Era
um sábado à tarde a toa. Estava no centro da cidade, e fui conhecer
a nova praça principal daqui. Ela recentemente passou por uma longa
reforma. Achei um jornalzinho desses de igreja no chão, com uma capa
que me chamou muito atenção, coloquei-o embaixo do braço, e fui
buscar um lugar para me sentar.
No
primeiro intacto que me causou essa praça, já não gostei. Achei
muito carregado o paisagismo que fizeram. Na verdade já não gostei
bem antes. É que apesar dos compensados de madeira que impediam a
visão da reforma, já dava para perceber que ao redor da praça
inteira, estava sendo erguida uma grade. Mas como assim? Vão cercar
com grades uma praça pública que antes era aberta? É isso. Antes a
qualquer hora do dia e noite, você poderia ir e vir, entrar e sair
nessa praça, mas agora não. Mas quais seriam os motivos por detrás
disso? A primeira coisa que me veio à cabeça: é para que lá, não
se aglomeram mendigos, usuários de drogas e as prostitutas. Os
usuários de drogas e prostitutas, eu nem vou comentar. Mas e os
mendigos...
Como
que retiram dos mendigos até os bancos da praça? Nem mais o banco
da praça os mendigos tem direito??? Aqui na nossa cidade, existem
coisas que eu classificaria como “FORJADAS.” Existe até a cidade
do Papai Noel, do Polo Sul, ou Norte (nunca soube bem ao certo), que
se transferiu, ou abriu uma filial nos Altos da Afonso Pena.
Como
também fizeram com a famosa, e cheirosa feira livre central, a
maior, que servia o delicioso Sobá. Ela sempre existiu, e cresceu,
em uma rua. Ficava paralela a avenida Mato Grosso. Dizem que saiu da dessa rua, devido ao empreendimento religioso que se ergueu em
frente: segunda maior Igreja Universal do país. Enfim, não sei
direito os porquês, só sei a mudaram de lugar, e a transferiam para
um galpão da antiga estação ferroviária. Agora ela atende um
aglomerado de gente, mais turistas, num lugar amplo e mais
organizado... Mas como uma amigo meu disse, não poderia se chamar
mais “feira”, nem muito menos “livre”. Feira é um lugar na
rua. É o momento em que a rua descansa de carros. É o lugar onde
encontramos pessoas vizinhas, que moram ao nosso lado, e nem ao menos
sabemos seus nomes. É o lugar onde podemos comer talvez na frente de
casa, pois as comidas chegam até nós, sem precisar pedir
delivery...
Outro
acontecimento que eu me lembre, foi relativo ao monumento chamado
de“Cabeça de Boi”. É uma estrutura de ferro grande, que tem em
uma de suas partes, uma cabeça de boi com um cifre grande. A
discussão da época, era que essa cabeça que ficava no centro de
uma praça antiga, de um bairro bem tradicional daqui, simplesmente,
da noite para o dia, sumiu. Retiram essa cabeça dali, e a colocaram
em um cruzamento, de uma nova avenida que foi revitalizada de outra
parta da cidade recentemente. Lembro-me da indignação de alguns
moradores, pois não haviam em nenhum momento sido indagados, sobre a
transposição da cabeça da praça, desse monumento da cidade.
Sentiram-se lesados com isso.
Enfim,
mas estou eu, nessa nova praça. Com o pensamento de abrir o jornal.
Uma fonte bonita com luzes acessa (era dia, acho que a noite a praça
fica trancada), faz jorrar um grosso de água pra cima. E de imediato
percebo um som instrumental, alto, tipo música clássica. Algumas
crianças correndo pra lá e pra cá. No início acho que é alguma
apresentação artística, ou coisa do gênero. Tendo achar essa
apresentação. Mas logo percebo que esse som alto, vem de quatro
caixas estridentes e grandes, posicionadas fixamente e
quadrangularmente, de modo que o som perpasse por todo o território.
