terça-feira, 4 de dezembro de 2012

EQUIDADE SALARIAL: Uma utopia do MÉDICO-PALHAÇO


Estou nesse espaço, publicando algumas coisas que guardo para mim, e que já estão ficando “amareladas” (as folhas). E quero de alguma forma compartilhar. Gosto muito de ler jornais e revistas como muitos. E sou do tempo em que quando a gente gostava de alguma matéria, alguma coisa, recortava a tesoura e guardava “essa papelada”, em pastas que ficam nos nossos quartinhos empoeirados... Para mim são pérolas, e assim, esse “guardar” é uma forma de que aquilo não suma nunca de mim.

Esse material é geralmente de salas de espera. De revistas que estão por aí. Numa linguagem simples e acessível. Mas essa entrevista especificamente, foi uma tia minha que me deu. Ela sabe que eu gosto desses temas. Obrigado tia mais uma vez. E eu a encontrei agora, a entrevista também em um site, na íntegra.

É uma entrevista com o Médico-Palhaço Patch Adams, daquele filme bem famoso. Dentre as várias coisas bonitas que ele diz, e que não fazem mal a quase ninguém, fazem somente o bem, tanto para pessoas da área de saúde, como não, uma das coisas que me chamou muito atenção, é a sua persistência na ideia de um dia ter um hospital, em que todos os profissionais tivessem o mesmo salário.

E acrescentando nessa utopia, que não apenas os profissionais deveriam ter o mesmo salário, mas os recepcionistas, como os Agentes Comunitários de Saúde, e as cozinheiras, e o rapaz que retira o lixo. Enfim, só uma utopia.

Vale muito conferir!

Entrevista publicada pela revista Planeta – agosto de 2009.

 
NENHUMA ESCOLA DE MEDICINA ENSINA COMPAIXÃO”

Ao virar tema do filme de Hollywood, o médico norte-americano “Patch” Adams viu sua maneira diferente de encarar a medicina, que ressalta a importância do amor, da alegria e da criatividade no trato com o paciente, espalhar-se pelo mundo.
Por Carina Rabelo

Aos 64 anos, o revolucionário e contestador médico norte-americano Hunter Patch Adams pouco carrega do estilo cômico e inocente com que o ator Robin Williams o interpreta no filme Patch Adams – O amor é contagioso. Crítico, ácido e politizado, ele ganhou fama por defender a alegria, o humor, o amor e a criatividade como os melhores remédios da boa medicina. Suas idéias o tornaram o principal ícone da luta pela humanização na saúde no mundo

Desde a divulgação de seu trabalho no cinema, a introdução de palhaços nos hospitais se tronou uma realidade global. Através do Instituto Gesundheit, fundado por ele em 1971 nos Estados Unidos, Adams e sua equipe fazem atendimento gratuito e levam grupos de palhaços – entre atores e profissionais de saúde – a países castigados pela pobreza e a campos de refugiados. Leitor voraz e avesso à televisão, o médico coleciona mais de 30 mil livros na biblioteca de sua casa. Como médico palestrante, organizou aulas para mais de 15 milhões de pessoas em 68 países. Visita com frequência o Brasil.


A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE SE DETERIOROU COM A INSTRUMENTALIZAÇÃO DA MEDICINA. AS CONSULTAS SÃO RÁPIDAS E OS MÉDICOS RECORREM DE IMEDIATO À TECNOLOGIA. QUANDO A MEDICINA DEIXOU DE SER HUMANA?

Nos tempos de Hipócrates, os médicos que valorizavam o poder e o dinheiro deviam ser tão indiferentes aos pacientes quanto os de hoje. Mas eram mais humildes. Tinham menos tecnologia e medicamentos, admitiam suas limitações e não eram tão arrogantes. O problema é que nenhuma escola de medicina do mundo ensina a compaixão; além disso, a medicina não cura, cuida. A cura é um mistério. Infelizmente, o capitalismo infectou a medicina, a educação, as leis, tudo. O que vemos no comportamento dos médicos de hoje é a expressão desses valores. Eles são seduzidos pela idéia de poder, e os que não usam a inteligência caem na armadilha da soberba.


ATUALMENTE, UM DOS PROGRAMAS DE TEVÊ MAIS POPULARES NOS ESTADOS UNIDOS É O HOUSE, CUJO PROTAGONISTA É UM MÉDICO GENIAL, RUDE E ARROGANTE, ESTE TIPO DE FRIEZA TEM SIDO VALORIZADO NA CLASSE MÉDICA?

