terça-feira, 28 de agosto de 2012

PSICOLOGIA: 50 anos de profissão...ou 50 anos de procissão?


 
 
(Esse e-mail foi enviado ontem por mim, a um grande professor. Ele proferiu uma palestra, mas não tive oportunidade de fazer dois quetionamentos, pois não ocorreu aquele momento de perguntas e respostas no final. Assim, enviei por e-mail. O professor prontamente respondeu. Fiquei muito feliz por sua atenção. E minha mãe também.)


Caro Professor,

Assisti hoje atentamente a sua palestra-magna, em comemoração aos 50 anos de Profissão da Psicologia. Infelizmente ao meu ver foi muito rápida. E me surgiram dois questionamentos. Porém, não foi aberto o espaço para as perguntas no final de sua fala. Momentos esses, únicos, pois é o espaço que geralmente sobre para um profissional psicólogo, e que está constantemente tentando realizar um trabalho digno, com muitos questionamentos. Assim, tomei a liberdade de fazê-los por e-mail.
Antes de qualquer coisa, quero dizer que para mim foi uma feliz coincidência ver o senhor, como palestrante. É que há tempos atrás, minha mãe assistiu a uma palestra sua, proferida em Ponta Porã, sobre, eu acho, a qualidade de vida na aposentadoria. Ela me falou sobre o senhor muito encantada. Disse que foi até cumprimentá-lo, dizendo que tinha um filho psicólogo e coisa e tal... Coisa de mãe... Fiquei muito curioso.
Também, disse que o senhor era de Campo Grande, e que pesquisava sobre a temática do trabalho, sendo professor da UNB. Eu atuo especificamente na área da saúde aqui, mas a área que mais me identifiquei até hoje foi a do trabalho. Na minha concepção, não existe relação com maior franqueza no campo profissional, que a de dois trabalhadores. Reparo e tento aprender com os pesquisadores dessa área, como seu colega Wanderley Codo, o Dejours, Fadel, e outros da Psicologia do Trabalho, e vejo muita sinceridade não apenas em seus escritos, mas principalmente numa certa postura. E agora conheci o senhor. E quero aprender bastante com o seu livro.
Enfim, os meus questionamentos são:
1 – É que o senhor, tentando traçar o perfil do psicólogo brasileiro atual, se entendi bem, tem como um dos aspectos, a satisfação mediante seu trabalho, relacionado a seu engajamento social. O profissional então estaria satisfeito com o produto do seu trabalho, digamos assim. E esse produto em minha opinião, relaciona-se com a transformação da sociedade. Mas eu me pergunto como professor. Uma vez que há tempos, vivemos em uma das sociedades mais iníquas existentes no mundo?
Eu tenho um comentário sobre o perfil do psicólogo. Uma vez, assistindo a uma palestra do professor Marcus Vinícius, ele abordou alguns aspectos do perfil do psicólogo também. E um dos aspectos que apresentou, senão me engano, foi referente à classe social dos profissionais: Classe média. Outro aspecto: maioria de mulheres. Outro: “quase casadas”. E a partir apenas desses três aspectos, teceu algumas considerações interessantes, como o questionamento: que tipo de “choque”, digamos, essas profissionais, de classe média, teriam, quando depois de formadas, sendo abarcadas por políticas públicas como a dos CRAS, para trabalharem nas periferias, enfrentando problemas de uma complexidade enorme? Como pobreza, misérias, violências, drogas, etc..etc..etc..? Sei que aqui também poderia caber uma discussão forte sobre a formação do psicólogo. Da distância que existe sobre o que é aprendido (ou vendido) na academia, pelas faculdades, e as práticas que os profissionais almejam, e/ou devem exercer no dia-a-dia.
Então quando se fala em satisfação na percepção do profissional de seu trabalho, de seu engajamento social, seria uma “alienação”?
Na minha realidade professor, o que eu vejo, são muitos profissionais engajados sim, mas principalmente angustiados, mediante as condições de trabalho, a baixa valorização, e principalmente a complexidade, como disse anteriormente, dos problemas que nós profissionais estamos enfrentando cotidianamente.
2 – O segundo questionamento, refere-se a: Qual é a importância do profissional psicólogo, aquele da prática, da “ponta” na Psicologia Brasileira?
Participando desse evento professor, me veio o trocadilho, que ao invés de estarmos comemorando os 50 anos de” profissão”, não estaríamos comemorando os 50 anos de “procissão”...
Sabe professor, em muito me entristece, quando em um evento como esse que participo, quando se compõe a mesa com as autoridades, não se vê nenhum trabalhador da Psicologia... Nem mesmo nosso sindicato, teve sequer um nome citado. Homenagearam-se professoras de Psicologia, coordenadoras de cursos de Psicologia, estudantes das primeiras turmas de Psicologia, mas não ouvi nenhuma ao trabalhador da Psicologia. Sei que o senhor deve entender muito bem a importância que é um sindicato.
Nossa profissão está passando por muitas metamorfoses, como o próprio campo do trabalho, como o senhor bem associou, e trouxe o interessantíssimo conceito sobre a questão da “flexibilização” (do galho que entorta e vai para lá, e para cá...), quero aprender muito mais sobre isso. É uma das minhas principais “pulgas” atrás da orelha, quando em saúde me deparo com os conceitos de “Campo e Núcleo” , de “Clínica Ampliada” do professor Gastão Wagner, ou com o de “transdiciplinariedade”, ou o de “Tecnologias Leves”, do professor Emerson Merry. Ainda não compreendo o que é essa “flexibilidade”... E porque não dizer da própria “flexibilização” da Psicologia, com sua famosa diversidade.
Também professor, sabemos que nossa profissão nasceu, mediante um contexto infeliz, a ponto de até condecorarmos um presidente da república militar/ditador, com o título de doutor honoris-causa em Psicologia. São muitos os espaços que a Psicologia vem conquistando. Mas como foi ressaltado no evento, que não é apenas o espaço, mas principalmente as lutas, as bandeiras, que nós profissionais estamos levantando diariamente, é que determinarão o caminho que a Psicologia está rumando....
Enfim professor, sou apenas mais um profissional, e porque não dizer batalhador, como no “Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe média trabalhadora?” do professor Jesse de Souza. Que trabalha mais de 10 horas por dia, tentando associar suas coisas domésticas, lendo e estudando um pouco a noite. E termina de escrever um e-mail a 02:00 horas da madrugada com alguns questionamentos na cabeça.
Obrigado pela atenção.

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