No início acho até interessante. Mas minutinhos depois, não sei
direito por que, mas aquele som vai me incomodando tanto, que nem
consigo mais ficar ali. Fiquei pensando: quem está colocando aquele
som? E que mal qualidade de som... Qual era o nome daquela música?
Quem tocava? Se eu quisesse buscar mais informações sobre a música,
e/ou, até mesmo o som, quem eu deveria procurar ali? Quem era o cara
que colocava essa música? Onde estava o “toca CD”? Se alguém se
incomodasse com aquele som, poderia pedir para abaixar o volume?
Existem outros estilos que também são colocados para ouvir? É o
dia todo de som daquela forma? Qual é o horário que começa a
tocar, e qual é o término? Muitas questões acho que passaram por
mim, e esse foi o motivo do meu mal-estar. Fui embora da praça...
Conversando
com minha irmã sobre a praça, ela havia me dito que uma amiga sua,
que reside no centro de uma cidade do interior de São Paulo, mais
especificamente na frente de uma outra praça como aquela, e que
também tocava som (com caixas na praça), sentia-se frequentemente
angustiada, com a sensação até de loucura, dizendo que as vezes
aquele som emitido pelas caixas de som da praça, a deixava
“doida”.Fiquei mais tranquilo...
Lembrei-me
da corrutela dos meus pais, onde hinos da igreja, e notas de
falecimentos, também são até hoje, emitidos na praça, pelos
alto-falantes da igreja. Os sinos demarcando acontecimentos e
horários, significam isso. Mas acho que era diferente. Havia um por
que. Mas e aquele som, de música clássica, naquela altura, naquele
horário, o que significava aquilo?
Voltando
para o jornal, a capa trazia uma bomba relógio vermelha prestes a
explodir, bem grande, na página inteira. DROGAS, UMA BOMBA-RELÓGIO,
PRESTES A EXPLODIR. Folheando o jornal, por entre testemunhos,
bênçãos e pecúlio, com a palavra, os especialistas. Os
psiquiatras, ressaltaram os malefícios que as drogas causam nas
pessoas começando por (não me lembro exatamente, mas o tom era
esse): aceleramento da queda do cabelo, déficit cognitivo, cânceres,
disfunções sexuais, homossexualismo, perda de identidade, fundo do
poço, depressões e esquizofrenias, perda de laços sociais e/ou
afetivos, desemprego e por fim, a tal da morte. Pouco falaram sobre o
álcool. E em um outro quadrante, uma nota inteira sobre a maconha, e
seus malefícios, e alertavam: não é uma droga leve, como existe o
mito. Cuidado! Afeta severamente a memória. E também associaram o
HIV as drogas. E muito pouco, ou quase nada, falaram sobre a questão
do próprio abuso de psicotrópicos, já que a maioria deles eram
psiquiatras. E quase nada sobre o álcool.
Eu
não quero entrar nessa questão, mas vou fazer um comentário sobre
o que faz mal para nós. (Penso que o lance é cada um, na sua
individualidade, conhecer e poder escolher, aquilo que faz ou não
mal, para sua própria saúde, mas iriei falar mais disso logo
abaixo) O que é que podemos considerar o que pode nos matar? Quais
substâncias que também podemos associar a vários males de saúde?
Quais são essas substâncias? Apenas as tais drogas que o jornal
ressaltou? Ampliando, muitas drogas como muitos sabem, são vendidas
em drogarias, farmácias, em toda e qualquer esquina. Quem não sabe
que toda medicação, tem seu efeito colateral, como os simples
remédios para hipertensão? Que em sua ingestão ao longo dos anos,
vai causando deterioramento das funções renais, entre outros
males... que os psicotrópicos como o Clonazepam, está cada vez mais
causando dependências nas pessoas...
