Hoje eu monto computadores. Tenho meu segundo PC montado.

A partir de 2004, lutei, também sozinho, para me profissionalizar na área de 3D. Em 2011, achei que eu precisava de um curso para trabalhar com computação gráfica. Fui atrás do Senac, e o professor veio até o hospital.

Desde então, comecei a alimentar a esperança de um dia me envolver profissionalmente com a sétima arte. Adoro cinema, meu ídolo é Charles Chaplin (1889-1977).
histórias

Foi aí que pensei numa animação com deficientes físicos. Mas não sabia se isso despertaria o interesse das pessoas. Foi então vendo as animações com personagens deficientes feitas por um estúdio britânico de que eu gosto [Aardman Animations, especializado em animações stop-motion], que fez a "Fuga das Galinhas", que pensei estar no caminho certo.

Pensei que as minhas aventuras e dos meus amigos aqui dentro do hospital já dariam um bom roteiro para uma série animada.

Ao colocar as histórias das nossas vidas, minha ideia é que as crianças possam assistir e aprender que o deficiente, numa cadeira de rodas, não é tão diferente assim. As histórias também contam sobre passeios que fiz ao Playcenter, ao circo, por exemplo.

Já roteirizei cinco histórias. Meu objetivo é finalizar a primeira temporada com 13 roteiros. Cada episódio tem 12 minutos. Se o vento continuar soprando, outras temporadas virão. E se as pessoas gostarem, nada impede que um dia vire um longa metragem.

A ideia com o Catarse é que as pessoas compartilhem ideias sobre o projeto e deem uma força. Uma árvore para crescer precisa ser regada. A árvore em questão não é de uma só pessoa. A ideia foi minha, mas o projeto da animação pertence a todos.

http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/05/1285372-internado-ha-mais-de-40-anos-paciente-cria-serie-de-animacao-dentro-do-hospital.shtml

Justiça acata laudo pericial e determina desbloqueio dos domínios do Midiamax

Justiça acata laudo pericial e

determina desbloqueio dos

domínios do Midiamax

 
Edivaldo Bitencour
O juiz da 27ª Vara Cível de Justiça de São Paulo, Vitor Frederico Kümpel, acatou pedido embasado em laudo pericial e determinou, na quarta-feira (29), o desbloqueio dos domínios .com. e .com.br do Midiamax, e também o midiamaxnews.com.br
O magistrado revogou a liminar que congelava os domínios após o jornal encaminhar novo pedido de desbloqueio e comprovar que todos os links de notícias foram retirados do ar, conforme a empresa havia peticionado desde o dia 24 de maio.
O Instituto de Perícias Científicas de Mato Grosso do Sul (IPC/MS) elaborou laudo para atestar que a decisão judicial foi devidamente cumprida. Segundo o diretor-sócio, Carlos Eduardo Naegele, a decisão da Justiça foi cumprida assim que a empresa tomou conhecimento da determinação, na última quinta-feira (23).
No entanto, a pedido da parte contrária, Luiz Eduardo Aurichio Bottura, o magistrado determinou, novamente, a suspensão dos domínios do Midiamax na segunda-feira (27). “Todos os domínios foram bloqueados novamente”, contou Naegele.
A pedido de Luiz Eduardo Aurichio Bottura, o magistrado determinou, na tarde de quinta-feira (23) a retirada de oito links de notícia. Assim que foi notificado da liminar judicial, o Midiamax cumpriu a determinação da Justiça do Estado de São Paulo.
Porém, mesmo cumprindo a decisão, o jornal acabou sendo retirado do ar novamente na segunda-feira. O Midiamax comprovou, com a anexação do laudo do IPC/MS, que todos os links foram removidos a partir da determinação do juiz paulista.
Com a decisão, segundo Naegele, a normalização dos acessos aos domínios .com e .com.br e midiamaxnews.com.br só depende da notificação ao Comitê Gestor da Internet no Brasil. O feriado desta quinta-feira (30) atrasou a devida oficialização da decisão, o que deve ocorrer no início do expediente desta sexta-feira (31).
"Provamos nossa idoneidade", afirmou o diretor do Midiamax ao ser informado da determinação do desbloqueio dos domínios na noite desta quarta-feira (29).
http://www.midiamax.ms/
 

OAB/MS se solidariza com Midiamax e defende liberdade de imprensa

OAB/MS se solidariza com

Midiamax e defende liberdade de

imprensa

 
Fernanda Kintschner
O presidente Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Mato Grosso do Sul (OAB/MS), Júlio Cesar Souza Rodrigues, afirmou que se solidariza com o MidiamaxNews, na defesa da liberdade de imprensa, visto que o jornal foi retirado do ar durante os últimos três dias.
“Se o meio de comunicação cumpriu a determinação judicial e retirou a matéria envolvida no processo, não havia o porquê de todo o site ter sido suspenso”, comentou o presidente. O site está temporariamente funcionando pelo endereço www.midiamax.ms.
O advogado reiterou que tal ação vai de encontro ao que visa um país democrático. “Não poderia ocorrer esta restrição, visto que viola a liberdade de imprensa, que é um direito legal e constitucional”, concluiu o presidente.
A decisão do juiz Vitor Frederico Kümpel, da 27ª Vara Civil de São Paulo, retirou os domínios .com.br e .com a favor de ação foi movida por Luiz Eduardo Auricchio Bottura, que alega supostas ofensas na divulgação de denúncias em que ele estaria supostamente envolvido em 2011.
O Midiamax retirou as notícias do ar, como comprovam as imagens publicadas no Facebook oficial da empresa: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=488204624585523&set=a.238743019531686.56350.190489027690419&type=1&theater, mas mesmo assim foi retirado do ar.
O jornal também está divulgando suas matérias pelo domínio www.facebook.com/midiamax.

