quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Por entre PRAÇAS MEDO DROGAS - Educação Popular em Saúde

Era um sábado à tarde a toa. Estava no centro da cidade, e fui conhecer a nova praça principal daqui. Ela recentemente passou por uma longa reforma. Achei um jornalzinho desses de igreja no chão, com uma capa que me chamou muito atenção, coloquei-o embaixo do braço, e fui buscar um lugar para me sentar.
 

No primeiro intacto que me causou essa praça, já não gostei. Achei muito carregado o paisagismo que fizeram. Na verdade já não gostei bem antes. É que apesar dos compensados de madeira que impediam a visão da reforma, já dava para perceber que ao redor da praça inteira, estava sendo erguida uma grade. Mas como assim? Vão cercar com grades uma praça pública que antes era aberta? É isso. Antes a qualquer hora do dia e noite, você poderia ir e vir, entrar e sair nessa praça, mas agora não. Mas quais seriam os motivos por detrás disso? A primeira coisa que me veio à cabeça: é para que lá, não se aglomeram mendigos, usuários de drogas e as prostitutas. Os usuários de drogas e prostitutas, eu nem vou comentar. Mas e os mendigos...
 
Como que retiram dos mendigos até os bancos da praça? Nem mais o banco da praça os mendigos tem direito??? Aqui na nossa cidade, existem coisas que eu classificaria como “FORJADAS.” Existe até a cidade do Papai Noel, do Polo Sul, ou Norte (nunca soube bem ao certo), que se transferiu, ou abriu uma filial nos Altos da Afonso Pena.
 
Como também fizeram com a famosa, e cheirosa feira livre central, a maior, que servia o delicioso Sobá. Ela sempre existiu, e cresceu, em uma rua. Ficava paralela a avenida Mato Grosso. Dizem que  saiu da dessa rua, devido ao empreendimento religioso que se ergueu em frente: segunda maior Igreja Universal do país. Enfim, não sei direito os porquês, só sei a mudaram de lugar, e a transferiam para um galpão da antiga estação ferroviária. Agora ela atende um aglomerado de gente, mais turistas, num lugar amplo e mais organizado... Mas como uma amigo meu disse, não poderia se chamar mais “feira”, nem muito menos “livre”. Feira é um lugar na rua. É o momento em que a rua descansa de carros. É o lugar onde encontramos pessoas vizinhas, que moram ao nosso lado, e nem ao menos sabemos seus nomes. É o lugar onde podemos comer talvez na frente de casa, pois as comidas chegam até nós, sem precisar pedir delivery...
 
Outro acontecimento que eu me lembre, foi relativo ao monumento chamado de“Cabeça de Boi”. É uma estrutura de ferro grande, que tem em uma de suas partes, uma cabeça de boi com um cifre grande. A discussão da época, era que essa cabeça que ficava no centro de uma praça antiga, de um bairro bem tradicional daqui, simplesmente, da noite para o dia, sumiu. Retiram essa cabeça dali, e a colocaram em um cruzamento, de uma nova avenida que foi revitalizada de outra parta da cidade recentemente. Lembro-me da indignação de alguns moradores, pois não haviam em nenhum momento sido indagados, sobre a transposição da cabeça da praça, desse monumento da cidade. Sentiram-se lesados com isso.
 
Enfim, mas estou eu, nessa nova praça. Com o pensamento de abrir o jornal. Uma fonte bonita com luzes acessa (era dia, acho que a noite a praça fica trancada), faz jorrar um grosso de água pra cima. E de imediato percebo um som instrumental, alto, tipo música clássica. Algumas crianças correndo pra lá e pra cá. No início acho que é alguma apresentação artística, ou coisa do gênero. Tendo achar essa apresentação. Mas logo percebo que esse som alto, vem de quatro caixas estridentes e grandes, posicionadas fixamente e quadrangularmente, de modo que o som perpasse por todo o território. No início acho até interessante. Mas minutinhos depois, não sei direito por que, mas aquele som vai me incomodando tanto, que nem consigo mais ficar ali. Fiquei pensando: quem está colocando aquele som? E que mal qualidade de som... Qual era o nome daquela música? Quem tocava? Se eu quisesse buscar mais informações sobre a música, e/ou, até mesmo o som, quem eu deveria procurar ali? Quem era o cara que colocava essa música? Onde estava o “toca CD”? Se alguém se incomodasse com aquele som, poderia pedir para abaixar o volume? Existem outros estilos que também são colocados para ouvir? É o dia todo de som daquela forma? Qual é o horário que começa a tocar, e qual é o término? Muitas questões acho que passaram por mim, e esse foi o motivo do meu mal-estar. Fui embora da praça...
 