E
por falar nesse assunto, lembro-me de uma pesquisa que vi a algum
tempo atrás, não me lembro bem se foi na palestra ou no livro, de
Gustavo Tenório (A Construção da Clínica Ampliada na Atenção
Básica), médico professor da Unicamp, em que apresentou um estudo
estarrecedor. Falando de alguns dados obtidos pela pesquisadora
Barbara Stratifil, onde ela aponta a IATROGENIA, como a terceira
maior causa de óbitos nos EUA. Numa rápida busca:
“Iatrogenia
é uma doença com efeitos e complicações causadas como resultado
de um tratamento médico. O termo deriva do grego e significa de
origem médica, e pode-se aplicar tanto a efeitos bons ou maus. Em
farmacologia, iatrogenia refere-se a doenças ou alterações
patológicas criadas por efeitos colaterais dos medicamentos.
Geralmente a palavra é usada para se referir às consequências de
ações danosas dos médicos, mas também pode ser resultado das
ações de outros profissionais, como psicólogos, terapeutas,
enfermeiros, dentistas, etc. Além disso, medicinas alternativas
também podem ser uma fonte de iatrogenia. Uma causa muito comum de
efeitos iatrogénicos, que acarreta em óbito, é a interação
medicamentosa, que é quando um ou mais medicamentos alteram os
efeitos de outros que estão sendo tomados pelo paciente, que podem
aumentar ou diminuir a ação do mesmo. Efeitos colaterais, assim
como reações alérgicas a medicamentos, também são uma forma de
iatrogenia. Com o passar do tempo, algumas bactérias se tornan
resistentes a determinados medicamentos, e essa resistência também
é uma iatrogenia.”
Então,
o que faz mal e pode nos matar? Ampliando: quem não se lembra do
chumbo, que havia nas tintas usadas nas paredes das nossas casas, e
que causavam prejuízos ao desenvolvimento das pessoas, como sérias
dificuldades de aprendizagem em crianças... quem não se lembra das
telhas e caixas d´água feitas de amianto.... quem não se lembra da
água oxigenada que colocavam no leite, um produto altamente
cancerígeno, para que o leite rendesse mais... quem não
frequentemente come carne de supermercado e sente um gosto estranho,
e sabe lá o que é que tem nessa carne... quem não vive em cidades
onde o ar, aquele que respiramos, e está cada vez mais poluído
devido ao entupimento de gás carbônico emitido pelos carros,
fábricas e afins, causando “probleminhas” como o aquecimento
global, asma, bronquite, entre outros...
Enfim,
mas não é sobre essa questão, que eu quero falar. Gostaria de
falar sobre uma área que eu trabalho, que é a Educação Popular em
Saúde. Relacionando-a a questão das drogas, o que eu percebo, no
meio da saúde pública, é infelizmente esse tipo de “pedagogia”que
li no jornalzinho, que é baseada fundamentalmente no MEDO. Tem
alguns colegas que até classificam como “Tratamento de Choque” e
coisas parecidas. Quando colocamos uma bomba relógio na capa, com os
especialistas falando dessa maneira, eu acho muito complicado.
Em
contrapartida a isso tudo, em uma entrevista que li e guardei na
minha “pastinha”, de muito tempo atrás, um dos maiores médicos
infectologistas do país (tipo time do Fantástico), dá uma
contribuição lúcida, e depois humilde, de possíveis começos de
caminhos, relacionados a essa questão da educação em saúde
relacionada as drogas, sexualidade, que podemos trilhar.
O
que mais me impressionou nesse relato dele, é quando fala sobre a
palestra que foi dar na escola da filha, e que a filha pediu para a
colega perguntar em seu lugar, sobre as dúvidas que carregava sobre
as drogas, sobre a sexualidade. Ou seja, ela não fez a pergunta em
uma conversa de almoço, ou no carro indo viajar com a família para
o litoral, ou mesmo num momento em que a família assistia a um
filme, de bobeira. Ela não conseguia esclarecer suas dúvidas,
angústias com o pai. Talvez não é nem esclarecer, mas apenas
conversar sobre o assunto. E precisou que ele fosse a sua sala de
aula, repito, um dos maiores médicos-especialistas do país, para
que ela usasse uma amiguinha da turma, para fazer os seus
questionamentos... Parabéns pela humildade desse médico.