http://www.midiamax.ms/

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Raimunda a Quebradeira


Quem é esse menino negro / Que desafia limites? / Apenas um homem. / Sandálias surradas. /Paciência e indignação. / Riso alvo. / Mel noturno. / Sonho irrecusável. / Lutou contra cercas. / Todas as cercas./ As cercas do medo. / As cercas do ódio. / As cercas da terra. / As cercas da fome. / As cercas do corpo. / As cercas do latifúndio.

Padre Josimo Tavares: 27 anos de martírio



“Feliz de um povo que não esquece seus mártires.” (Dom Pedro Casaldáliga)
Dia 10 de maio de 2013, antevéspera do dia das mamães, celebramos 27 anos do martírio do padre Josimo Tavares. Por isso o recordamos. Após tentativa de assassinato contra padre Josimo Moraes Tavares, no dia 15 de abril de 1986, quando cinco tiros foram disparados contra a Toyota dele, profundamente ameaçado de morte e de ressurreição, incompreendido até por colegas padres e agentes de pastoral, padre Josimo foi "intimado" a elaborar um relatório de suas atividades e a esclarecer as circunstâncias que levaram a tantas ameaças de morte contra ele.

Em seu belíssimo Testamento Espiritual pronunciado durante a Assembléia Diocesana de Tocantinópolis, MA, no dia 27 de abril de 1986, poucos dias antes de seu assassinato, dizia Josimo que sua morte estava anunciada, encomendada e prescrita nos anais das correntes que desejavam ardentemente eliminá-lo. Novos Anás e novos Caifás já o haviam julgado. Mas Josimo se encontrava firme, pois havia assumido o seu trabalho pastoral no compromisso e na causa em favor dos pobres, dos oprimidos e injustiçados, impulsionado pela força do Evangelho. Josimo declarou:

"Pois é, gente, eu quero que vocês entendam que o que vem acontecendo não é fruto de nenhuma ideologia ou facção teológica, nem por mim mesmo, ou seja, pela minha personalidade. Acredito que o porquê de tudo isso se resume em três pontos principais.

- Por Deus ter me chamado com o dom da vocação sacerdotal e eu ter correspondido.

- Pelo senhor bispo, D. Cornélio, ter me ordenado sacerdote.

- Pelo apoio do povo e do vigário de Xambioá, então Pe. João Caprioli, que me ajudaram a vencer nos estudos.

"O discípulo não é maior do que o Mestre. Se perseguirem a mim, hão de perseguir vocês também." Tenho que assumir. Agora estou empenhado na luta pela causa dos pobres lavradores indefesos, povo oprimido nas garras dos latifúndios. Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará a seu favor? Eu pelo menos nada tenho a perder. Não tenho mulher, filhos e nem riqueza sequer, ninguém chorará por mim. Só tenho pena de uma pessoa: de minha mãe, que só tem a mim e mais ninguém por ela. Pobre. Viúva. Mas vocês ficam aí e cuidarão dela. Nem o medo me detém. É hora de assumir. Morro por uma justa causa. Agora quero que vocês entendam o seguinte: tudo isso que está acontecendo é uma conseqüência lógica resultante do meu trabalho na luta e defesa pelos pobres, em prol do Evangelho que me levou a assumir até as últimas conseqüências.

A minha vida nada vale em vista da morte de tantos pais lavradores assassinados, violentados e despejados de suas terras. Deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar. É hora de se levantar e fazer a diferença! Morro por uma causa justa .”

Mas ele não imaginava que a morte viria tão cedo. Dia 10 de maio de 1986, dia das mamães, padre Josimo foi assassinado covardemente enquanto subia as escadas do prédio da Mitra Diocesana de Imperatriz, MA, onde funcionava o escritório da CPT Araguaia-Tocantins. Ainda teve forças para entrar no hospital andando. Isso foi o que fazendeiros deram a dona Olinda, mãe do padre Josimo, no dia das mães.

Padre Josimo era coordenador da Comissão Pastoral da Terra – CPT - no Bico do Papagaio. O pistoleiro Geraldo Rodrigues da Costa efetuou dois disparos com uma pistola de calibre 7,65. Para executar Josimo contou com a participação de Vilson Nunes Cardoso, que até hoje está foragido.

Em 1993, nova denúncia, apontou como mandantes do assassinato de Padre Josimo, Geraldo Paulo Vieira, Adailson Vieira, Osmar Teodoro da Silva, Guiomar Teodoro da Silva, Nazaré Teodoro da Silva e Osvaldino Teodoro da Silva e João Teodoro da Silva. Em 1998 Adailson Vieira, Geraldo Paulo Vieira (pai do Adailson) e Guiomar Teodoro da Silva foram julgados e condenados. Os dois primeiros foram condenados a 19 anos de reclusão e Guiomar, a 14 anos e 3 meses. João Teodoro da Silva faleceu antes de ser levado a julgamento. Geraldo morreu alguns meses depois da sentença. Osmar Teodoro da Silva ficou foragido durante anos, sendo capturado pela polícia somente em 2001, depois de ter sido alvo do programa Linha Direta, na TV Globo. Em setembro de 2003, ele foi condenado, por unanimidade, a 19 anos de reclusão.

Geraldo Rodrigues da Costa, o executor do crime, foi condenado, em 1988, a 18 anos e 6 meses de reclusão. Conseguiu fugir da penitenciária por três vezes, mas, depois da última fuga, nunca mais fora encontrado. Há informações de que faleceu durante fuga após um assalto na cidade de Guaraí, Tocantins.

Em 2006, Claudemiro Godoy do Nascimento, no artigo “20 anos com Josimo”, recordava:

“Há 20 anos atrás, o Brasil vivia momentos de transformações políticas e econômicas que dinamizavam o cenário das relações políticas. Na região do Bico do Papagaio a situação não se diferenciava. Com o anuncio do fim do regime ditatorial havia uma rearticulação política das oligarquias rurais na chamada Nova República. A luta social se encontrava diante de fortes momentos de tensão e conflito por parte de fazendeiros e trabalhadores rurais que tinham na Igreja, na CPT, nos sindicatos e nos novos movimentos sociais do campo uma esperança em ver realmente a Terra partilhada para todos e todas. Josimo é a testemunha fiel e nos ensina de que vale a pena dar a vida pela causa do Reino, das comunidades e do povo. Sua morte significou o compromisso assumido em denunciar as estruturas de morte alimentadas pelas injustiças políticas de mandos e desmandos de uma oligarquia rural que ousava (ou ainda ousa) se estabelecer no poder da República. É neste sentido que Josimo se torna o padre mártir da Pastoral da Terra ao selar com seu sangue uma opção, um compromisso e um engajamento na defesa dos oprimidos, em especial, os trabalhadores rurais. Poderíamos relembrar os versos de Pedro Tierra escritos por ocasião do martírio de Padre Josimo em maio de 1986: Quem é esse menino negro / Que desafia limites? / Apenas um homem. / Sandálias surradas. /Paciência e indignação. / Riso alvo. / Mel noturno. / Sonho irrecusável. / Lutou contra cercas. / Todas as cercas./ As cercas do medo. / As cercas do ódio. / As cercas da terra. / As cercas da fome. / As cercas do corpo. / As cercas do latifúndio.
Diante de tanta fé e de uma teimosia do Reino inexplicável, Josimo sentia-se fortalecido pela experiência de Deus, pois se encontrava dentro do próprio Deus. Com certeza, Josimo fez a experiência de Deus que somente os grandes místicos da humanidade fizeram. Um homem que chega a ponto de saber que terá seu sangue derramado em defesa dos pobres e pela causa do Reino só pode ter tido a experiência concreta do Deus que se fez gente entre os homens e mulheres.

Para Josimo ser padre significava sentir a vida brotando como serviço justo a Deus e aos pobres, sobretudo. Para ele, o culto, a eucaristia, a teologia do sacrifício significava o agrado que fazemos a Deus no serviço aos pobres, aos doentes e marginalizados da sociedade. Percebemos nos escritos, nos poemas e nos registros de Josimo uma profunda intimidade com sua opção primeira, a saber: a Diakonia, ou seja, o serviço, o estar sempre servindo aos mais necessitados. Necessitados do Bico do Papagaio eram os trabalhadores rurais expulsos e espoliados da terra pelos grandes fazendeiros locais e pelos políticos ao estilo coronelista. Portanto, ser padre Josimo era ser Profeta na Justiça, Pastor na Caminhada e Sacerdote humilde que procurava oferecer a Deus oferendas justas. Josimo é a própria oferta. Tornou-se um ofertório vivo para nossas comunidades e para a construção do Reino.


Com certeza, a memória dos 26 anos do martírio de Padre Josimo nos traz à luz a experiência das CEBs – Comunidades Eclesiais de Base -, da Igreja Povo de Deus, Igreja Povo Novo enquanto sinal do Reino de Deus no mundo. Novos Josimos só surgirão quando a Igreja novamente for sinal vivo do Reino de Deus, quando estiver ao lado dos pobres e oprimidos, dos fracos e perseguidos; quando denunciar as injustiças e as opressões cometidas contra o povo; quando anunciar a esperança, a fé, o amor e a alegria aos pobres.

10 de maio de 2012 são 26 anos com Josimo. Ele continua vivo. Vivo nas memórias do povo, nas experiências dos educadores populares, nos escritos da Teologia da Libertação e no compromisso dos poucos agentes de pastorais que continuam reafirmando o mesmo compromisso com o Reino, com a causa de um novo mundo, com a justiça social e a solidariedade para com os excluídos da sociedade. Vivo no martirológico latino-americano, alternativo por excelência, sem nenhuma ligação e reconhecimento por parte da estrutura eclesial oficial. A história não pode perder a figura de Josimo. Ele é importante na história porque promoveu com o povo a história. Com Josimo, os dominados contam suas histórias. Com Josimo, a história não é na lógica da classe dominante. Com Josimo, os dominados são os sujeitos históricos.”


