quinta-feira, 16 de junho de 2016


Violência policial: provas não se sustentam, mas o que importa é a opinião pública


Jornal GGN – O amigo do menino de dez anos morto pela Polícia Militar sofre de um grau leve de autismo e uma severa hiperatividade. Em nenhuma circunstância ele poderia ter sido interrogado na rua sem a presença de psicólogos e outros profissionais. Essa é a opinião do ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Julio Cesar Fernandes Neves.
Para ele, nenhum dos três depoimentos que o menino deu até agora (contando o primeiro, informal e irregular), foi conduzido de maneira adequada. E o testemunho do garoto, mesmo não podendo constar oficialmente no processo penal por conta de sua idade, é a peça chave para entender o que realmente aconteceu naquela noite. “Fundamental para o esclarecimento da verdade real”.
O ouvidor entende que algumas ações dos policiais naquela ocorrência tinham o objetivo de produzir provas para a opinião pública. O depoimento improvisado do menino sobrevivente é um exemplo disso. “Um abuso enorme. Abuso de autoridade. Totalmente irregular. Prova para a opinião pública. Para ter uma comoção”.
“Parece ser espontâneo”, foram as palavras do governador Geraldo Alckmin ao assistir as imagens. “Eu infelizmente tenho que discordar do governador”, disse Julio Cesar Neves. “Quando você sabe da situação dessa criança, não dá pra afirmar que ele tenha dito qualquer coisa com espontaneidade. É impossível”.
Inclusive, o ouvidor revelou que consta no inquérito policial um novo vídeo, que ainda não foi disponibilizado para a imprensa, em que o menino sobrevivente é retirado à força de dentro do carro roubado e arrastado por cerca de 40 metros até outro veículo.
“Eu tenho convicção absoluta que os policiais que estavam naquela ocorrência não sabiam com quem estavam lidando. Quando viram que quem levou o tiro foi uma criança, eles ficaram estupefatos”. A partir daí, começou uma corrida para tentar justificar o erro. “Com certeza eles mexeram na cena do crime. Não dá para falar que não”, garantiu o ouvidor.
Testemunhas improvisadas também foram reunidas às pressas para endossar a versão da PM para os fatos. O advogado Marco Gomes afirmou que estava na rua quando o crime aconteceu e ouviu um disparo de arma de fogo vindo do carro dos garotos contra a viatura da polícia. “Foi tão próximo de onde eu estava que até abaixei", disse na ocasião.
Tratava-se de mais um testemunho informal para a opinião pública, que não se confirmaria na investigação oficial. Na hora de prestar depoimento, o advogado já não tinha tanta certeza de onde veio o tiro. “O testemunho teria peso, se ele tivesse certeza e estivesse convicto de que o tiro que ele ouviu saiu de dentro do carro dos meninos. Mas ele deixou claro que não viu isso. Ele corria o risco de ser acusado de falso testemunho, então, ele fez bem em não assumir esse risco. Ele falou que é um advogado e sabe das consequências do testemunho dele. Não convicto, ele retirou o testemunho”, contou o ouvidor.
A própria arma supostamente encontrada pela polícia, um revolver 38 com três balas íntegras e três deflagradas, precisa ser mais bem investigada. “Essa arma veio de um roubo de carga da Comarca de Jundiaí. A gente também está pedindo para que seja visto o histórico dessa arma. Como que ela chegou nesse carro?”.
Para o ouvidor, não é razoável imaginar que dois meninos armados invadissem furtivamente um condomínio, pulando o muro externo, e furtassem um automóvel. “Se eles estavam armados, eles não precisavam pular o muro de um prédio. Eles poderiam fazer assaltos a mão armada na região”.
Além disso, os meninos deviam saber que a lei não permite deter menores de 12 anos. “Por que um menino de dez e um de 11 anos trocariam tiros com a polícia sabendo que sairiam imediatamente de uma delegacia? Eles não podem ser levados para a Fundação Casa, para abrigos, só acima de 12 anos”.
Passada a comoção inicial do caso, e com a investigação ainda em andamento, a única certeza é que, qualquer que tenha sido o motivo, houve erro policial. A própria gravação da conversa dos policiais na rua com o Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) deixa isso claro.
“Eles ali estavam conversando com o Copom, pedindo licença para agir. A resposta do Copom foi ‘mantenha distância, evite confronto’. Essa foi a frase que o policial do Copom soltou para os policiais da ocorrência. O Copom deixou claro que não era para haver confronto. O que não foi feito. Então, houve erro até no procedimento dos policiais da ocorrência”, acredita o ouvidor. “Trata-se de um garoto. Querendo ou não, o Estado tem uma dívida com ele”.
Dívida que provavelmente não será paga. O Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) está no caso. E os policiais envolvidos estão afastados da rua e realizando trabalhos administrativos. Mas o Ministério Público até agora não nomeou um membro para participar das investigações.
“A bem da verdade, até agora o Ministério Público não esteve presente. E essa é uma falha grave. A Ouvidoria exerce o controle social da atividade policial. Eles exercem o controle efetivo. O Ministério Público é que vai propor uma eventual ação penal, se tiver essa convicção, ou vai mandar arquivar. Mas como é que o Ministério Público manda arquivar se não participou diretamente dessa investigação?”.
Se a opinião pública estiver convencida, o caso será esquecido. E num país em que 50% da população concorda com a afirmação de que “bandido bom é bandido morto” (de acordo com dados do Fórum Nacional de Segurança Pública), o assassinato de jovens pelas mãos do Estado é até encorajado. 
http://jornalggn.com.br/noticia/violencia-policial-provas-nao-se-sustentam-mas-o-que-importa-e-a-opiniao-publica

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