O
título da entrevista é: DROGA É BOM, CAMISINHA É RUIM.
Impressionante. Abaixo a entrevista na íntegra:
David
Uip
"Camisinha
é ruim e droga é bom"
Para o médico, é preciso dizer a verdade antes de se reforçar que o preservativo salva vidas e que a dependência química mata. Pode ser um caminho para melhorar a prevenção da Aids
Para o médico, é preciso dizer a verdade antes de se reforçar que o preservativo salva vidas e que a dependência química mata. Pode ser um caminho para melhorar a prevenção da Aids
Gisele
Vitória
Assim
como tantos pais, o infectologista David Uip enfrentou dificuldades
para conversar com os filhos sobre sexo, drogas e Aids. Com toda a
experiência que acumulou em 34 anos de medicina, ficou roxo quando
seu filho, aos 7 anos, achou uma camisinha e lhe pediu para mostrar
como usava. Ciente das travas históricas entre pais e filhos nessas
conversas delicadas, ele acredita no poder da família, da
cumplicidade e da verdade para mudar comportamentos. Aos 57 anos,
ex-diretor do Incor, Uip é um dos maiores nomes da medicina no
Brasil e comanda um dos centros de referência de tratamento de Aids
no País.
"A
prevenção virá na hora em que tivermos vacina. O que não quer
dizer que devemos desistir
do preservativo. Porque a vacina vai demorar muito”
do preservativo. Porque a vacina vai demorar muito”
O
Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, é modelo
para a Organização Mundial da Saúde e realiza mensalmente 2,7 mil
atendimentos de pronto-socorro, 6 mil de ambulatório e 500
internações. Mesmo que os mais recentes números da Aids no mundo
mostrem uma redução de 17% nos casos de novos contágios da doença,
o médico não vê com otimismo o trabalho de prevenção. Para ele,
o coquetel mudou a história da Aids, mas a doença tem sido
banalizada. E só a chegada da vacina, que ainda vai demorar, será
capaz de mudar este cenário. Quando observa o aumento de casos entre
meninas de 13 a 19 anos, ele permanece fiel à crença de que só o
diálogo verdadeiro com a família e com a escola fará as gerações
futuras mudarem o olhar para a importância do uso do preservativo
como forma de evitar mais mortes pela doença.
"Adolescentes
não usam preservativo. E questiono se uma menina de 13 anos está
pronta para
ter uma vida sexual. Como ela vai negociar a prevenção?”
ter uma vida sexual. Como ela vai negociar a prevenção?”
Istoé-
O
recente relatório da Unaids expõe um panorama mundial mais otimista
sobre a redução do número de novos casos de Aids. Mas a prevenção
se mantém ineficaz. Como explica isso?
David
Uip -
É
uma notícia boa, mas precisa ser bem entendida. O que na verdade
melhorou foi o acesso aos medicamentos. Não a prevenção. As
pessoas tomam remédios, diminuem a quantidade de vírus no sangue e
nas secreções, e contaminam menos. Isso fica claro na prevenção
da transmissão materno-fetal. No Brasil, uma mulher grávida
soropositivo que não toma o coquetel anti-Aids tem 25% de chance, em
média, de passar o vírus para o filho. Com o tratamento, o risco
cai para 2%. Em um trabalho que realizo em Angola mantivemos o parto
normal e o aleitamento (duas situações de risco para a transmissão
do HIV) e, mesmo assim, o índice de contágio de mãe para filho é
menor do que 3%.
Istoé-
Os
anos se passaram e a prevenção continua sendo o grande problema da
disseminação da Aids.
David
Uip -
O mundo não achou ainda uma saída. O uso de drogas injetáveis,
ilícitas, diminuiu. Mas cresceu o de outras drogas que fazem com que
o indivíduo aumente a liberalidade e se contamine por sexo. Você
estabiliza uma coisa, mas desestabiliza outra. Conversando com as
pessoas você nota que a doença tem sido banalizada. Ah, tem
remédio, não vou morrer mais. Há pessoas que buscam o risco.