O nome de Padre Josimo está hoje em centenas de Acampamentos de Sem Terra, de Assentamentos de Reforma Agrária e de Comunidades Eclesiais de Base. Ele está muito vivo e presente nos corações e na mente de milhões de pessoas que lutam para que a Mãe terra seja libertada das garras do latifúndio e partilhada com milhões de sem-terra através de uma reforma agrária popular, massiva e democrática.

Algumas pessoas nos alertam perguntando: "Por que valorizar tanto o martírio, o sofrimento...?" Devemos ser criteriosos para não incentivarmos um martírio voluntário. É claro que existem muitas pessoas que, de mil e uma formas, e não raro, de um jeito eficaz e abrangente, dão testemunho, dinamizam a vida, atuam na cidadania e constroem o bem comum. Não podemos também jamais esquecer a memória dos inúmeros mártires da caminhada. Ai de um povo que esquece os seus mártires.

José Vicente, compositor e cantor das CEBs – Comunidades Eclesiais de Base – diz sobre Padre Josimo: “Padre Josimo sofreu várias ameaças, dois atentados e foi executado à bala, por um pistoleiro, a mando de um grupo de fazendeiros da região chamada Bico do Papagaio no Tocantins, onde ele acompanhava toda a situação de conflitos pela posse da terra e pelos direitos dos trabalhadores, como membro da coordenação da CPT.

Como cantor da caminhada, movido pelo testemunho de Josimo, Zé Vicente compôs a música "Renascerá” em sua homenagem.

"Renascerá, renascerá, o teu sonho, Josimo,

De um novo destino renascerá!

E chegará, e chegará tempo novo sagrado

Há tanto esperado, pra nós chegará!”

Dona Olinda, mãe de Padre Josimo ainda vive e mora na região do Bico do Papagaio. Ao contemplar sua imagem tão pequena, cabelos brancos, silenciosa, vestindo a camiseta comemorativa, com a frase do testamento do filho: "morro por uma Causa justa!”, o nosso coração arde de emoção. Quem conviveu com Josimo diz: "Ele era um poeta, tocava violão, gostava de escutar as histórias das pessoas, tinha um jeito manso, gostava de usar aquelas chinelas havaianas...”

Ao contemplar o pôr-do-sol na beira do grande Rio Tocantins, sob a lua nova que também deu o ar de graça sobre os presentes, a última estrofe do Samba pra Josimo irrompe na lembrança, como utopia teimosa, assinada com seu sangue há 27 anos.

"Cada rio formoso lá do Tocantins

Levará teu sonho a todos os confins

E cada braço erguido, conquistando o chão

Terá as energias do teu coração!”

Assim seja! Amém, Aleluia, Auerê, Uai! 

Gilvander Moreira é frei e padre carmelita. Mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), do Serviço de Animação Bíblica (SAB) e Via Campesina. Autor de alguns livros: Compaixão-misericórdia, uma espiritualidade que humaniza (Ed. Paulinas, 1996), Lucas e Atos, uma teologia da História (Ed. Paulinas, 2004) e co-autores de vários livros do CEBI.

http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=3579

CABRA MARCADO PARA MORRER - Eduardo Coutinho


Morte e Vida Severina - João Cabral de Melo Neto


A HISTÓRIA DAS COISAS


Eu Não Consigo Ser Alegre O Tempo Inteiro - Wander Wildner

Eu Não Consigo Ser Alegre O Tempo Inteiro

Wander Wildner


Você sempre surge em minha mente
Sempre você e ninguém mais
É de você que eu me lembro
Sempre você e ninguém mais
E ninguém mais, e ninguém mais


Eu sempre tento e não consigo
Então as vezes quando a noite chega
Eu fico só comigo mesmo
E só me resta a saudade como companhia
Como companhia


Eu não consigo ser alegre
O tempo inteiro
Eu não consigo ser alegre
O tempo inteiro
Eu não consigo


Você sempre surge em minha mente
Sempre você e ninguém mais
É de você que eu me lembro
Sempre você e ninguém mais
E ninguém mais, e ninguém mais


Você diz que não me quer mais
E que agora eu sou seu grande amigo
Você me quer só a metade
Mas pra mim você está em toda a parte
Em toda a parte


Eu não consigo ser alegre
O tempo inteiro
Eu não consigo ser alegre
O tempo inteiro
Eu não consigo


Eu vo fazer o iê-iê-iê
Eu vo fazer o iê-iê-iê
Eu sou o rei do iê-iê-iê

terça-feira, 28 de maio de 2013

CIRANDA DA BAILARINA

Ciranda da Bailarina

Chico Buarque


Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Verruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem


Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida
Ela não tem


Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem


Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem


O padre também
Pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem, todo mundo tem pentelho*
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem

Procurando bem
Todo mundo tem...

A pipoca

A pipoca

Rubem Alves

A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas.

