Uma desmontagem humanizada através de fotografias em Saúde Coletiva*
Carlos Alberto Severo Garcia Júnior1
INTERFACE - COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.17, n.47, p.995-1002, out./dez. 2013
Figura 1. Agente Comunitário da
Saúde, Cuiabá
Vida-família. Cozinha, ponta de alimento,
porta de entrada.
Cozinha-família, entrada da vida. Domicílio,
meio de vida,
meio da vida. Visita, todos entram. Visita
domiciliar, aquela
em busca (se ativa). Tempo de conversas,
barriga cheia e
calor. Tempo de silêncio, panela vazia e
desânimo. A imagem
além de compor contrastes de luzes e
momentos, apresenta
uma abertura para enxergarmos a partir de um
lugar de
“dentro”, ao mesmo tempo, um lugar de “fora”,
e perder-se
naquilo que não se vê. Tem-se a proteção de
paredes entre a
vida pública e a vida privada. A saúde (ora
pública) tenta
entrar na casa (ora privada) pela porta
aberta. Vida e família,
bem público-privado, porta de entrada de
tudo.
Figura 2. Casa de Saúde Indígena,
Itacoatiara, Amazonas
“Dona de divinas tetas, derrama o leite bom
na minha cara e
o leite mau na cara dos caretas”, diria
Caetano Veloso na
música “Vaca Profana”. Leite, alimento
sagrado e
acalentador. Seios e bustos, imagem divina da
vida. Vida
fértil, vida pulsante. História revelada na
transmissão e na
passagem do líquido. Hoje, mãe. Ontem, jovem.
Amanhã,
senhora. Entre rios, sinuosas margens que
revelam a mãe
natureza resguardada pela vida ainda humana.
Um olhar
feminino. Mulheres, mães, meninas e avós de
um povo que
carrega uma herança. Uma cultura com seus
respeitos e seus
rituais. Entre redes, entre pontos, entre
vidas. A
naturalização de vidas em redes. Num primeiro
plano: olhos
abertos-acima, atentos ao fora. No segundo
plano: olhos
fechados-abaixo, atentos ao cuidado (dentro).
Figura 3. Unidade Básica de Saúde,
Parnaíba, Piauí
Uma mesa em distâncias. Entre histórias de
distâncias e
distâncias de histórias, mulheres e crianças
numa ciranda.
Uma família viva, uma passagem de tempo, em
busca de
cuidado. Perguntas: quem quer atenção quer
encontrar
solução? Quem escuta visa qual saída? Quem
olha, diz o
quê? Com licença, doutora, entramos aqui para
saber o
que temos, mas acho que só sabemos o que não
temos.
Figura 4. Colônia de hanseníase,
Colônia João Paulo II – Marituba, Pará
Tem fogo? Indagaria parado. Como se o caminho
já não
revelasse nenhuma surpresa. Um caminho que há
muito se
caminha sabendo para onde se vai. Já foram
deixados pelo
percurso alguns restos de cinzas. Fogo? Claro!
Prazeres e
paixões não se esvaem em si mesmas, elas
conduzem
caminhos, avisam aos menos atentos. Sinais e
alertas que
advertem, dizem de sua saúde. Caminhar parado
e rodar em
rodas. No escuro, num corredor solitário,
vive restos e fumaças.
Se já lhe amputaram as pernas, do que lhe
servem, se o corpo
segue a andar?
Figura 5. Atendimento domiciliar,
periferia de São Paulo, SP
Planos em três porções, divididos entre
pequenos objetos
humanos. Conversas e condições. Mulheres
postas a dialogar sobre
a vida, banalidade em forma de uma tela. Um
emaranhado de
semicoisas entre a vida. Vale a pena ver de
novo. Quem não vê
perde a chance de chegar, e quem chega é
porque quis ver. Uma
visita abre o impulso de organizar a casa. O
estranho que entra
sempre pode estranhar aquela casa. Como se
tentássemos mostrar
um pouco daquele outro que não somos. Um
visitante impõe um
reajuste. O relógio, a mobília, a bagunça
habitual da vida passa a
ser um possível desconforto.
Figura 6. Ananindeua, Pará
Pressões e marcas, impressões de expressões.
Pressões e
contrastes, menção de tensão. Se o olhar e o
vento não
conseguem revelar um tempo ou, mesmo, um
lugar, ao menos,
pode-se ter um instante já-mais (Garcia,
2013) o mesmo.
Instante já-mais o mesmo é incapacidade de
prender, escolha
de extrair o medo e o fim. Entre medidas
capazes de relevar a
normalidade, temos sujeitos comuns, vida
legítima, base sólida
de um território. Medidas e médias.
Normalização que varre
extremos que jamais se tocam. Minha amiga,
como vai você?
Ainda que não nos conhecemos, mas sei quem é
você. Você
entrou em minha casa e esqueceu-se de dizer
seu nome. Pediu
uma xícara de açúcar, um pedaço de pão e
nunca mais voltou.
Deixou de aparecer. Por favor, apareça minha
amiga, e diga
quem realmente é você.
Colaboradores
Os autores trabalharam juntos na concepção
desta publicação. Carlos Garcia Jr.
produziu o texto e Radilson Carlos Gomes
fotografou as imagens.
Referências
GARCIA, S. Marginais. Rio de Janeiro: Multifoco, 2013.
KOSSOY, B. Os tempos da fotografia: o efêmero e o
perpétuo. Cotia: Ateliê
Editorial, 2007.
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