Istoé-
Por
que fazem isso?
David
Uip -
O
que determina o comportamento é o impulso. O indivíduo para o
carro, contrata uma pessoa e, sem nenhum cuidado, se relaciona. Não
há aqui nenhum preconceito quanto às preferências sexuais, mas eu
me refiro à proteção da pessoa e do próximo com quem ela vai se
relacionar. Estou muito preocupado.
Istoé
-
Não
existe medo?
David
Uip -
O
impulso é maior que o medo. Você pode ter desejo e se prevenir. Uma
outra história é quando um dos parceiros é soropositivo e o outro
não. Interessa muito que essa relação se perpetue. Porque se
estabelece critério de confiança. Mas vira e mexe aparece o
parceiro ou a parceira contaminada, ou grávida. Ou seja, não
fizeram a lição de casa. Isso é frustrante. Continuo cada vez mais
descrente. Dificilmente você muda comportamento.
Istoé-
As
campanhas de prevenção não são mais tão enfáticas?
David
Uip -
Quando
se fala de Aids hoje? Próximo a 1º de dezembro, Dia Mundial de
Combate à Aids, e no Carnaval. Imaginar que as pessoas não estejam
informadas é complicado. As pessoas sabem como se transmite e como
se previne. O que explica a exposição? Comportamento você não
muda com campanha, com informação. Você tem uma chance com a
educação continuada, desde a fase pré-adolescente.
Istoé-
O
sr. vê diferenças de comportamento nos adolescentes hoje?
David
Uip -
Eles
não usam preservativo. Aumentou o número de meninas com Aids. É
uma coisa que está clara. Aos 13 anos, questiono se esta menina está
pronta para ter uma vida sexual ativa. Como ela vai negociar
prevenção? Na outra ponta, aos 19 anos, a jovem muitas vezes se
relaciona com um cara bonito, legal e ela confia. Só que não está
estampado naquele rapaz que ele tem a doença. Aí vem a gravidez
indesejada, doenças sexualmente transmissíveis. Se isso acontece é
porque a pessoa não está usando camisinha.
Istoé-
A
velha situação de que a camisinha atrapalha o sexo ainda é
frequente?
David
Uip -
Entendo
que isso é da minha geração, gente com mais de 50 anos. Não fomos
treinados a usar preservativo. É um desafio, porque na cabeça do
homem de meia-idade pode significar que ele vai falhar. Para colocar
a camisinha, tem que haver ereção. Isso pode comprometer o momento.
Istoé-
Como
mudar os rumos da proteção contra a Aids?
David
Uip -
Acredito
que a prevenção virá na hora em que tivermos vacina. O que não
quer dizer que devemos desistir do preservativo. Porque a vacina vai
demorar. Muito. A prevenção virá com a educação. Família e
escola. Isso é um trabalho a quatro mãos.
Istoé-
Com
a chegada da vacina algum dia, acabaria então o fantasma da
camisinha que atrapalha o sexo?
David
Uip -
A
Adriane Galisteu, que começou uma campanha beneficente, A Cara da
Vida, para ajudar pacientes com Aids, fala uma coisa com a qual
concordo plenamente. Temos que começar a falar a verdade. Camisinha
é ruim. Droga é bom. Não adianta negar. Adriane diz publicamente
que seu irmão morreu vítima da Aids e se contaminou com uso de
drogas injetáveis. (Dias antes de morrer, o irmão da apresentadora
pediu a ela que nunca experimentasse drogas, porque poderia gostar).
Quando ela me contou desse pedido, inseri no contexto do que eu
penso. Não venha dizer que camisinha é bom porque não é. E não
adianta você dizer para um usuário de drogas que droga não é bom.
