Beltrame diz que guerra contras as drogas está perdida: "drogas são problema de saúde, e não de polícia"
no GGN
Jornal GGN - Para o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mario Beltrame, a guerra
contra as drogas "é perdida, irracional" e as drogas são problema de saúde, e
não de polícia. Em entrevista para a revista Época durante viagem para a Europa,
Beltrame se mostrou "encantando" com a programa de descriminalização das drogas
em Portugal. " São 90 clínicas completas com toda a assistência, voluntários e
visitas. Todos se juntaram para combater essa doença, porque o vício é uma
enfermidade, e não um crime." Para ele, a descriminalização do uso traria
efeitos positivos para a polícia e o Judiciário.
Na
entrevista, ele ainda se diz a favor do desarmamento e reclamou do governo
federal, que estaria fazendo um plano de redução de homícidios sem consultar as
secretarias estaduais.
Enviado por Leo
V
Da Época
O
secretário de Segurança do Rio diz que droga é problema de saúde, não de polícia
– e que a descriminalização do uso não pode passar deste governo
RUTH
DE AQUINO| DE PARIS
José Mariano
Beltrame, homem forte da segurança do Estado do Rio de Janeiro há mais de
oito anos, nem na Europa consegue passear. Está a trabalho, em Portugal e na
França. Num momento em que a descriminalização do uso de drogas é debatida no Brasil, noSupremo Tribunal Federal (STF), ele admira a
estratégia do governo português para lidar com o problema. Tossindo forte, “com
uma farmácia na bagagem”, Beltrame aproveita a viagem de uma semana para ler O
homem que amava os cachorros, livro do cubano Leonardo Padura sobre o
assassinato do revolucionário Leon Trótski, em 1940, a mando do líder da União
Soviética, Josef Stálin. Está em um hotel sem luxo, ao lado da Sorbonne, em
Paris. Na pasta preta, o documento de cima o amolece. É um desenho feito pelo
garoto Francisco, de 5 anos, filho de Beltrame. Mostra pai e filho de mãos
dadas. “O Francisco fez para eu me lembrar dele na viagem.” Horas antes de pegar
o trem para ir a Nice abrir um seminário sobre Cidades inovadoras, Beltrame
falou a ÉPOCA sobre bandidos, policiais, cidadãos e drogas.
ÉPOCA – O que o senhor aprendeu nesta viagem?
José Mariano Beltrame – Fiquei encantado com a descriminalização das
drogas em Portugal. De todas as drogas, inclusive heroína, cocaína. O programa
começou em 2000. No Brasil, não pode passar deste governo a descriminalização do
uso. A guerra à droga é perdida, irracional. Podemos começar pela maconha.
Convidei os portugueses para ir ao Brasil na Semana do Policial, em novembro, e
contar a experiência de seu país. Em Portugal, o assunto “drogas” não está
inserido na polícia, mas no Ministério da Saúde. Com a ajuda de juízes,
procuradores, psicólogos, médicos, e integrantes da sociedade civil. A polícia
pega o usuário e ele é convidado a participar de encontros. São 90 clínicas em
Portugal, completas com toda a assistência, voluntários e visitas. E uma
comissão fiscaliza isso. Todos se juntaram para combater essa doença, porque o
vício é uma enfermidade, e não um crime. Sem vaidade, sem luta de poder.
ÉPOCA – No Brasil, estamos longe desse consenso...
Beltrame – No Rio, as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) são uma forma
de reconhecer o problema da droga, mas não abordar de uma forma belicista. Nunca
foi nosso objetivo acabar com as drogas. É impossível. Parece que os brasileiros
não acordam para o desperdício dessa guerra. Não existem vitoriosos.
Descriminalizando o uso, um dos efeitos é o alívio na polícia e no Poder
Judiciário, que podem se dedicar aos homicídios, aos crimes verdadeiros. Mas,
olhe só: o governo federal está preparando um plano nacional de redução de
homicídios sem consultar os Estados. Eu não fui consultado. Como não ouvir as
secretarias estaduais para aprender com acertos e erros? Espero que o plano não
envolva só questões policiais. Que venha com o foco de recuperar mecanismos
sociais para prevenir a violência. A polícia nada mais é que a seta da ponta da
flecha.
ÉPOCA – O senhor é a favor do desarmamento. Como vê as pesquisas, no
Brasil, que vão em sentido contrário?
Beltrame – Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama vai à televisão se
colocar pessoalmente contra a venda indiscriminada de armas, que certamente
contribuiu para o massacre de negros por um jovem branco (na cidade de
Charleston, em 17 de junho). Não importa se é no Alabama ou em Louisiana, o
presidente não foge de tomar uma posição, e diz: “Se não foi possível regular as
armas, temos como nação a obrigação de resolver o problema”. No Brasil, estamos
em retrocesso. Eu tiro fuzil de policiais, levo uma surra quando tento tirar
armas de bombeiros e uma grande parte da população continua querendo se
armar.
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