Abomino este programa. Ele exporta para todo o mundo um médico insuportável e arrogante. O pior é que, de alguma forma, o médico é perdoado por ser brilhante. No meu hospital, ele seria demitido. É terrível projetar esse tipo de imagem sobre os estudantes de medicina. Justificar o distanciamento emocional para que o trabalho científico seja acurado é uma bobagem. Médicos que tratam pacientes com frieza fazem o mesmo com seus familiares. Não tem nada a ver com medicina, mas com caráter.


O SR. ATRIBUI A ATUAL CRISE DE VALORES A UM MODELO MASCULINO DE DOMINAÇÃO. POR QUE SERIA DIFERENTE SE AS MULHERES ESTIVESSEM NO PODER?

Todos os problemas do mundo foram causados por homens, com suas hierarquias e competições. Não consigo lembrar de nenhuma grande crise gerada por mulheres. Esse sistema de valores de dinheiro e poder, popular entre os homens, intoxicou o mundo. Já estive em muitos campos de refugiados e em mais de 2 mil orfanatos. São elas que distribuem alimentos, trocam fraldas, cuidam dos feridos, enquanto eles fazem as guerras e acabam com o mundo na luta por dinheiro e poder. Seja pela natureza material, seja por um encargo biológico de carregar e criar crianças, são as mulheres que zelam pela humanidade. Essa intoxicação masculina tomou conta dos governos, das corporações e do nosso sistema de educação, que não quer formar pensadores críticos, apenas bons consumidores. É um sistema que transforma amor em sentimento perigoso.


O SR. DEFENDE A CONSTRUÇÃO DE UM HOSPITAL MODELO, NO QUAL TODOS OS FUNCIONÁRIOS TENHAM O MESMO SALÁRIO E EXERÇAM A PROFISSÃO POR AMOR. MAS NÃO CONSEGUE LEVANTAR FUNDOS PARA AS OBRAS. APESAR DE SUAS CAUSAS NOBRES, SEU TRABALHO SÓ FOI RECONHECIDO INTERNACIONALMENTE APÓS O FILME SOBRE SUA VIDA. É CONSIDERADO UTÓPICO PELA MAIORIA DAS PESSOAS. COM TANTAS DIFICULDADES, PENSOU EM DESISTIR?

Se você é um pensador, é difícil não defender essas idéias. Não é difícil viver num sistema de compaixão e generosidade. Difícil seria viver fora dessa ética, me olhar no espelho à noite e constatar que meu dia não me dá motivo para sentir orgulho. É verdade que tento fazer o hospital há 39 anos e nem consegui o terreno para construí-lo. Mas não importa. Minha verdadeira luta é ajudar a criar um mundo em que ninguém se lembre do que é guerra, em que ninguém considere possível fazer mal a outro indivíduo. É um objetivo muito maior do que um hospital. É provável que eu nunca o atinja na prática. Mas posso afirmar que tenho a vida que sempre sonhei e sou feliz com o que faço. Ajudo as pessoas a pensar.


SEUS PAIS TAMBÉM ERAM INTERESSADOS EM CAUSAS HUMANITÁRIAS?

A melhor base de caráter que tive foi a minha mãe. Ela me mostrou que não há nada mais gratificante do que ser amável e gentil com as pessoas. Nunca a vi agredindo alguém ou dizendo coisas desagradáveis. Numa realidade de dominação por dinheiro e poder, uma mãe amável como a minha é uma revolucionária. São pessoas como ela que vão preservar nossa espécie, ameaçada pela competição e pelo desamor. Ela era uma humilde professora da 5ª série que desenvolveu em mim um senso de sonho e curiosidade. Ela me faz valorizar o conhecimento e me deu autoestima.


COMO FOI A EXPERIENCIA DE SER INTERNADO EM UM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO AOS 17 ANOS?

Quando meu pai morreu, na Guerra do Vietnã, meu coração ficou partido. Eu e minha mãe saímos da costa norte-americana e voltamos para o sul em 1961, numa época em que os negros não tinham direitos. De imediato, me engajei em movimentos pelos direitos civis, mas não soube lidar com o mundo de violência e injustiça. Fui hospitalizado três vezes entre os 17 e 18 anos, após tentar o suicídio. O tratamento foi terrível. Eles me davam milhares de pílulas que não resolviam meus problemas. Na última internação, tive um insight. Não se tira uma vida, não se tomam remédios: faz-se uma revolução. Quando me recuperei, sabia que poderia fazer aquilo que quisesse. Estava pronto para construir o mundo que sonhava.