É bom, mas mata, tenho que avisar. Sou visceralmente contra o uso de
qualquer droga ilícita. Mas a conversa com a Adriane me fez refletir
muito. Porque é verdadeira.Vou dizer para o usuário que não é
legal ter barato? Ele vai dizer que eu digo isso porque nunca usei.
Então temos que falar a verdade. Droga é bom? É, mas vai te matar.
Camisinha é bom? Não, mas, se você não usar, pode morrer. Essa é
a história. Não adianta advogar prazer, fetiche numa coisa que não
tem. São situações desconfortáveis, mas necessárias.
Istoé-
É
importante os pais dizerem aos filhos que camisinha é ruim?
David
Uip -
Eu
diria: é ruim, mas tem que usar. Filho, droga pode ser bom, mas vai
te matar. Talvez os filhos criem mais confiança nos pais. É um
discurso mais autêntico. Outra coisa que acho importante dizer aos
filhos: acredite no que estou dizendo, no ensinamento. Se você for
experimentar de tudo na sua vida, vai parar aonde?
Istoé-
O
sr. sustenta a opinião de que é mais difícil o homem se contaminar
do que a mulher?
David
Uip -
Eu
e a estatística. Quando falei publicamente sobre isso, em 1991, as
pessoas me desaconselharam a manter a posição. E eu mantive. Não
mudei uma palavra. Naquela época, a proporção de casos de Aids era
mais ou menos de 40 homens para uma mulher. Se a taxa de aumento de
homens fosse paralela à de mulheres, hoje teríamos muito mais
homens infectados do que mulheres. Como é que agora essa proporção
está mais ou menos de um para um ou duas mulheres para um homem?
Porque a possibilidade de o homem se infectar com a mulher é muito
menor do que a da mulher com o homem. É óbvio. Essa história, que
me trouxe enormes problemas, hoje é confirmada. Aquilo que foi visto
como preconceito, homofobia, na verdade era um alerta. Eu estava
falando para as mulheres: previnam-se. Não achem que pelo fato de
serem casadas vocês não possam pegar Aids.
Istoé-
Como
os pais podem ajudar os filhos a se prevenir?
David
Uip -
Esse
é outro desafio. As famílias esperam que a informação venha da
escola. Percebo uma enorme dificuldade na abordagem dos assuntos sexo
e drogas, mas me coloco numa posição muito confortável porque as
minhas dificuldades não foram menores.
Istoé-
Que
histórias tem para contar sobre isso?
David
Uip -
Quando
a minha filha de 29 anos tinha 15, fiz um ciclo de palestras na
escola dela. Ao falar para a classe dela, o tempo inteiro ela ficou
conversando com uma amiga. Fiquei irritado. Acabou a palestra e eu
fui metralhado de perguntas pela amiga dela, com quem ela conversava
antes. No fim, perguntei para minha filha: que tanto você
conversava? Ela me respondeu que tinha coisas para me perguntar, mas
pediu à amiga para fazer isso. Baixei a bola e percebi que estava
falando um monte de coisas, mas que havia um problema na minha
própria casa. Outra história: meu filho, que tem 18 anos, aos sete
descobriu uma camisinha. E me perguntou: pai, o que é isso? Respondi
desconfortável. Para que serve? Tentei explicar. E o meu filho
insistiu. Mostra como usa? Aí eu fui na cozinha e peguei uma banana.
E ele disse: eu não quero ver com banana. Fiquei roxo. Foi uma
dificuldade que não pensei que tivesse.
Istoé-
E
como se pode iniciar o assunto de uma maneira menos desconfortável e
impositiva?
David
Uip -
A
família precisa conversar. Mas trabalhamos muito, temos pouco tempo,
o que cria distanciamento. Entendo que é difícil estabelecer uma
forma de abordagem. Isso vai muito da maturidade do pai e da mãe, do
convívio, da cumplicidade. Essa é a palavra-chave. Primeiro tem que
aprender a conversar com o filho. E, antes, tem que aprender a ouvir.
O grande truque é saber ouvir o que não está falado. Isso requer
um treinamento. Humildade.
FONTE:
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