quinta-feira, 30 de maio de 2013

MAIS UMA DO MÉDICO EX-DIRETOR DO HOSPIAL UNIVERSITÁRIO DA UFMS

Investigado na Operação Sangue Frio teria adulterado laudo de cirurgia

Médico teria combinado mudança em laudo de cirurgia que acabou em óbito.
Investigado foi flagrado em escutas telefônicas em junho de 2012.

 
Em uma das ligações telefônicas interceptadas com autorização da Justiça durante a Operação Sangue Frio, o ex-diretor do Hospital Universitário de Campo Grande, José Carlos Dorsa, teria combinado com outro cirurgião cardíaco para adulterar o laudo de uma cirurgia que terminou em morte. O caso ocorreu há cerca de um ano. A reportagem foi exibida no Bom Dia MS desta quarta-feira (29).
Procurado pela reportagem, o médico José Carlos Dorsa falou por telefone. Ele disse que, por orientação do advogado, não irá gravar entrevista, mas afirmou que as interceptações telefônicas, feitas durante a Operação Sangue Frio, são diálogos entre especialistas e que fazem parte da rotina médica. Ele enfatizou que não combinou alterações em laudos médicos.
 
A dona de casa Maria Domingues Lopes Dias, de 65 anos, sofria de estenose aórtica e estava em tratamento. Os médicos não recomendavam a cirurgia convencional no coração, ou seja, com a abertura do tórax, porque ela poderia não resistir. Em junho de 2012, quando a dona de casa estava internada no Hospital Regional de Campo Grande, a família recebeu a notícia de que ela seria transferida para o Hospital Universitário (HU) de Campo Grande, para uma cirurgia de implante de uma válvula no coração. O procedimento é menos invasivo porque é feito por meio de um cateter.
Segundo a família, que prefere não se identificar, o médico João Jackson Duarte foi quem fez o anúncio. Assim que a paciente foi transferida, Dorsa foi avisado por um funcionário do HU que checou os exames encaminhados.
Funcionário: A paciente chegou aqui, do Regional.
Dorsa: E foi para a 'tomo' (tomografia)?
Funcionário: Não, acabou de chegar, faz um minuto. Tem um 'eco' (ecocardiograma) aqui que parece que tem uma estenose subaórtica aí, viu!
Dorsa: É, mas não tem não, nós já olhamos.
No dia seguinte, a paciente estava na sala da hemodinâmica do HU para o procedimento cirúrgico, quando Dorsa ligou para avisar à equipe que estava a caminho.
Dorsa: Como que está aí?
Funcionário: Vamos induzir já!
Dorsa: Quem que está aí?
Funcionário: Jackson, Dr. Augusto, Guilherme.
Dorsa: Fala que eu já estou chegando! Que esse caso aí, eu já olhei a tomo (tomografia). Vou ter que abrir a barriga, que nem aquela última, viu!
Quase três horas depois, o médico auxiliar saiu da sala para conversar com a família. Mas a equipe médica só deixou o local cerca de cinco horas após o início do procedimento.
Dorsa: Terminei aqui, viu. Estava uma tragédia grega a ponto de chegar a isso. Eu vou falar com a família, tá, que a paciente morreu. Tá?
Homem: Ai, meu Deus!
Ao deixar o hospital, Dorsa falou com seu assessor, Alcides Nascimento.
Alcides: Você está vindo do HU, né?
Dorsa: Do HU. A paciente morreu, viu! Empoleirou a válvula, viu. Ficamos tentando, tentando, abrimos o tórax. Fizemos o diabo aqui, cravou, viu!
Alcides: Ahn. Faz parte da estatística, né?
No atestado de óbito, as causas da morte apontadas foram choque cardiogênico, disfunção ventricular e estenose aórtica grave. Quem assinou foi o médico Guilherme Viotto, o segundo auxiliar na cirurgia, na época residente do Hospital Universitário.
No dia seguinte, em outro telefonema, Dorsa explicou como perfurou o ventrículo da paciente.