Por isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Dedico-me a algo que poderia ter o nome de "culinária literária". Já escrevi sobre as mais variadas entidades do mundo da cozinha: cebolas, ora-pro-nobis, picadinho de carne com tomate feijão e arroz, bacalhoada, suflês, sopas, churrascos.

Cheguei mesmo a dedicar metade de um livro poético-filosófico a uma meditação sobre o filme A Festa de Babette que é uma celebração da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor das minhas limitações e competências, nunca escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta, psicanalista e teólogo — porque a culinária estimula todas essas funções do pensamento.

As comidas, para mim, são entidades oníricas.

Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu.

A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível.

A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela. Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem.

Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.

Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé...

A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido.

Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.

Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.

Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!

E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.

Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.

Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.

Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.

Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.

"Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.

Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar.

Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem.

Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: "Fiquei piruá!" Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.

Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.

Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á".A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.

Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...

"Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".

O texto acima foi extraído do jornal "Correio Popular", de Campinas (SP), onde o escritor mantém coluna bissemanal


“Porque o povo do interior – sem convenções, “poses” – dá melhores personagens de parábolas: lá se veêm bem as reações humanas e a ação do destino: lá se vê bem um rio cair na cachoeira ou contornar a montanha, e as grandes árvores estalarem sob o ráio, e cada talo do capim humano rebrotar com a chuva ou se estorricar com a sêca.” SAGARANA

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O Velho e o Moço

O Velho e o Moço

Los Hermanos




Deixo tudo assim
Não me importo em ver a idade em mim,
Ouço o que convém
Eu gosto é do gasto.


Sei do incômodo e ela tem razão
Quando vem dizer, que eu preciso sim
De todo o cuidado


E se eu fosse o primeiro a voltar
Pra mudar o que eu fiz,
Quem então agora eu seria?


Ah, tanto faz
Que o que não foi não é
Eu sei que ainda vou voltar...
Mas eu, quem será?


Deixo tudo assim,
Não me acanho em ver
Vaidade em mim
Eu digo o que condiz.
Eu gosto é do estrago.


Sei do escândalo
E eles têm razão
Quando vêm dizer
Que eu não sei medir
Nem tempo e nem medo


E se eu for
O primeiro a prever
E poder desistir
Do que for dar errado?


Ahhh
Ora, se não sou eu
Quem mais vai decidir
O que é bom pra mim?
Dispenso a previsão!


Ah, se o que eu sou
É também o que eu escolhi ser
Aceito a condição

Vou levando assim
Que o acaso é amigo
Do meu coração

Quando fala comigo,
Quando eu sei ouvir

CABEÇAS DO ESTADO

O PRIMEIRO, ME PARECE, QUE É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL. O SEGUNDO (RELEMBRANDO) O GOVERNADOR DO ESTADO...

Professor ataca “bichonas” da UFMS e defende fim de cursos “coloridos”

Ângela Kempfer
Post do professor no Facebook.Post do professor no Facebook.
P
arece pegadinha, pelo teor caricato e violento da mensagem, mas ao que tudo indica não é. No Facebook, o professor universitário Kleber Kruger teve uma reação radical, ao encontrar paredes pichadas nos corredores da universidade na última sexta-feira. Infelizmente, não há como não reproduzir alguns palavrões usados por ele, para não comprometer interpretações.
 
“Hoje cheguei na Federal e encontrei algumas paredes dos cursos de computação e engenharia pichadas com frases como: ‘O amor homo é lindo!’, ‘Homosexualismo é lindo!’, ‘Fora machismo!’ ... aaah! se fuderem seus *viados fila da puta!”
E
 não para por aí, depois da explícita raiva, Kleber continua, pedindo o fim de alguns cursos que considera “coloridos”. “Aí, nas paredes daqueles cursos formadores de bichonas tá tudo limpo! Depois eu falo que tinha que pegar aqueles cursos de gente colorida e fechar tudo! E saio rotulado como preconceituoso, porque tá na moda defender homossexualismo.”
 
Ele continua com termos ainda mais chulos, em frases agressivas. São tantos ataques que a reação foi instantânea, de gente revoltada com o texto, principalmente, por se tratar de um professor universitário, do curso de Ciências da Computação.
 
“Ninguém nunca chegou em vocês e disse diretamente ou tentou impor um ponto de vista de forma agressiva eu tenho certeza, no máximo picharam corredores que há décadas não são reformados. É o cúmulo da homofobia”, protesta Geisiane Sena.
 
O professor parece alheio ao repúdio e reforça: “Eu ainda não sei qual o objetivo disso, porque as pessoas que não tinham nenhum tipo de *repudiação ao homossexualismo, com essas atitudes passarão a ter. E essas atitudes de pichar paredes dos outros cursos é vista como uma espécie de provocação. Depois eles tomam uma surra, morre um *viado lá no Campus, sai no jornal e pronto! conseguiram chamar a atenção que eles tanto queriam!”
A jornalista Lyra Libero é uma a reagir: “Como você tem coragem de destrinchar ódio e ainda dizer 'E olha que eu, Kleber Kruger, num tenho nada contra se vc, caro amigo leitor doador de cu'??????? meu, como é que você conseguiu ser professor? Sério.”
 
