Relembrando..
22/10/2010 | 12h20
Felicidade não se compra, afirma o filósofo francês Gilles Lipovetsky
Intelectual diz que vivemos uma mistura de decepção, frustração e ansiedade
CARLINHOS
SANTOS
carlinhos.santos@pioneiro.com
O
que fazer com uma sociedade que tolhe o desejo, mas ao mesmo tempo
alimenta o consumo sôfrega e vertiginosamente? O filósofo francês
Gilles Lipovetsky olha para esse e outros paradoxos pensando no
humanismo, apostando numa ética de formação, que salvaguarde um
futuro mais equilibrado do planeta.
Um
dos nomes fundamentais do pensamento contemporâneo, ao abordar
questões em torno da política, psicologia, moda, luxo e
comportamento, o filósofo francês Gilles Lipovetsky passou pelo
Estado. No fim de setembro, ele esteve em Caxias do Sul.
Lipovetsky
é autor de livros como Do
Luxo Sagrado ao Luxo Democrático,
Era
do Vazio: Ensaios Sobre o Individualismo Contemporâneo,
O
Império do Efêmero: a Moda e
Seu
Destino nas Sociedades Modernas.
Pergunta
– Por que vivemos na sociedade da decepção?Gilles
Lipovetsky – A decepção não é um fenômeno próprio só de
nossa sociedade, ela acompanha a condição humana. As sociedades
modernas individualistas possibilitaram um sonho de uma felicidade
crescente para todos. A democracia abriu caminho para o mito da
felicidade coletiva. A sociedade de consumo propõe, incessantemente,
novos desejos. Podemos e queremos cada vez mais. Nas sociedades
tradicionais, havia a infelicidade, claro, mas ela era ligada a Deus,
à ordem das coisas. Agora, sofremos por não ter nossos desejos
satisfeitos e não compreendemos por que não somos felizes. Não
conseguimos alcançar tudo. A vida privada se tornou muito
complicada. Antes, casamentos eram arranjados e casava-se para a vida
toda. Isso não significava que as pessoas eram felizes, mas era
assim. Hoje, você vive com alguém que escolheu. Numa sociedade que
reconhece o amor como o princípio da vida em comum, temos aí um
fator de decepção. Não podemos amar sempre. Há também a vida
profissional, que exige coisas que você não pode cumprir. Ou, às
vezes, essa vida profissional é uma rotina. E a globalização cria
condições intensas de competição, exigências. Nem todos se saem
bem. Assistimos então a uma mistura de decepção, frustração e
ansiedade. Na sociedade individualista, cada um assume os seus
fracassos.
Pergunta
– O consumismo acirra isso?Lipovetsky
– A sociedade do consumo é uma lógica que penetra e reestrutura a
economia, a vida social e profissional. O homem é um ser falante.
Ouvir e falar são uma constante, utilizamos a linguagem
permanentemente. Mas, hoje, com as psicoterapias, pagamos para falar
e para que nos ouçam. A sociedade do hiperconsumo é a em que os
gestos mais elementares são estimulados pela lógica mercantil nos
setores mais variados. As pessoas compram muito. O crescimento hoje é
impulsionado pelo consumo. Se não houver consumo, há um colapso da
economia. Isso abalou, transtornou a sociedade.
Pergunta
– Situação que deriva num individualismo exacerbado?Lipovetsky
– Sem dúvida, mas o individualismo não é produto único do
consumo. A dinâmica individualista é filha da democracia. A
sociedade de consumo tem como ideal a felicidade privada, as
satisfações permanentes. Tudo isso mudou nossa visão da vida,
derrubou os últimos vestígios das tradições. Cada um se toma o
centro, cada um busca a felicidade, o bem-estar. Marx dizia que o
capitalismo era revolucionário porque mudava o tempo todo a vida
social. E ele tinha razão. Mas o capitalismo de consumo levou isso
adiante, mudou a relação com a religião e a própria vida.
Pergunta
– Como a moda e o consumo do luxo se inserem nesse
contexto?Lipovetsky
– A moda, o luxo, o consumo e o lazer são a visão materialista da
felicidade, como se ela pudesse nos ser proporcionada pelo mercado.
Isso é parcialmente verdadeiro. Sem dúvida, proporciona prazeres.