Dorsa: Aquela guia ficou solta. E a hora que eu introduzi o balão, a guia foi junto. E ela que fez um chicote lá dentro, e uma alça lá dentro e furou aquela m...! Mas é isso. Eu acho que é o aprendizado, né?
A guia, citada no diálogo, é o que leva a válvula até o coração do paciente. Um balão é inflado no local do implante e a válvula se prende às paredes da aorta. Em outro telefonema, Dorsa falou sobre a cirurgia com outro médico da equipe.
Dorsa: Sabe o que nós podíamos ter feito que nós não fizemos?
Médico: Ahn.
Dorsa: Introduz essa desgraça desse condutor no próprio PTFE (enxerto). Não gosto desse negócio porque acontece algum acidente e é isso que dá! Porque as artérias, se acontece qualquer coisa, você conserta. Tem jeito. O coração não tem conserto.
Médico: Essa do PTFE (enxerto) também, nem me toquei dessa aí, também!
Dorsa: É, não pensei. Também, fica todo mundo dando palpite! O Jackson querendo fazer transapical, puxa você para uma indicação que eu não gosto. E outra coisa, antes de acontecer qualquer coisa, a pressão já tava a 3, antes de furar o ventrículo. Não é um furo, é um rasgo.
Em outro trecho da conversa, Dorsa admite que não dominava a técnica.
Dorsa: Fazer cirurgia no coração e meter coisa lá dentro, sem extracorpórea, não é comigo. Ah, eu não gosto de transapical. Mas  vamos ter que fazer, tudo bem. Mas vamos ter que fazer com cuidado absurdo, com uma programação de estar ali pensando em tudo, cuidando das coisas. Muita coisa agora já firmei.
Homem: É, muita coisa que a gente não sabia. Né?
Dorsa: Não tinha noção de... não é noção. Você vê, mas é só fazendo para você sentir o que que é o treco, né.
Homem: É, deixar para os bem selecionados, né. E como você falou ontem, é um aprendizado, né?
Dorsa: Exato.
O telefonema em que os médicos José Carlos Dorsa e João Jackson Duarte combinam de alterar o relatório da cirurgia ocorreu 18 dias após a morte da paciente.
Jackson: Como é que vai descrever aquela válvula transcateter que abriu a mulher, lá?
Dorsa: Qual mulher?
Jackson: Aquela que nós abrimos pra fazer transapical e morreu no meio.
Dorsa: Ué, tem que falar que fez transapical, né. Nós não fizemos transapical? Como é que foi?
Jackson: Nós fizemos apical e furou o ventrículo. Põe isso?
Dorsa: Não lembro agora o que que nós pensamos em fazer. Não, não põe isso! Coloca que foi transapical e que evoluiu com disfunção ventricular e que nós, é... conforme disfunção ventricular colocamos em extracorpórea, porque .... entendeu?
Jackson: Mas nós não colocamos em extracorpórea!
Dorsa: Eu sei, mas você vai falar por que você abriu o tórax? Não pode falar que furou, né!
Consta do prontuário da paciente, arquivado no HU, que participaram do procedimento José Carlos Dorsa, o primeiro auxiliar João Jackson Duarte e o segundo auxiliar, Guilherme Viotto, o mesmo que assinou o atestado de óbito da paciente. O relatório, assinado por Jackson, foi feito conforme o combinado.
Dorsa: Tem que descrever que evoluiu após implante com disfunção ventricular, importante que evoluiu pro óbito. Pode falar que ampliou a paractomia, pra fazer massagem cardíaca, né. E tentar colocar em extracorpórea, né. Entendeu?
Jackson: Aí não põe que eu pus em bomba, né?
Dorsa: Não, não põe! Evoluiu mal com... não evoluiu, evoluiu com baixo débito, disfunção ventricular severa. Que não houve retorno. Entendeu?
Jackson: Então tá.
Os médicos Guilherme Viotto e João Jackson Duarte também foram procurados pela reportagem, mas eles não foram encontrados.
 

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