(Esse
e-mail foi enviado ontem por mim, a um grande professor. Ele proferiu uma palestra, mas não tive oportunidade de fazer dois quetionamentos, pois não ocorreu aquele momento de perguntas e respostas no final. Assim, enviei por e-mail. O professor prontamente respondeu.
Fiquei muito feliz por sua atenção. E minha mãe também.)
Caro
Professor,
Assisti hoje atentamente a sua palestra-magna, em comemoração aos 50 anos de Profissão da Psicologia. Infelizmente ao meu ver foi muito rápida. E me surgiram dois questionamentos. Porém, não foi aberto o espaço para as perguntas no final de sua fala. Momentos esses, únicos, pois é o espaço que geralmente sobre para um profissional psicólogo, e que está constantemente tentando realizar um trabalho digno, com muitos questionamentos. Assim, tomei a liberdade de fazê-los por e-mail.
Antes de
qualquer coisa, quero dizer que para mim foi uma feliz coincidência
ver o senhor, como palestrante. É que há tempos atrás, minha mãe
assistiu a uma palestra sua, proferida em Ponta Porã, sobre, eu
acho, a qualidade de vida na aposentadoria. Ela me falou sobre o
senhor muito encantada. Disse que foi até cumprimentá-lo, dizendo
que tinha um filho psicólogo e coisa e tal... Coisa de mãe...
Fiquei muito curioso.
Também,
disse que o senhor era de Campo Grande, e que pesquisava sobre a
temática do trabalho, sendo professor da UNB. Eu atuo
especificamente na área da saúde aqui, mas a área que mais me
identifiquei até hoje foi a do trabalho. Na minha concepção, não
existe relação com maior franqueza no campo profissional, que a de
dois trabalhadores. Reparo e tento aprender com os pesquisadores
dessa área, como seu colega Wanderley Codo, o Dejours, Fadel, e
outros da Psicologia do Trabalho, e vejo muita sinceridade não
apenas em seus escritos, mas principalmente numa certa postura. E
agora conheci o senhor. E quero aprender bastante com o seu livro.
Enfim,
os meus questionamentos são:
1 – É
que o senhor, tentando traçar o perfil do psicólogo brasileiro
atual, se entendi bem, tem como um dos aspectos, a satisfação
mediante seu trabalho, relacionado a seu engajamento social. O
profissional então estaria satisfeito com o produto do seu trabalho,
digamos assim. E esse produto em minha opinião, relaciona-se com a
transformação da sociedade. Mas eu me pergunto como professor. Uma
vez que há tempos, vivemos em uma das sociedades mais iníquas
existentes no mundo?
Eu tenho
um comentário sobre o perfil do psicólogo. Uma vez, assistindo a
uma palestra do professor Marcus Vinícius, ele abordou alguns
aspectos do perfil do psicólogo também. E um dos aspectos que
apresentou, senão me engano, foi referente à classe social dos
profissionais: Classe média. Outro aspecto: maioria de mulheres.
Outro: “quase casadas”. E a partir apenas desses três aspectos,
teceu algumas considerações interessantes, como o questionamento:
que tipo de “choque”, digamos, essas profissionais, de classe
média, teriam, quando depois de formadas, sendo abarcadas por
políticas públicas como a dos CRAS, para trabalharem nas
periferias, enfrentando problemas de uma complexidade enorme? Como
pobreza, misérias, violências, drogas, etc..etc..etc..? Sei que
aqui também poderia caber uma discussão forte sobre a formação do
psicólogo. Da distância que existe sobre o que é aprendido (ou
vendido) na academia, pelas faculdades, e as práticas que os
profissionais almejam, e/ou devem exercer no dia-a-dia.
Então
quando se fala em satisfação na percepção do profissional de seu
trabalho, de seu engajamento social, seria uma “alienação”?
Na minha
realidade professor, o que eu vejo, são muitos profissionais
engajados sim, mas principalmente angustiados, mediante as condições
de trabalho, a baixa valorização, e principalmente a complexidade,
como disse anteriormente, dos problemas que nós profissionais
estamos enfrentando cotidianamente.
2 – O
segundo questionamento, refere-se a: Qual é a importância do
profissional psicólogo, aquele da prática, da “ponta” na
Psicologia Brasileira?
Participando
desse evento professor, me veio o trocadilho, que ao invés de
estarmos comemorando os 50 anos de” profissão”, não estaríamos
comemorando os 50 anos de “procissão”...
Sabe
professor, em muito me entristece, quando em um evento como esse que
participo, quando se compõe a mesa com as autoridades, não se vê
nenhum trabalhador da Psicologia... Nem mesmo nosso sindicato, teve
sequer um nome citado. Homenagearam-se professoras de Psicologia,
coordenadoras de cursos de Psicologia, estudantes das primeiras
turmas de Psicologia, mas não ouvi nenhuma ao trabalhador da
Psicologia. Sei que o senhor deve entender muito bem a importância
que é um sindicato.
Nossa
profissão está passando por muitas metamorfoses, como o próprio
campo do trabalho, como o senhor bem associou, e trouxe o
interessantíssimo conceito sobre a questão da “flexibilização”
(do galho que entorta e vai para lá, e para cá...), quero aprender
muito mais sobre isso. É uma das minhas principais “pulgas”
atrás da orelha, quando em saúde me deparo com os conceitos de
“Campo e Núcleo” , de “Clínica Ampliada” do professor
Gastão Wagner, ou com o de “transdiciplinariedade”, ou o de
“Tecnologias Leves”, do professor Emerson Merry. Ainda não
compreendo o que é essa “flexibilidade”... E porque não dizer
da própria “flexibilização” da Psicologia, com sua famosa
diversidade.
Também
professor, sabemos que nossa profissão nasceu, mediante um contexto
infeliz, a ponto de até condecorarmos um presidente da república
militar/ditador, com o título de doutor honoris-causa em Psicologia.
São muitos os espaços que a Psicologia vem conquistando. Mas como
foi ressaltado no evento, que não é apenas o espaço, mas
principalmente as lutas, as bandeiras, que nós profissionais estamos
levantando diariamente, é que determinarão o caminho que a
Psicologia está rumando....
Enfim
professor, sou apenas mais um profissional, e porque não dizer
batalhador, como no “Os
batalhadores brasileiros:
nova classe média ou
nova classe média trabalhadora?”
do professor Jesse de Souza. Que trabalha mais de 10 horas por
dia, tentando associar suas coisas domésticas, lendo e estudando um
pouco a noite. E termina de escrever um e-mail a 02:00 horas da
madrugada com alguns questionamentos na cabeça.
Obrigado
pela atenção.
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