Especialistas da área do aquarismo questionam os motivos que levaram a mortandade de mais de 10 mil peixes, que estavam no processo de quarentena do Aquário do Pantanal e estão revoltados com o descaso ocorrido em Campo Grande. O oceanólogo Hugo Gallo Neto, fundador do Aquário de Ubatuba (SP), que denunciou irregularidades ao Ministério Público de Mato Grosso do Sul, suspeita de falta de conhecimento dos responsáveis pelo projeto.
A empresa Anambi (Análise Ambiental) responsável pelo projeto quarentena do Aquário do Pantanal apresentou, no início de maio um relatório à Fundect (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento de Ensino, Ciências e Tecnologia do Mato Grosso do Sul), informando os procedimentos da quarentena e os motivos que resultaram na morte 10.160 peixes, instalados nos tanques na sede da PMA (Polícia Militar Ambiental), no Parque das Nações Indígenas, em Campo Grande.
De acordo com o relatório, 80% dos peixes morreram em razão da mudança brusca da temperatura; 10% relacionados ao transporte dos animais e 10% teria sido provocado por doenças, causadas por bactérias, fungos, vírus, parasitas e por deficiências nutricionais.
No entanto, Hugo Gallo considerou o documento “muito pobre em informações sobre o sistema de suporte à vida”. Segundo o oceanólogo, o projeto de uma boa quarentena é algo que técnicos especialistas em aquários e sistemas de aquicultura podem desenvolver, “mas com conhecimento sobre as necessidades dos organismos aquáticos em relação aos parâmetros físico-químicos da água, comportamento, espaço, abrigos.”
Para o técnico agrícola e jornalista, Pedro Spindola, outro experiente especialista em peixes, a situação atual do Aquário do Pantanal “é caótica, digna de preocupação e merece providências urgentes, para que o prejuízo não seja maior do que já está ocorrendo”.
Pedro Spíndola, em artigo publicado, ontem, no
Campo Grande News, considerou que os peixes foram comprados antes do
tempo “a preço de ouro” e que foram confinados em grandes caixas d’água plásticas, com uma lotação superior ao recomendado, sendo alimentados com ração, “configurando-se em uma prática absolutamente fora dos padrões técnicos mínimos recomendados.” Para ele, se o Aquário fosse feita pela iniciativa privada, os órgãos de fiscalização e controle ambiental jamais aprovariam.
Segundo Spíndola, a morte dos peixes provocado pelo frio jamais deveria ter acontecido. “O mais inexperiente aquarista amador sabe que na época do frio a água de todo aquário tem que ser aquecida”, escreveu. Ele também questionou a morte por fungos, que seria inadmissível. “Não morreriam todos assim de repente. Existe prevenção e existem tratamentos. A vida não aceita improvisos.”
Mesma visão do oceanólogo Hugo Gallo, que atribuiu a mortandade dos peixes, nesse nível, como a falta de capacidade técnica da equipe responsável pelo planejamento da quarentena, “bem como da irresponsabilidade dos gestores e da equipe de assessores técnicos, contratados por vultuosas quantias para assessorar a obra e a implantação da coleta, quarentena e povoamento dos aquários.”
Conforme Hugo Gallo, o fluxo aberto, com entrada de água nova e saída de água suja, não é adequado para manutenção de espécies tão diversas, com necessidades tão diferentes em termos de temperatura e pH, sem o devido controle e atuação sobre os parâmetros físico-químicos da água que entra nos recintos.
Hugo Gallo disse que choques de temperatura assim como de pH (usado para medir o grau de acidez, neutralidade ou alcalinidade da água) podem ser fatais para muitos animais. “Aparentemente não havia nenhum sistema de controle de temperatura o que é básico para qualquer quarentena, ainda mais se falando de espécies de clima tropical”, lembrou o oceanólogo.
Para o especialista paulista, há um grau de dificuldade a ser considerado para a manutenção de espécies pouco conhecidas. Contudo, segundo Hugo Gallo, o relatório aponta mortandade massiva de animais amazônicos e asiáticos, cuja manutenção em aquários já é bastante conhecida.
Os dois especialistas também frisaram que o período de quarentena serve apenas para a manutenção temporária das espécies, em observação e (ou) tratamento por
tempo determinado (normalmente até quarenta dias), para avaliar ou melhorar a
saúde e evitar que possíveis patógenos e doenças sejam introduzidas no aquário.
Outro ponto comum importante a ser considerado é a responsabilidade dos gestores e assessores técnicos que permitiram a captura e o início da quarentena em período tão distante da inauguração do aquário.
A reportagem fez diversas tentativas de falar com o diretor da Anambi, Geraldo Augusto da Silva, mas não foi atendido.
Inquérito - O MPE/MS (Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul), por meio da Promotora de Justiça Luz Marina Borges Maciel Pinheiro, titular da 26ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da comarca de Campo Grande, abriu inquérito na semana passada para apurar irregularidades na construção do Aquário do Pantanal, como a morte de mais de 10 mil peixes que estavam na quarentena.
De acordo com o MPE/MS, o objetivo é apurar eventuais irregularidades envolvendo o licenciamento ambiental da obra, a captura, o manejo e a guarda das diversas espécies de peixes destinados à exposição no Aquário do Pantanal.
Laudo - Analistas ambientais do Cepta (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais), órgão integrante do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e com sede em Pirassununga (SP), vieram, nessa semana, a Campo Grande para avaliar a situação dos peixes em quarentena.
Conforme a assessoria de imprensa da Semade (Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico), o laudo técnico deve ser entregue na próxima semana e nortear as medidas que serão adotadas pela pasta.
http://www.campograndenews.com.br/cidades/capital/falta-de-conhecimento-pode-ser-causa-da-morte-de-10-mil-peixes-do-aquario