Mas esses prazeres são a felicidade? Não! Você pode viver num
palácio, ter um carrão, mas ter problemas com os filhos, no
trabalho, ser infeliz. Os objetos de consumo vão proporcionar algum
sentimento de evasão, mas não trarão paz, harmonia. Consumir não
basta. A felicidade exige outra coisa, principalmente na relação
com os outros e consigo. Quem entendeu isso faz política, se engaja
em associações. É possível ter satisfação ajudando os outros,
as crianças, sentindo-se útil, lutando pela ecologia. Isso não é
consumo. O homem não pode se reduzir a um consumidor.
Pergunta
– Qual a nova ética possível?Lipovetsky
– O que esta sociedade exige, mas há um longo caminho para dar aos
seres humanos instrumentos para que o consumo não seja tudo. Se você
não tiver ferramentas culturais, profissionais, resta-lhe apenas o
consumo. Se você não sabe o que fazer, liga a TV, vai ao
supermercado comprar, não tem mais nada na vida. A ética que
deveria ser desenvolvida é a da formação. É um ideal humanista,
simplesmente. Os pais formam filhos para realizar algo. Precisamos
oferecer uma formação melhor às pessoas e, talvez, também mudar a
gestão das empresas para que a competitividade não destrua
totalmente o ser humano. Ela pode ser uma ferramenta para o
progresso, não uma finalidade. Devemos buscar equilíbrio entre
mercado e estado, economia e ecologia, consumidor e produtor, vida
privada e profissional.
Pergunta
– As redes sociais contribuem para o espírito da
solidariedade?Lipovetsky
– De fato, Internet, Facebook e redes sociais permitem uma
conectividade entre pessoas que não se conhecem. Mas não devemos
ser ingênuos. Esta comunicação planetária não elimina os
conflitos. Se você é palestino, pode se conectar, encontrar um
israelense que mora a dois quilômetros, mas que não vê o mundo do
mesmo modo. Não devemos pensar que, com todo mundo comunicando, tudo
irá se unificar. Existem conflitos que se mantêm. Sem formação, a
comunicação é um simulacro. Não sou hostil à Internet, mas não
devemos esperar tudo dela. Devemos investir na formação para termos
uma humanidade mais rica, para que essa ferramenta seja utilizada ao
máximo. (Dia desses) Olhei um site das notícias mais lidas. Era
sobre o casamento da Beyoncé. Isso não é o melhor a se esperar da
Internet. Ela terá toda sua potencialidade se as pessoas souberem
utilizá-la.
Pergunta
– Como fica o Brasil neste cenário de transformações?
Lipovetsky – O Brasil é uma enorme nação, tem um futuro considerável. Isso não é uma grande novidade. Ele faz parte das nações do futuro e, para enfrentar a globalização, o melhor é investir na formação. O Brasil tem enorme potencial, mas tem desigualdade econômicas e sociais excessivas. Estamos indo rumo a uma nação segura de si mesma quando há desigualdades demais? A resposta provavelmente é não. Voltamos às frustrações e insatisfações extremas. A sociedade brasileira poderia ser melhor. A harmonia é um ideal. As desigualdades não são condenáveis, mas, excessivas, criam o caos. Será que o Brasil caminha rumo à sociedade dos condomínios, em que só os ricos têm dinheiro, ficam seguros entrincheirados, e azar dos outros?! Este não é o ideal de uma sociedade, mostra que as pessoas não estão tranquilas e que o próximo é um perigo. Não é uma boa solução viver assim. A grande questão é perpetuar a competitividade que não destrua a solidariedade e reduza as desigualdades. Precisamos investir na formação para todos, não só para os que possam pagar.
Lipovetsky – O Brasil é uma enorme nação, tem um futuro considerável. Isso não é uma grande novidade. Ele faz parte das nações do futuro e, para enfrentar a globalização, o melhor é investir na formação. O Brasil tem enorme potencial, mas tem desigualdade econômicas e sociais excessivas. Estamos indo rumo a uma nação segura de si mesma quando há desigualdades demais? A resposta provavelmente é não. Voltamos às frustrações e insatisfações extremas. A sociedade brasileira poderia ser melhor. A harmonia é um ideal. As desigualdades não são condenáveis, mas, excessivas, criam o caos. Será que o Brasil caminha rumo à sociedade dos condomínios, em que só os ricos têm dinheiro, ficam seguros entrincheirados, e azar dos outros?! Este não é o ideal de uma sociedade, mostra que as pessoas não estão tranquilas e que o próximo é um perigo. Não é uma boa solução viver assim. A grande questão é perpetuar a competitividade que não destrua a solidariedade e reduza as desigualdades. Precisamos investir na formação para todos, não só para os que possam pagar.
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