(Abaixo, um artigo rememorando o saudoso Moacyr Scliar que venho guardando. Uma vez escutei ele falar, que uma forte fonte de aprendizado que teve na vida, foi os anos de trabalho como médico de saúde pública, em alguns postos de saúde do Rio Grande do Sul....)
biblioterapia
Literatura faz bem para a saúde
Não é de admirar que a leitura tenha se tornado um recurso terapêutico ao longo dos tempos
"É
difícil / extrair novidades de poemas / no entanto, pessoas morrem
miseravelmente / pela falta daquilo que ali se encontra." O
poeta e dramaturgo modernista americano William Carlos Williams
(1883-1963) sabia do que estava falando quando escreveu esses versos:
além de escritor multitalentoso, tinha formação em medicina e
efetivamente trabalhava cuidando da saúde dos outros. A partir de
sua afirmativa, a pergunta se impõe: o que existe, nos poemas e na
literatura em geral, que pode manter as pessoas vivas e, quem sabe,
até ajudar na cura de algumas doenças?
Em
primeiro lugar, podemos destacar as próprias palavras. Que são,
como costumavam dizer os antigos gregos, um verdadeiro remédio para
as mentes sofredoras. Não se tratava só de uma metáfora engenhosa
e sedutora: no século 1 d.C. o médico romano Soranus prescrevia
poemas e peças teatrais para seus pacientes. O teatro, aliás, era
considerado uma válvula de escape para aquelas emoções reprimidas
que todos têm, através da catarse (alívio) que proporciona.
A
palavra tem um efeito terapêutico. Verbalizar ajuda os pacientes, e
esse é o fundamento da psicoterapia - ou talk therapy, como dizem os
americanos. E a inversa é verdadeira: ao ouvir histórias, as
crianças sentem-se emocionalmente amparadas. E não apenas elas,
claro. Todos nós gostamos de escutar causos e de nos identificarmos
com alguns deles. Dizia Bruno Bettelheim (1903-1990), psicólogo
americano de origem austríaca, sobrevivente dos campos de
concentração nazistas: "Os contos de fadas, à diferença de
qualquer outra forma de literatura, dirigem a criança para a
descoberta de sua identidade. Os contos de fadas mostram que uma vida
compensadora e boa está ao alcance da pessoa, apesar das
adversidades".
Não
é de admirar, portanto, que a leitura tenha se transformado em
recurso terapêutico ao longo dos tempos. No primeiro hospital para
doentes mentais dos Estados Unidos, o Pennsylvania Hospital (fundado
em 1751 por Benjamin Franklin), na Filadélfia, os pacientes não
apenas liam como escreviam e publicavam seus textos num jornal muito
sugestivamente chamado The Illuminator ("O Iluminador", em
inglês). Nos anos 60 e 70 do século 20, o termo "biblioterapia"
passou a designar essas atividades. Logo surgiu a "poematerapia",
desenvolvida em instituições como o Instituto de Terapia Poética
de Los Angeles, no estado americano da Califórnia. Aliás, nos
Estados Unidos existe até uma Associação Nacional pela Terapia
Poética.
Aqui
no Brasil, já temos várias experiências na área. No livro O
Terapeuta e o Lobo - A Utilização do Conto na Psicoterapia da
Criança,
o psiquiatra infantil, poeta e escritor Celso Gutfreind destaca a
enorme importância terapêutica do conto, como forma de reforço à
identidade infantil e como antídoto contra o medo que aflige tantas
crianças. Também é de destacar o Projeto Biblioteca Viva em
Hospitais, realizado no Rio de Janeiro e mantido pelo Ministério da
Saúde, pela Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e por um
grande banco. A leitura, realizada por voluntários, ajuda a criança
a vencer a insegurança do ambiente estranho e da penosa experiência
da doença, terrível para todos, mas ainda mais amedrontadora para
os pequenos.
Finalmente,
é preciso dizer que a literatura pode colaborar para a própria
formação médica. Muitas escolas de medicina pelo mundo, inclusive
no Brasil, estão incluindo no currículo a disciplina Medicina e
Literatura. Através de textos como A Morte de Ivan Illich, do
escritor russo Léon Tolstoi (em que o personagem sofre de câncer),
A Montanha Mágica, do alemão Thomas Mann (que fala sobre a
tuberculose) e O Alienista, do brasileiro Machado de Assis (uma
sátira às instituições mentais do século 19), os alunos tomam
conhecimento da dimensão humana da doença. E assim, mesmo que
muitas vezes indiretamente, a literatura passa a ajudar pacientes de
todas as idades.
*Moacyr
Scliar é médico sanitarista e um dos principais escritores
brasileiros, autor de, entre outros, A Paixão Transformada, um
ensaio sobre as relações entre medicina e literatura.
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