Os alunos da UFMS seguem com lembretes do tipo: "Acho que alguém deveria perder o emprego de professor"
 
Mas também há mensagens de apoio “Falou bem agora Kleber”, diz rapaz que se identifica como José Alves.
 
Depois de 21 compartilhamentos e vários comentários indignados, Kleber excluiu a postagem do Facebook. O Lado B tentou conversar com Kleber pelo Facebook, mas o professor não respondeu.
 
 
 
 
Governador de MS chama Carlos Minc de 'veado e maconheiro'
Declaração é resultado da proibição da instalação de novas lavouras de cana-de-açúcar na região do Pantanal
estadao.com.br
O governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), disse nesta terça-feira que o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, "é veado e fuma maconha". A declaração foi dada durante uma reunião com empresários e industriais em Campo Grande.
 
O governador André Puccinelli, em foto de arquivo - Arquivo/AE - 01/02/2008
Arquivo/AE - 01/02/2008
O governador André Puccinelli, em foto de arquivo
Puccinelli discorda do Zoneamento Agroecológico da Cana, de autoria de Minc, que veta o uso da Bacia do Alto Paraguai (BAP) para usinas e lavouras de cana. De acordo com o governador, o Zoneamento Econômico Ecológico estadual é idêntico ao elaborado pelo governo federal.
"Não quero pôr usinas. Quero plantar cana (...) O medo que se tem é de contaminar os rios com o vinhoto, mas hoje até o vinhoto serve de fertilizante", declarou.
Em resposta à acusação de Puccinelli, a Assessoria de Imprensa do ministro divulgou nota em que caracteriza o governador como "um truculento ambiental que quer destruir o Pantanal com a plantação de cana-de-açúcar. Essa declaração revela o seu caráter".
André Puccinelli ainda brincou com a possível participação de Minc na Meia-Maratona Internacional do Pantanal, que será realizada no dia 11 de outubro. "Eu o alcançaria e estupraria em praça pública", disse.
A primeira etapa do Zoneamento Econômico Ecológico de MS já está na Assembleia Legislativa. De acordo com o projeto do Ministério do Meio Ambiente, não serão autorizadas novas lavouras de cana no Pantanal. Já o governo do Estado pretende destinar 1,280 milhão dos 3,5 milhões de hectares da Bacia para o plantio.
Na argumentação de Puccinelli, Carlos Minc entregou a Bacia do Alto Pantanal para o capital internacional só para obter o chamado selo verde que abre as portas do mercado externo para o etanol brasileiro.
Em um vídeo divulgado no Youtube, o ministro defendeu a descriminilização da maconha durante show da banda de reggae Tribo de Jah. "Os juízes da Argentina descriminalizaram. O usuário não é criminoso. Nesse jogo a gente tá perdendo aqui. Nós vamos virar esse jogo para acabar com a hiprocrisia".
 
 

domingo, 26 de maio de 2013

É ilegal, é imoral ou engorda

Ilegal, Imoral ou Engorda

Roberto Carlos




Vivo condenado a fazer o que não quero
Então bem comportado às vezes eu me desespero
Se faço alguma coisa sempre alguém vem me dizer
Que isso ou aquilo não se deve fazer


Restam meus botões...
Já não sei mais o que é certo
E como vou saber
O que eu devo fazer
Que culpa tenho eu
Me diga amigo meu
Será que tudo o que eu gosto
É ilegal, é imoral ou engorda


Há muito me perdi entre mil filosofias
Virei homem calado e até desconfiado
Procuro andar direito e ter os pés no chão
Mas certas coisas sempre me chamam atenção


Cá com meus botões...
Bolas eu não sou de ferro
Paro pra pensar
Mas não posso mudar
Que culpa tenho eu
Me diga amigo meu
Será que tudo que eu gosto
É ilegal, é imoral ou engorda


Se eu conheço alguém num encontro casual
E tudo anda bem, num bate papo informal
Uma noite quente sugere desfrutar
Do meu terraço, a vista de frente pro mar
Mas a noite é uma criança
Delícias no café da manhã

Então o que fazer
Já não quero mais saber
Se como alguma coisa
Que não devo comer
Se tudo que eu gosto
É ilegal, é imoral ou engorda
Se tudo que eu gosto
É ilegal, é imoral ou engorda
Será que tudo que eu gosto
É ilegal, é imoral ou engorda

quinta-feira, 16 de maio de 2013

ARTE LONGA

Arte Longa

Geraldo Azevedo




O mundo é grande
Para nossos desencontros
A arte é longa
A vida breve e fim
Mas como pode um mar assim tão grande
Caber num mundo tão pequeno assim

Meu violão não pesa muito
Carrega tantas canções
Fico pensando se um amor dos grandes
Pode habitar pequenos corações

Meu sapato carregado de distâncias
O meu chapéu de sonhos sem fim

Fico pensando e por mais que eu ande
Eu não consigo me afastar de mim

Fico pensando um mar assim tão grande
Caber num mundo tão pequeno assim

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Van Gogh


A questão da vinda de médicos Cubanos para o BRASIL

no blog do Nassif
Por Pedro Saraiva
Olá Nassif, sou médico e gostaria de opinar sobre a gritaria em relação à vinda dos médicos cubanos ao Brasil
Bom, como opinião inteligente se constrói com o contraditório, vou tentar levantar aqui algumas informações sobre a vinda de médicos cubanos para regiões pobres do Brasil que ainda não vi serem abordadas.
 

