segunda-feira, 17 de março de 2014

 
 

Uma desmontagem humanizada através de fotografias em Saúde Coletiva*

Carlos Alberto Severo Garcia Júnior1
Radilson Carlos Gomes2

INTERFACE -  COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.995-1002, out./dez. 2013
 


Figura 1. Agente Comunitário da Saúde, Cuiabá

Vida-família. Cozinha, ponta de alimento, porta de entrada.

Cozinha-família, entrada da vida. Domicílio, meio de vida,

meio da vida. Visita, todos entram. Visita domiciliar, aquela

em busca (se ativa). Tempo de conversas, barriga cheia e

calor. Tempo de silêncio, panela vazia e desânimo. A imagem

além de compor contrastes de luzes e momentos, apresenta

uma abertura para enxergarmos a partir de um lugar de

“dentro”, ao mesmo tempo, um lugar de “fora”, e perder-se

naquilo que não se vê. Tem-se a proteção de paredes entre a

vida pública e a vida privada. A saúde (ora pública) tenta

entrar na casa (ora privada) pela porta aberta. Vida e família,

bem público-privado, porta de entrada de tudo.

 

Figura 2. Casa de Saúde Indígena, Itacoatiara, Amazonas

“Dona de divinas tetas, derrama o leite bom na minha cara e

o leite mau na cara dos caretas”, diria Caetano Veloso na

música “Vaca Profana”. Leite, alimento sagrado e

acalentador. Seios e bustos, imagem divina da vida. Vida

fértil, vida pulsante. História revelada na transmissão e na

passagem do líquido. Hoje, mãe. Ontem, jovem. Amanhã,

senhora. Entre rios, sinuosas margens que revelam a mãe

natureza resguardada pela vida ainda humana. Um olhar

feminino. Mulheres, mães, meninas e avós de um povo que

carrega uma herança. Uma cultura com seus respeitos e seus

rituais. Entre redes, entre pontos, entre vidas. A

naturalização de vidas em redes. Num primeiro plano: olhos

abertos-acima, atentos ao fora. No segundo plano: olhos

fechados-abaixo, atentos ao cuidado (dentro).

 

 

Figura 3. Unidade Básica de Saúde, Parnaíba, Piauí

Uma mesa em distâncias. Entre histórias de distâncias e

distâncias de histórias, mulheres e crianças numa ciranda.

Uma família viva, uma passagem de tempo, em busca de

cuidado. Perguntas: quem quer atenção quer encontrar

solução? Quem escuta visa qual saída? Quem olha, diz o

quê? Com licença, doutora, entramos aqui para saber o

que temos, mas acho que só sabemos o que não temos.

 

Figura 4. Colônia de hanseníase, Colônia João Paulo II – Marituba, Pará

Tem fogo? Indagaria parado. Como se o caminho já não

revelasse nenhuma surpresa. Um caminho que há muito se

caminha sabendo para onde se vai. Já foram deixados pelo

percurso alguns restos de cinzas. Fogo? Claro! Prazeres e

paixões não se esvaem em si mesmas, elas conduzem

caminhos, avisam aos menos atentos. Sinais e alertas que

advertem, dizem de sua saúde. Caminhar parado e rodar em

rodas. No escuro, num corredor solitário, vive restos e fumaças.

Se já lhe amputaram as pernas, do que lhe servem, se o corpo

segue a andar?

 

Figura 5. Atendimento domiciliar, periferia de São Paulo, SP

Planos em três porções, divididos entre pequenos objetos

humanos. Conversas e condições. Mulheres postas a dialogar sobre

a vida, banalidade em forma de uma tela. Um emaranhado de

semicoisas entre a vida. Vale a pena ver de novo. Quem não vê

perde a chance de chegar, e quem chega é porque quis ver. Uma

visita abre o impulso de organizar a casa. O estranho que entra

sempre pode estranhar aquela casa. Como se tentássemos mostrar

um pouco daquele outro que não somos. Um visitante impõe um

reajuste. O relógio, a mobília, a bagunça habitual da vida passa a

ser um possível desconforto.

 

Figura 6. Ananindeua, Pará

Pressões e marcas, impressões de expressões. Pressões e

contrastes, menção de tensão. Se o olhar e o vento não

conseguem revelar um tempo ou, mesmo, um lugar, ao menos,

pode-se ter um instante já-mais (Garcia, 2013) o mesmo.

Instante já-mais o mesmo é incapacidade de prender, escolha

de extrair o medo e o fim. Entre medidas capazes de relevar a

normalidade, temos sujeitos comuns, vida legítima, base sólida

de um território. Medidas e médias. Normalização que varre

extremos que jamais se tocam. Minha amiga, como vai você?

Ainda que não nos conhecemos, mas sei quem é você. Você

entrou em minha casa e esqueceu-se de dizer seu nome. Pediu

uma xícara de açúcar, um pedaço de pão e nunca mais voltou.

Deixou de aparecer. Por favor, apareça minha amiga, e diga

quem realmente é você.

 

Colaboradores

Os autores trabalharam juntos na concepção desta publicação. Carlos Garcia Jr.

produziu o texto e Radilson Carlos Gomes fotografou as imagens.

 

Referências

GARCIA, S. Marginais. Rio de Janeiro: Multifoco, 2013.

KOSSOY, B. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Cotia: Ateliê

Editorial, 2007.

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário