“A noção de que qualquer vida, vale a pena ser vivida. E portanto,
ela deve radicalmente ser defendida pelas práticas de saúde... Nós temos
séculos de história, que mostra exatamente o contrário, mostra que a vida das
pessoas não é considerada equivalente. E que muitas vidas, não vale a pena ser
defendida.” – Emerson Merhy - Médico - professor da UFRJ (Palestra proferida em 2011)
Uma questão
que muito chocou algumas pessoas essa semana, foi a “postura” da médica de
Curitiba, chefe de uma UTI de um grande hospital. Pelo que eu andei escutando
dela, ela vem ganhando contornos cada vez mais “psicopata” a sua pessoa.
(Psicopata quase no mesmo
sentido que Rubens Alves fala classificando um político que desvia verbas
públicas, em prol de sua volúpia e ganância. Dinheiro esse, que poderia matar a
fome de crianças na merenda de uma creche da periferia, ou comprar materiais e
medicamentos de saúde, ou mesmo melhorar a situação de nossas ruas e estradas,
no qual tantas vidas são ceifadas diariamente. Enfim, psicopatas engravatados:
pouco ou nenhum senso de coletividade (senso social), afetividade nula também,
e "matando" friamente muitas pessoas. E ainda se mostram sorridentes em eventos e
na TV.)
Eu conversando com uma
amiga, ela me questionou um incômodo aspecto: por que ninguém que
trabalhava nesse hospital, denunciou essa médica?
Eu respondi: porque ela era
a chefe...
E ela retrucou: mas então
eles eram coniventes com ela, ou seja, participavam das mortes...
Eu: mas ela tacava tamanco
nos seus subordinados. Se algum técnico de enfermagem a desagradasse, ela berrava
palavrões contra ele... Ela chamava a equipe com um apito para se ter uma ideia... Fiquei sabendo
dessas coisas, e não duvido absolutamente de nada...
Ela: se eu trabalhasse lá,
eu faria pelo menos uma denúncia anônima.
Na discussão sobre a eutanásia,
eu sou a favor, apesar de pouco “entender”, e talvez nem mesmo querer, pensar
nesse assunto. Muito sentido me faz, uma pessoa optar, por sua própria vontade,
numa “opção” mais “leve”, para que sua agonia final, seja antecipada, digamos.
Sei que
muito especialistas de saúde, atualmente discutem essa questão dos
cuidados com os nossos moribundos. Já que possivelmente, em crescimento, a
população vai se envelhecendo, e os cuidados com pessoas idosas aumentando. As
verbas públicas, a atenção à saúde, o dinheiro, ou seja, muito se discute sobre
esse aumento de custos que a humanidade terá, incidindo no cuidado com pessoas
que vão adoecendo aos poucos...
Muitos
dizem: vamos cuidar de um idoso, deixá-lo em uma vaga de UTI, sabendo que ele terá
pouca ou nenhuma sobrevida, e às vezes, lhe prescrevendo apenas cuidados
paliativos, ou, vamos nos concentrar em uma criança doente, sendo que ela
precisa, ou pode precisar, da mesma vaga na UTI que esse idoso ocupa? Já li renomados especialistas em saúde, pontuarem
que essa é uma questão muito a se pensar.
Lembrei-me
daquela história dos elefantes... Dizem que eles numa certa idade avançada,
desvinculam-se da manada, e morrem sozinhos, voltando ao lugar onde nasceram. E
também existe aquele filme japonês, que não me lembro do nome e nunca o
assisti, mas me contaram, que mostra um senhor de bastante idade, que é
levado nas costas pelo filho, por sua própria vontade, a um casebre no alto da
montanha, para lá morrer sozinho e afastado da sua comunidade.
Nós não
somos elefantes. E nós não somos japoneses.
Nós somos de uma nação, que
tem um povo com trabalhadores, como os cortadores de cana, que tem a vida útil
de trabalho de apenas 10 anos (depois de uma década na colheita, para quem não
sabe, os cortadores ficam “tortos”, digo, sua coluna vertebral faz uma "curva"). Nós temos um
país onde milhões de pessoas, devido a muitos outros subempregos por qual se
sujeitam a maior parte de suas vidas, tem a saúde também deteriorada. E essas
pessoas por vezes se tornam idosos. E já vi muitos deles, serem abandonados por
suas próprias famílias. E mesmo aquelas famílias que cuidam dos seus velhos, cuidam
deles com muita dificuldade. Então, o que faremos com essa grande
parcela da população?
Com as
palavras de Merhy, comecei a acreditar que mais ainda, como profissional de
saúde, devemos defender todo tipo de vida, até mesmo, aquela que já está em seu
final. Talvez pensando "poeticamente", às vezes, por exemplo, um momento qualquer
“a mais” para a pessoa, pode-se tornar “eterno” para ela... Eu sempre penso
nisso.
Voltando ao
caso médica da UTI, relacionando a algo mais geral, mais ordinário, e que se
faz tão presente em nossas vidas, e em vários âmbitos: é a coisificação da vida,
a coisificação das pessoas, principalmente nesse nosso ritmo econômico de respirar.
Pelos
jornais, ela matou para “liberar” vaga para as pessoas que tinham “convênio”.
Assim, a
vida de uma pessoa não valeu mais, do que o pouco mais “da migalha” que paga o
convênio de saúde, em comparação ao SUS.
E tudo isso envolto a
questão do atual colapso econômico que a maioria das Santas Casas de Misericórdia
estão passando. Elas que tiveram um belo, sereno e filantrópico começo, mas que
ao longo dos anos, se tornaram uma “grande caixa preta”, e/ou mesmo “caixa dois”.
Muitos falam em déficit de financiamento, mas pelo menos regionalmente, é mesmo
coisa de se “meter” a mão em dinheiro público, em dinheiro de “promoções
beneficentes”. Fora que essas Organizações
Sociais (muitas Santas Casas são geridas pelas tais OS´s), não tem nenhum
tipo de capacidade gerencial, ou seja, são totalmente desorganizadas em muito
sentidos, ao invés de organizadas.
(E tudo isso
envolto a uma declaração do Conselho Federal de Medicina que vem ganhando
força, exigindo melhores salários para os médicos, como os de juízes. “Nós
queremos carreiras como as de juízes”. Para ele, somente o médico ganhando como
um juiz, é que fará a distribuição regional desse profissional por habitante
melhorar.)
Uma vez eu escutei uma
história, em que uma colega enfermeira, na triagem de uma emergência de saúde pública,
se recusou a atender um mendigo, declarando: “não achei meu nariz no lixo”.
Acredito que diariamente,
muitos de nós profissionais de saúde, não atendemos, e nem sequer escutamos determinadas
pessoas, com suas queixas e sofrimento, pois temos que seguir o que se chama de “procedimento
padrão”.
Esquecemos que cada caso é um caso, que cada pessoa é única.
Esquecemos que cada caso é um caso, que cada pessoa é única.
Nós estamos nos tornando objetos, e “tratando” outras pessoas como objetos também.
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