Conversando com minha irmã sobre a praça, ela havia me dito que uma amiga sua, que reside no centro de uma cidade do interior de São Paulo, mais especificamente na frente de uma outra praça como aquela, e que também tocava som (com caixas na praça), sentia-se frequentemente angustiada, com a sensação até de loucura, dizendo que as vezes aquele som emitido pelas caixas de som da praça, a deixava “doida”.Fiquei mais tranquilo...
 
Lembrei-me da corrutela dos meus pais, onde hinos da igreja, e notas de falecimentos, também são até hoje, emitidos na praça, pelos alto-falantes da igreja. Os sinos demarcando acontecimentos e horários, significam isso. Mas acho que era diferente. Havia um por que. Mas e aquele som, de música clássica, naquela altura, naquele horário, o que significava aquilo?
 
Voltando para o jornal, a capa trazia uma bomba relógio vermelha prestes a explodir, bem grande, na página inteira. DROGAS, UMA BOMBA-RELÓGIO, PRESTES A EXPLODIR. Folheando o jornal, por entre testemunhos, bênçãos e pecúlio, com a palavra, os especialistas. Os psiquiatras, ressaltaram os malefícios que as drogas causam nas pessoas começando por (não me lembro exatamente, mas o tom era esse): aceleramento da queda do cabelo, déficit cognitivo, cânceres, disfunções sexuais, homossexualismo, perda de identidade, fundo do poço, depressões e esquizofrenias, perda de laços sociais e/ou afetivos, desemprego e por fim, a tal da morte. Pouco falaram sobre o álcool. E em um outro quadrante, uma nota inteira sobre a maconha, e seus malefícios, e alertavam: não é uma droga leve, como existe o mito. Cuidado! Afeta severamente a memória. E também associaram o HIV as drogas. E muito pouco, ou quase nada, falaram sobre a questão do próprio abuso de psicotrópicos, já que a maioria deles eram psiquiatras. E quase nada sobre o álcool.
 
Eu não quero entrar nessa questão, mas vou fazer um comentário sobre o que faz mal para nós. (Penso que o lance é cada um, na sua individualidade, conhecer e poder escolher, aquilo que faz ou não mal, para sua própria saúde, mas iriei falar mais disso logo abaixo) O que é que podemos considerar o que pode nos matar? Quais substâncias que também podemos associar a vários males de saúde? Quais são essas substâncias? Apenas as tais drogas que o jornal ressaltou? Ampliando, muitas drogas como muitos sabem, são vendidas em drogarias, farmácias, em toda e qualquer esquina. Quem não sabe que toda medicação, tem seu efeito colateral, como os simples remédios para hipertensão? Que em sua ingestão ao longo dos anos, vai causando deterioramento das funções renais, entre outros males... que os psicotrópicos como o Clonazepam, está cada vez mais causando dependências nas pessoas...
 
E por falar nesse assunto, lembro-me de uma pesquisa que vi a algum tempo atrás, não me lembro bem se foi na palestra ou no livro, de Gustavo Tenório (A Construção da Clínica Ampliada na Atenção Básica), médico professor da Unicamp, em que apresentou um estudo estarrecedor. Falando de alguns dados obtidos pela pesquisadora Barbara Stratifil, onde ela aponta a IATROGENIA, como a terceira maior causa de óbitos nos EUA. Numa rápida busca:
 
Iatrogenia é uma doença com efeitos e complicações causadas como resultado de um tratamento médico. O termo deriva do grego e significa de origem médica, e pode-se aplicar tanto a efeitos bons ou maus. Em farmacologia, iatrogenia refere-se a doenças ou alterações patológicas criadas por efeitos colaterais dos medicamentos. Geralmente a palavra é usada para se referir às consequências de ações danosas dos médicos, mas também pode ser resultado das ações de outros profissionais, como psicólogos, terapeutas, enfermeiros, dentistas, etc. Além disso, medicinas alternativas também podem ser uma fonte de iatrogenia. Uma causa muito comum de efeitos iatrogénicos, que acarreta em óbito, é a interação medicamentosa, que é quando um ou mais medicamentos alteram os efeitos de outros que estão sendo tomados pelo paciente, que podem aumentar ou diminuir a ação do mesmo. Efeitos colaterais, assim como reações alérgicas a medicamentos, também são uma forma de iatrogenia. Com o passar do tempo, algumas bactérias se tornan resistentes a determinados medicamentos, e essa resistência também é uma iatrogenia.”
 