- O principal motivo de reclamação dos médicos, da imprensa e do CFM seria uma suposta validação automática dos diplomas destes médicos cubanos, coisa que em momento algum foi afirmado por qualquer membro do governo. Pelo contrário, o próprio ministro da saúde, Alexandre Padilha, já disse que concorda que a contratação de médicos estrangeiros deve seguir critérios de qualidade e responsabilidade profissional. Portanto, o governo não anunciou que trará médicos cubanos indiscriminadamente para o país. Isto é uma interpretação desonesta.
- Acho estranho o governo ter falado em atrair médicos cubanos, portugueses e espanhóis, e a gritaria ser somente em relação aos médicos cubanos. Será que somente os médicos cubanos precisam revalidar diploma? Sou médico e vivo em Portugal, posso garantir que nos últimos anos conheci médicos portugueses e espanhóis que tinham nível técnico de sofrível para terrível. E olha que segundo a OMS, Espanha e Portugal têm, respectivamente, o 6º e o 11º melhores sistemas de saúde do mundo (não tarda a Troika dar um jeito nesse excesso de qualidade). Profissional ruim há em todos os lugares e profissões. Do jeito que o discurso está focado nos médicos de Cuba, parece que o problema real não é bem a revalidação do diploma, mas sim puro preconceito.
- Portugal já importa médicos cubanos desde 2009. Aqui também há dificuldade de convencer os médicos a ir trabalhar em regiões mais longínquos, afastadas dos grandes centros. Os cubanos vieram estimulados pelo governo, fizeram prova e foram aprovados em grande maioria (mais à frente vou dar maiores detalhes deste fato). A população aprovou a vinda dos cubanos, e em 2012, sob pressão popular, o governo português renovou a parceria, com amplo apoio dos pacientes. Portanto, um dos países com melhores resultados na área de saúde do mundo importa médicos cubanos e a população aprova o seu trabalho.
- Acho que é ponto pacífico para todos que médicos estrangeiro tenham que ser submetidos a provas aí no Brasil. Não faz sentido importar profissionais de baixa qualidade. Como já disse, o próprio ministro da saúde diz concordar com isso. Eu mesmo fui submetido a 5 provas aqui em Portugal para poder validar meu título de especialista. As minhas provas foram voltadas a testar meus conhecimentos na área em que iria atuar, que no caso é Nefrologia. Os cubanos que vieram trabalhar em Medicina de família também foram submetidos a provas, para que o governo tivesse o mínimo de controle sobre a sua qualidade. 
Pois bem, na última leva, 60 médicos cubanos prestaram exame e 44 foram aprovados (73,3%). Fui procurar dados sobre o Revalida, exame brasileiro para médicos estrangeiros e descobri que no ano de 2012, de 182 médicos cubanos inscritos, apenas 20 foram aprovados (10,9%). Há algo de estranho em tamanha dissociação. Será que estamos avaliando corretamente os médicos estrangeiros? 
Seria bem interessante que nossos médicos se submetessem a este exame ao final do curso de medicina. Não seria justo que os médicos brasileiros também só fossem autorizados a exercer medicina se passassem no Valida? Se a preocupação é com a qualidade do profissional que vai ser lançado no mercado de trabalho, o que importa se ele foi formado no Brasil, em Cuba ou China? O CFM se diz tão preocupado com a qualidade do médico cubano, mas não faz nada contra o grande negócio que se tornaram as faculdades caça-níqueis de Medicina. No Brasil existe um exército de médicos de qualidade pavorosa. Gente que não sabe a diferença entre esôfago e traqueia, como eu já pude bem atestar. Porque tanto temor em relação à qualidade dos estrangeiros e tanta complacência com os brasileiros? 
- Em relação este exame de validação do diploma para estrangeiros abro um parêntesis para contar uma situação que presenciei quando ainda era acadêmico de medicina, lá no Hospital do Fundão da UFRJ. 
Um rapaz, se não me engano brasileiro, tinha feito seu curso de medicina na Bolívia e havia retornado ao país para exercer sua profissão. Como era de se esperar, o rapaz foi submetido a um exame, que eu acredito ser o Revalida (na época realmente não procurei me informar). O fato é que a prova prática foi na enfermaria que eu estava estagiando e por isso pude acompanhar parte da avaliação. Dois fatos me chamaram a atenção, o primeiro é a grande má vontade dos componentes da banca com o candidato. Não tenho dúvidas que ele já havia sido prejulgado antes da prova ter sido iniciada. Outro fato foi o tipo de perguntas que fizeram. Lembro bem que as perguntas feitas para o rapaz eram bem mais difíceis que aquelas que nos faziam nas nossas provam. Lembro deles terem pedidos informações sobre detalhes anatômicos do pescoço que só interessam a cirurgiões de cabeça e pescoço. O sujeito que vai ser médico de família, não tem que saber todos os nervos e vasos que passam ao lado da laringe e da tireoide. O cara tem que saber tratar diarreia, verminose, hipertensão, diabetes e colesterol alto. Soube dias depois que o rapaz tinha sido reprovado.