O SR. E CONTRA O USO DE ANTIDEPRESSIVOS?

Sim. Depressão é um diagnóstico da indústria farmacêutica, não uma doença. É um sintoma da solidão. Mas nenhuma dessas empresas conseguiria faturar bilhões de dólares com a depressão se a chamasse de solidão. Acredito que quem tem a presença constante de um amigo, mesmo que seja apenas na mente, não pode ter depressão. Tudo é uma questão de ter o amor do outro. Preencher sua vida com o privilégio de estar vivo. Se você tem amigos e comida, não há o que reclamar. Mas, se formos absorvidos pelo sistema de consumo, nada será suficiente. A verdade é que, se você tem amigos e comida, é um milionário.


POR QUE NÃO APROVOU O FILME PATCH ADAMS – O AMOR É CONTAGIOSO, DE 1998, QUE SE TORNOU CONHECIDO INTERNACIONALMENTE?

Assim como na medicina, a indústria do cinema está infectada pelo dinheiro e pelo poder. Apenas os filmes independentes não são feitos para vender ingressos. Mas, como o que vende em Hollywood é humor ou violência, minha história tinha de ser transformada em comédia. Há erros, estereótipos, e não houve um olhar político sobre meu projeto. Na única cena dramática, eles colocaram uma personagem feminina como vítima, que na verdade foi meu melhor amigo. Foi muito humilhante essa troca. Para mim e meus amigos, esse filme não significou nada. Em nosso trabalho, o carinho é maior do que aquilo. Patch Adams não teve nenhuma crítica positiva nos EUA, apenas de ter sido o lançamento de fim de ano mais visto da história. Eu queria que eles fizessem um filme com nosso hospital construído, que mostrasse nosso verdadeiro trabalho.


O QUE SENTIU QUANDO SEU MELHOR AMIGO, QUE COLOCAVA EM PRÁTICA SEUS ENSINAMENTOS, FOI ASSASSINADO POR UM PACIENTE?

O evento não foi tão melodramático como no filme. Estávamos na faculdade havia seis anos quando ensinei a medicina que o matou. Chorei muito e me perguntei se teria sido irresponsável por permitir um paciente perigoso na nossa casa. Foi quando, através de uma mensagem espiritual, soube que meu amigo não queria que eu desistisse. Queria que eu desse continuidade à missão de trabalhar por um mundo sem violência.


ARREPENDEU-SE DE AUTORIZAR A PRODUÇÃO DO FILME?

Passei a valorizar a obra de modo diferente. Se o sistema de valores em que vivemos é baseado em dinheiro e poder, os românticos e idealistas – externos a esse sistema se sentirão incluídos, mesmo que na forma superficial do cinema. O filme me tornou um herói, um símbolo do sistema de valores da generosidade e da compaixão. Graças a isso, levo ao mundo minhas idéias. O filme é usado como proposta educativa em universidades e introduziu o tema da humanização do atendimento nas escolas de medicina. Recebi milhares de projetos de pessoas que diziam tê-lo visto mais de 30 vezes. Pessoas que levantaram clínicas livres, orfanatos ou que decidiram se tornar médicos honestos. Em geral, filmes sobre medicina são bobos, mas há bons exemplos, como o brilhante O Barba Ruiva, de Akira Kurosawa, lançado em 1965 (cuja história se passa num hospital de caridade em Tóquio no século 19).


O ESTÚDIO UNIVERSAL PROMETEU PARTE DO FATURAMENTO DA BILHETERIA PARA A CONSTRUÇÃO DE UM HOSPITAL, MAS NUNCA LHE PAGOU. QUIS PROCESSÁ-LOS?


Não é meu estilo estar inserido no sistema do dinheiro e do poder para contratar um advogado e brigar nos tribunais. Meu estilo é olhá-los nos olhos, apertar suas mãos e fazê-los encarar intimamente a promessa que fizeram e não cumpriram.


COMO SERIA O HOSPITAL DE SEUS SONHOS?