Então, o que faz mal e pode nos matar? Ampliando: quem não se lembra do chumbo, que havia nas tintas usadas nas paredes das nossas casas, e que causavam prejuízos ao desenvolvimento das pessoas, como sérias dificuldades de aprendizagem em crianças... quem não se lembra das telhas e caixas d´água feitas de amianto.... quem não se lembra da água oxigenada que colocavam no leite, um produto altamente cancerígeno, para que o leite rendesse mais... quem não frequentemente come carne de supermercado e sente um gosto estranho, e sabe lá o que é que tem nessa carne... quem não vive em cidades onde o ar, aquele que respiramos, e está cada vez mais poluído devido ao entupimento de gás carbônico emitido pelos carros, fábricas e afins, causando “probleminhas” como o aquecimento global, asma, bronquite, entre outros...
 
Enfim, mas não é sobre essa questão, que eu quero falar. Gostaria de falar sobre uma área que eu trabalho, que é a Educação Popular em Saúde. Relacionando-a a questão das drogas, o que eu percebo, no meio da saúde pública, é infelizmente esse tipo de “pedagogia”que li no jornalzinho, que é baseada fundamentalmente no MEDO. Tem alguns colegas que até classificam como “Tratamento de Choque” e coisas parecidas. Quando colocamos uma bomba relógio na capa, com os especialistas falando dessa maneira, eu acho muito complicado.
 
Em contrapartida a isso tudo, em uma entrevista que li e guardei na minha “pastinha”, de muito tempo atrás, um dos maiores médicos infectologistas do país (tipo time do Fantástico), dá uma contribuição lúcida, e depois humilde, de possíveis começos de caminhos, relacionados a essa questão da educação em saúde relacionada as drogas, sexualidade, que podemos trilhar.
 
O que mais me impressionou nesse relato dele, é quando fala sobre a palestra que foi dar na escola da filha, e que a filha pediu para a colega perguntar em seu lugar, sobre as dúvidas que carregava sobre as drogas, sobre a sexualidade. Ou seja, ela não fez a pergunta em uma conversa de almoço, ou no carro indo viajar com a família para o litoral, ou mesmo num momento em que a família assistia a um filme, de bobeira. Ela não conseguia esclarecer suas dúvidas, angústias com o pai. Talvez não é nem esclarecer, mas apenas conversar sobre o assunto. E precisou que ele fosse a sua sala de aula, repito, um dos maiores médicos-especialistas do país, para que ela usasse uma amiguinha da turma, para fazer os seus questionamentos... Parabéns pela humildade desse médico.
 
O título da entrevista é: DROGA É BOM, CAMISINHA É RUIM. Impressionante. Abaixo a entrevista na íntegra:
 
David Uip
"Camisinha é ruim e droga é bom"

Para o médico, é preciso dizer a verdade antes de se reforçar que o preservativo salva vidas e que a dependência química mata. Pode ser um caminho para melhorar a prevenção da Aids
Gisele Vitória
 
Assim como tantos pais, o infectologista David Uip enfrentou dificuldades para conversar com os filhos sobre sexo, drogas e Aids. Com toda a experiência que acumulou em 34 anos de medicina, ficou roxo quando seu filho, aos 7 anos, achou uma camisinha e lhe pediu para mostrar como usava. Ciente das travas históricas entre pais e filhos nessas conversas delicadas, ele acredita no poder da família, da cumplicidade e da verdade para mudar comportamentos. Aos 57 anos, ex-diretor do Incor, Uip é um dos maiores nomes da medicina no Brasil e comanda um dos centros de referência de tratamento de Aids no País.

"A prevenção virá na hora em que tivermos vacina. O que não quer dizer que devemos desistir
do preservativo. Porque a vacina vai demorar muito”



O Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, é modelo para a Organização Mundial da Saúde e realiza mensalmente 2,7 mil atendimentos de pronto-socorro, 6 mil de ambulatório e 500 internações. Mesmo que os mais recentes números da Aids no mundo mostrem uma redução de 17% nos casos de novos contágios da doença, o médico não vê com otimismo o trabalho de prevenção. Para ele, o coquetel mudou a história da Aids, mas a doença tem sido banalizada. E só a chegada da vacina, que ainda vai demorar, será capaz de mudar este cenário. Quando observa o aumento de casos entre meninas de 13 a 19 anos, ele permanece fiel à crença de que só o diálogo verdadeiro com a família e com a escola fará as gerações futuras mudarem o olhar para a importância do uso do preservativo como forma de evitar mais mortes pela doença.
 
"Adolescentes não usam preservativo. E questiono se uma menina de 13 anos está pronta para
ter uma vida sexual. Como ela vai negociar a prevenção?”
 