Não sei se todas as provas do Revalida são assim, pois só assisti a uma, e mesmo assim parcialmente. Mas é muito estranho os médicos cubanos terem alta taxa de aprovação em Portugal e pouquíssimos passarem no Brasil. Outro número que chama a atenção é o fato de mais de 10% dos médicos em atividade em Portugal serem estrangeiros. Na Inglaterra são 40%. No Brasil esse número é menor que 1%. E vou logo avisando, meu salário aqui não é maior do que dos meus colegas que ficaram no Brasil. 
- Até agora não vi nem o CFM nem a imprensa irem lá nas áreas mais carentes do Brasil perguntar o que a população sem acesso à saúde acha de virem 6000 médicos cubanos para atendê-los. Será que é melhor ficar sem médico do que ter médicos cubanos? É o óbvio ululante que o ideal seria criar condições para que médicos brasileiros se sentissem estimulados a ir trabalhar no interior. Mas em um país das dimensões do Brasil e com a responsabilidade de tocar a medicina básica pulverizada nas mãos de centenas de prefeitos, isso não vai ocorrer de uma hora para outra. Na verdade, o governo até lançou nos últimos anos o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), que oferece salários mensais de R$ 8 mil e pontos na progressão de carreira para os médicos que vão para as periferias. O problema é que até hoje só 4 mil médicos aceitaram participar do programa. Não é só salário, faltam condições de trabalho. O que fazemos então? vamos pedir para os mais pobres aguentar mais alguns anos até alguém conseguir transformar o SUS naquilo que todos desejam? Vira lá para a criança com diarreia ou para a mãe grávida sem pré-natal e diz para ela segurar as pontas sem médico, porque os médicos do sul e sudeste do Brasil, que não querem ir para o interior, acham que essa história de trazer médico cubano vai desvalorizar a medicina do Brasil. 
- É bom lembrar que Cuba exporta médicos para mais de 70 países. Os cubanos estão acostumados e aceitam trabalhar em condições muito inferiores. Aliás, é nisso que eles são bons. Eles fazem medicina preventiva em massa, que é muito mais barata, e com grandes resultados. Durante o terremoto do Haiti, quem evitou uma catástrofe ainda maior foram os médicos cubanos. Em poucas semanas os médicos dos países ricos deram no pé e deixaram centenas de milhares de pessoas sem auxílio médico. Se não fosse Cuba e seus médicos, haveria uma tragédia humanitária de proporções dantescas. Até o New England Journal of Medicine, a revista mais respeitada de medicina do mundo, fez há poucos meses um artigo sobre a medicina em Cuba. O destaque vai exatamente para a capacidade do país em fazer medicina de qualidade com recursos baixíssimos (http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp1215226). 
- Com muito menos recursos, a medicina de Cuba dá um banho em resultados na medicina brasileira. É no mínimo uma grande arrogância achar que os médicos cubanos não estão preparados para praticar medicina básica aqui no Brasil. O CFM diz que a medicina de Cuba é de má qualidade, mas não explica por que a saúde dos cubanos, como muito menos recursos tecnológicos e com uma suposta inferioridade qualitativa, tem índices de saúde infinitamente melhores que a do Brasil e semelhantes à avançada medicina americana (dados da OMS).
- Agora, ninguém tem que ir cobrar do médico cubano que ele saiba fazer cirurgia de válvula cardíaca ou que seja mestre em dar laudos de ressonância magnética. Eles não vêm para cá para trabalhar em medicina nuclear ou para fazer hemodiálises nos pacientes. Medicina altamente tecnológica e ultra especializada não diminui mortalidade infantil, não diminui mortalidade materna, não previne verminose, não conscientiza a população em relação a cuidados de saúde, não trata diarreia de criança, não aumenta cobertura vacinal, nem atua na área de prevenção. É isso que parece não entrar na cabeça de médicos que são formados para serem superespecialistas, de forma a suprir a necessidade uma medicina privada e altamente tecnológica. Atenção! O governo que trazer médicos para tratar diarreia e desidratação! Não é preciso grande estrutura para fazer o mínimo. Essa população mais pobre não tem o mínimo!
Que venham os médicos cubanos, que eles façam o Revalida, mas que eles sejam avaliados em relação àquilo que se espera deles. Se os médicos ricos do sul maravilha não querem ir para o interior, que continuem lutando por melhores condições de trabalho, que cobrem dos governos em todas as esferas, não só da Federal, melhores condições de carreia, mas que ao menos se sensibilizem com aqueles que não podem esperar anos pela mudança do sistema, e aceitem de bom grado os colegas estrangeiros que se dispõe a vir aqui salvar vidas.
Infelizmente até a classe médica aderiu ao ativismo de Facebook. O cara lê a Veja ou O Globo, se revolta com o governo, vai no Facebook, repete meia dúzia de clichês ou frases feitas e sente que já exerceu sua cidadania. Enquanto isso, a população carente, que nem sabe o que é Facebook morre à mingua, sem atendimento médico brasileiro ou cubano.