Não é um hospital perfeito, mas um modelo que valoriza o carinho aos pacientes. O tema me interessa desde que entrei na faculdade. Nos hospitais, queria ouvir todos os problemas das pessoas e saber o que elas desejavam. Tudo começa na entrevista. É preciso passar mais tempo com o paciente. O hospital precisa integrar todas as formas de terapia artística, dando espaço a todos os tipos de cura, de xamãs e acupuntura
. Uma estrutura que insista nos sistemas de educação ambiental, política, social e econômica e que ajude os pacientes e funcionários a se tornar pensadores. Hollywood reduziu a idéia a um hospital bobo. Não é fazer graça, mas justiça social. Nas entrevistas, haveria uma troca íntima e verdadeira entre o médico e o paciente. Nada que fosse importante na vida deste último seria ignorado ou tratado superficialmente.

QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE O GOVERNO GEORGE W. BUSH E O QUE ESPERA DAS POLÍTICAS DE BARACK OBAMA PARA O SISTEMA DE SAÚDE NOS EUA?

Bush e seu vice presidente Dick Cheney são fascistas e assassinos em massa. Mereciam ser julgados em tribunais por crimes de guerra e receber condenação perpétua. Obama é inteligente, porém de centro-direita. Ele colocou conservadores em sua transição para algo mais radical e efetivo. Mas não creio que ele seja um fantoche na mão dos poderosos. Ele herdou um grande lixo dos anos da apropriação do governo pelas grandes corporações. Espero que ele faça bom uso de todas as pessoas que lutaram por ele e que trabalhe por causas sociais. Não gosto do que ele está fazendo com a saúde pública, porque não inclui o cuidado com todas as pessoas como meta. Não há desculpa para o país mais rico do mundo não dar atenção a todo seu povo. Encorajo minha audiência a fazer o melhor possível em suas localidades, para ajudar Obama a fazer algo de bom. Estou tentando reunir-me com ele.


PENSOU EM SEGUIR CARREIRA POLÍTICA PARA IMPLEMENTAR SEUS PROJETOS NA ÁREA DA SAÚDE?

Ser cidadão é uma carreira política. Quanto mais me dedico a estudo e leituras, mais entendo o mundo. É como posso me educar para ser um bom cidadão. Desde que meu pai morreu, envolvi-me com política e, durante a era Bush, quase concorri a um cargo no Congresso. Mas eu e alguns amigos políticos concluímos que seria melhor continuar com meu trabalho de campo.


ALGUNS MÉDICOS TRADICIONALISTAS VEEM O HUMOR COMO UMA ABORDAGEM SUPERFICIAL DOS PACIENTES TERMINAIS. QUAL É A IMPORTÂNCIA DA DIVERSÃO PARA OS CASOS DE SOFRIMENTO EXTREMO?

O estúpido mundo do poder e do dinheiro não percebe que o humor é ainda mais procurado pelas pessoas do que o amor. O que querem as pessoas ao sair no fim de semana com amigos ou ao viajar de férias? Diversão. O humor pode chegar a níveis bem profundos no tratamento dos pacientes. Não tenho estresse e problemas mentais por 45 anos graças ao amor e à diversão. Nas zonas de guerra, campos de refugiados ou hospitais com crianças morrendo de câncer, acha que o humor é menos importante do que o amor? Como uma mãe que vê o filho morrer pode sobreviver sem diversão e amor? É só olhar para países em que grande parte da população é pobre, como o Brasil. O que importa para as pessoas é tocar a vida com o pouco que têm. Bastam um pouco de feijão, de arroz, uma cerveja e alguns amigos para contar piadas. No mundo de dinheiro e poder, as pessoas querem diminuir o valor disso. No meu mundo, de compaixão e generosidade, a diversão é a maior das dádivas.


O SR. RECEBEU MUITAS CRITICAS DE COLEGAS POR SUA POSTURA NÃO CONVENCIONAL?

Eles nunca fizeram críticas na minha frente. Então, não sei. Sou favorável ao aborto e algumas pessoas não gostam disso. Mas não me importa. Trinta e cinco anos atrás, mitos médicos não aprovavam a medicina complementar, atualmente, a idéia é bem aceita. É muito difícil argumentar com os grandes ambiciosos da medicina. Eles não gostam de mim, então imagino que falem pelas minhas costas. Ficam envergonhados quando levanto temas polêmicos nas conferências.

Fonte:https://sites.google.com/site/aloisiofritzen/Home/texto/entrevista-com-patch-adams

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