Istoé-
O recente relatório da Unaids expõe um panorama mundial mais otimista sobre a redução do número de novos casos de Aids. Mas a prevenção se mantém ineficaz. Como explica isso?
 
David Uip -
 
É uma notícia boa, mas precisa ser bem entendida. O que na verdade melhorou foi o acesso aos medicamentos. Não a prevenção. As pessoas tomam remédios, diminuem a quantidade de vírus no sangue e nas secreções, e contaminam menos. Isso fica claro na prevenção da transmissão materno-fetal. No Brasil, uma mulher grávida soropositivo que não toma o coquetel anti-Aids tem 25% de chance, em média, de passar o vírus para o filho. Com o tratamento, o risco cai para 2%. Em um trabalho que realizo em Angola mantivemos o parto normal e o aleitamento (duas situações de risco para a transmissão do HIV) e, mesmo assim, o índice de contágio de mãe para filho é menor do que 3%.
 
Istoé-
 
Os anos se passaram e a prevenção continua sendo o grande problema da disseminação da Aids.
 
David Uip -
 
O mundo não achou ainda uma saída. O uso de drogas injetáveis, ilícitas, diminuiu. Mas cresceu o de outras drogas que fazem com que o indivíduo aumente a liberalidade e se contamine por sexo. Você estabiliza uma coisa, mas desestabiliza outra. Conversando com as pessoas você nota que a doença tem sido banalizada. Ah, tem remédio, não vou morrer mais. Há pessoas que buscam o risco.
 
Istoé-
 
Por que fazem isso?
 
David Uip -
 
O que determina o comportamento é o impulso. O indivíduo para o carro, contrata uma pessoa e, sem nenhum cuidado, se relaciona. Não há aqui nenhum preconceito quanto às preferências sexuais, mas eu me refiro à proteção da pessoa e do próximo com quem ela vai se relacionar. Estou muito preocupado.
 
Istoé -
 
Não existe medo?
 
David Uip -
 
O impulso é maior que o medo. Você pode ter desejo e se prevenir. Uma outra história é quando um dos parceiros é soropositivo e o outro não. Interessa muito que essa relação se perpetue. Porque se estabelece critério de confiança. Mas vira e mexe aparece o parceiro ou a parceira contaminada, ou grávida. Ou seja, não fizeram a lição de casa. Isso é frustrante. Continuo cada vez mais descrente. Dificilmente você muda comportamento.
 
Istoé-
 
As campanhas de prevenção não são mais tão enfáticas?
 
David Uip -
 
Quando se fala de Aids hoje? Próximo a 1º de dezembro, Dia Mundial de Combate à Aids, e no Carnaval. Imaginar que as pessoas não estejam informadas é complicado. As pessoas sabem como se transmite e como se previne. O que explica a exposição? Comportamento você não muda com campanha, com informação. Você tem uma chance com a educação continuada, desde a fase pré-adolescente.
 
Istoé-
 
O sr. vê diferenças de comportamento nos adolescentes hoje?
 
David Uip -
 
Eles não usam preservativo. Aumentou o número de meninas com Aids. É uma coisa que está clara. Aos 13 anos, questiono se esta menina está pronta para ter uma vida sexual ativa. Como ela vai negociar prevenção? Na outra ponta, aos 19 anos, a jovem muitas vezes se relaciona com um cara bonito, legal e ela confia. Só que não está estampado naquele rapaz que ele tem a doença. Aí vem a gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis. Se isso acontece é porque a pessoa não está usando camisinha.
 
Istoé-
 
A velha situação de que a camisinha atrapalha o sexo ainda é frequente?
 
David Uip -
 
Entendo que isso é da minha geração, gente com mais de 50 anos. Não fomos treinados a usar preservativo. É um desafio, porque na cabeça do homem de meia-idade pode significar que ele vai falhar. Para colocar a camisinha, tem que haver ereção. Isso pode comprometer o momento.
 
Istoé-
 
Como mudar os rumos da proteção contra a Aids?
David Uip -
 
Acredito que a prevenção virá na hora em que tivermos vacina. O que não quer dizer que devemos desistir do preservativo. Porque a vacina vai demorar. Muito. A prevenção virá com a educação. Família e escola. Isso é um trabalho a quatro mãos.
 
Istoé-
 
Com a chegada da vacina algum dia, acabaria então o fantasma da camisinha que atrapalha o sexo?
 
David Uip -
 
A Adriane Galisteu, que começou uma campanha beneficente, A Cara da Vida, para ajudar pacientes com Aids, fala uma coisa com a qual concordo plenamente. Temos que começar a falar a verdade. Camisinha é ruim. Droga é bom. Não adianta negar. Adriane diz publicamente que seu irmão morreu vítima da Aids e se contaminou com uso de drogas injetáveis. (Dias antes de morrer, o irmão da apresentadora pediu a ela que nunca experimentasse drogas, porque poderia gostar). Quando ela me contou desse pedido, inseri no contexto do que eu penso. Não venha dizer que camisinha é bom porque não é. E não adianta você dizer para um usuário de drogas que droga não é bom. É bom, mas mata, tenho que avisar. Sou visceralmente contra o uso de qualquer droga ilícita. Mas a conversa com a Adriane me fez refletir muito. Porque é verdadeira.Vou dizer para o usuário que não é legal ter barato? Ele vai dizer que eu digo isso porque nunca usei. Então temos que falar a verdade. Droga é bom? É, mas vai te matar. Camisinha é bom? Não, mas, se você não usar, pode morrer. Essa é a história. Não adianta advogar prazer, fetiche numa coisa que não tem. São situações desconfortáveis, mas necessárias.
 
Istoé-
 
É importante os pais dizerem aos filhos que camisinha é ruim?
 
David Uip -
 
Eu diria: é ruim, mas tem que usar. Filho, droga pode ser bom, mas vai te matar. Talvez os filhos criem mais confiança nos pais. É um discurso mais autêntico. Outra coisa que acho importante dizer aos filhos: acredite no que estou dizendo, no ensinamento. Se você for experimentar de tudo na sua vida, vai parar aonde?
 
Istoé-
 
O sr. sustenta a opinião de que é mais difícil o homem se contaminar do que a mulher?
 
David Uip -
 
Eu e a estatística. Quando falei publicamente sobre isso, em 1991, as pessoas me desaconselharam a manter a posição. E eu mantive. Não mudei uma palavra. Naquela época, a proporção de casos de Aids era mais ou menos de 40 homens para uma mulher. Se a taxa de aumento de homens fosse paralela à de mulheres, hoje teríamos muito mais homens infectados do que mulheres. Como é que agora essa proporção está mais ou menos de um para um ou duas mulheres para um homem? Porque a possibilidade de o homem se infectar com a mulher é muito menor do que a da mulher com o homem. É óbvio. Essa história, que me trouxe enormes problemas, hoje é confirmada. Aquilo que foi visto como preconceito, homofobia, na verdade era um alerta. Eu estava falando para as mulheres: previnam-se. Não achem que pelo fato de serem casadas vocês não possam pegar Aids.
 
Istoé-
 
Como os pais podem ajudar os filhos a se prevenir?
 
David Uip -
 
Esse é outro desafio. As famílias esperam que a informação venha da escola. Percebo uma enorme dificuldade na abordagem dos assuntos sexo e drogas, mas me coloco numa posição muito confortável porque as minhas dificuldades não foram menores.
 
Istoé-
 
Que histórias tem para contar sobre isso?
 
David Uip -
 
Quando a minha filha de 29 anos tinha 15, fiz um ciclo de palestras na escola dela. Ao falar para a classe dela, o tempo inteiro ela ficou conversando com uma amiga. Fiquei irritado. Acabou a palestra e eu fui metralhado de perguntas pela amiga dela, com quem ela conversava antes. No fim, perguntei para minha filha: que tanto você conversava? Ela me respondeu que tinha coisas para me perguntar, mas pediu à amiga para fazer isso. Baixei a bola e percebi que estava falando um monte de coisas, mas que havia um problema na minha própria casa. Outra história: meu filho, que tem 18 anos, aos sete descobriu uma camisinha. E me perguntou: pai, o que é isso? Respondi desconfortável. Para que serve? Tentei explicar. E o meu filho insistiu. Mostra como usa? Aí eu fui na cozinha e peguei uma banana. E ele disse: eu não quero ver com banana. Fiquei roxo. Foi uma dificuldade que não pensei que tivesse.
 
Istoé-
 
E como se pode iniciar o assunto de uma maneira menos desconfortável e impositiva?
 
David Uip -
 
A família precisa conversar. Mas trabalhamos muito, temos pouco tempo, o que cria distanciamento. Entendo que é difícil estabelecer uma forma de abordagem. Isso vai muito da maturidade do pai e da mãe, do convívio, da cumplicidade. Essa é a palavra-chave. Primeiro tem que aprender a conversar com o filho. E, antes, tem que aprender a ouvir. O grande truque é saber ouvir o que não está falado. Isso requer um treinamento. Humildade.
 
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