Esses dias participei de uma atividade, que eu achei bastante interessante, em uma unidade de saúde.
Todo
final de ano, essa unidade de saúde realiza um evento, onde o foco são as crianças
da comunidade. Já é uma tradição. E fazem um “desfile” com os pequenos. Esse
ano o tema foi “Anos 60”. Teve um ano em que o tema foi “Cowboy”, e na parede
das salas da unidade, tem fotos das crianças que participaram nos anos
passados.
É um
momento em que eu vi a maior parte dos trabalhadores de saúde dessa unidade,
principalmente os Agentes Comunitários de Saúde, se mobilizando, organizando,
planejando um momento voltado para as crianças daquela comunidade. A Assistente
Social cuidou das inscrições, a enfermagem e os Agentes fizeram a decoração, o
odontólogo ficou com a fotografia, e quem não participou diretamente, fez uma
doação: brinquedos, doces, materiais para a decoração etc. E existe sempre o
“rateio” para comprar alguma coisa que fica faltando nas doações, que os Agentes
principalmente angariaram na comunidade.
Percebi
que foram momentos que integraram a equipe de uma forma ímpar. Por exemplo.
Participei do momento em que as Agentes estavam aprontando a decoração no
local. Havia até uma Agente, que estava de licença maternidade, e que foi até o
local, para ajudar. É o momento em que os filhos dessas mulheres, também
ajudam, e /ou atrapalham, com suas traquinagens. E conhecemos os filhos, netos,
de quem trabalha conosco. E cuidamos do filho do nosso colega naquele momento.
Foi um momento descontraído, de conversa, enquanto embalávamos os brinquedos, e
pensávamos na decoração do lugar.
E essa
história, para mim, especificamente, ficou complicada. É que além de dar uma “mãozinha”
nesse evento, me pediram para que eu fosse o jurado do desfile. Eu, com a
enfermeira, a educadora física e o Assistente Social da unidade, seríamos o “corpo
de jurados”, e tínhamos que ver as crianças, bem pequenas, e darmos uma nota a
elas. Os quesitos eram: desenvoltura, simpatia, armação da fantasia, e
acompanhamento da criança pela unidade de saúde (como o número de consultas,
vacinas, pré-natal etc). Desde já, as Agentes de Saúde, “pularam fora” dessa
questão de dar notas as crianças. Pois elas mesmos disseram: “nós não podemos
dar nota não, pois isso pode dar “rolo”, uma vez que moramos na comunidade, e
vai que uma mãe acha que estamos beneficiando algum parente nosso, ou coisa
parecida...”. Enfim, aceitei.
E
fiquei pensando em como avaliar uma criança. Na verdade, eu nem sabia os
quesitos que iríamos avaliar. Chegando no dia, ajudei a instalar o som, e ainda
fiquei como DJ, vendo as crianças passarem por nós, aumentando e abaixando a
música, enquanto a apresentadora falava. Desfilaram crianças lindas (e não encontro
nenhum outro adjetivo para elas), a maior parte delas, desfilavam acompanhadas
por suas mães, avós, irmãs, responsáveis. Meninas com vestidos de bolinhas,
óculos escuros, tiaras. Para os meninos até gel e bebês com costeletas feitas a
lápis preto. E desfilaram também crianças com roupas sem correlação a temática
proposta. Crianças com “roupas de sair”, de ir à igreja. Mas em todas as
crianças, você via todo o cuidado e carinho que aquelas mulheres tiveram com
elas para a preparação do momento, para o desfile. Mulheres que ao acompanhar
as crianças na “passarela”, estampavam um sorriso na cara. Mulheres que
desfilavam de chinelo de dedo.
E
fiquei pensando sobre essa questão de se avaliar alguém, e mais, de se avaliar
uma criança.
O primeiro
pensamento que tive com essa proposta, foi com relação aquele belo filme: “Pequena
Miss Sunshine”. Que retrata a priori, sobre o exagero que esses concursos de beleza
voltados para crianças assumem. São meninas no caso, que colocavam dentes “postiços”,
“mega hair”, salto alto, maquiagem, para ganharem os concursos. Sem falar no
impacto emocional que vai causando essas “disputas”. E esse filme, retrata
também, me parece, aquela coisa do “esvaziamento” na vida dos adultos, por
detrás dessas crianças.
Uma
vez eu li um texto, em que a autora falava exatamente do papel que as crianças
exerciam na vida das pessoas, que moravam nas comunidades mais pobres. Naquelas
famílias em que o pai e a mãe são um mero detalhe. São avós, tios, tias,
sobrinhos, filhos de outros casamentos, mães que deixam seus filhos com
vizinhos, avós que tomam filhos de filhas, e por aí vai, tudo na mesma casa, no
mesmo ambiente. E no centro disso tudo: as crianças. E em sua tese, a ideia de
que as crianças, nem mais, nem menos, representavam para os adultos dessas
famílias: um futuro melhor.
Quando
eu penso em criança ultimamente, eu me lembro de Manoel de Barros: ele
simplesmente diz que é nas crianças, que estão os verdadeiros ensinamentos. Que
devemos sempre aprender com elas.
E
fiquei pensando nesse negócio de dar nota para uma criança. E me lembrei do
Rubens Alves. E tenho que falar um pouco sobre Rubens Alves. Tive duas vezes
oportunidades de ouvi-lo falar. Da primeira vez que eu o vi, tinha 17 anos, e
fui assistir a uma palestra sua. Depois fui à casa onde ele estava almoçando.
Eu era amigo de uma das mulheres que estavam organizando o evento, e ele foi
almoçar na casa dela. Mas na época, de tanta timidez eu acho, nem troquei sequer
uma palavra com ele. Mas lembro-me bem que uma das cenas mais impactantes que
eu presenciei, foi no final de sua palestra, em ver o aglomerado de
professoras, pedagogas, entorno dele, querendo sua atenção. Pareciam fãs
adolescentes “alá” Luan Santana. Mas como? Um senhor, com o mínimo de cabelo
brancos, provocando mulheres dessa maneira, com sua inteligência, carinho,
carisma? A ponto delas quase darem suas calcinhas para ele autografar. Fiquei
pensando nisso. E da outra vez que eu o vi falar, foi nessa cidade aqui mesmo. Depois
de mais de uma década. O auditório lotado, e não havia lugar mais nem para se
sentar no chão.
Mas a
história que ele me contou, relacionado ao tema nota, é que tem uma ideia de
como para ele, deveria ser o vestibular. Na verdade, em sua opinião (e já
ressalta que é maluco mesmo), não deveria nem existir o vestibular. Um dos argumentos
que o fez chegar a essa conclusão, foi ter tido conhecimento da indignação de
um cronista na época, depois de ter tido um trecho de uma de suas crônicas,
publicada em uma questão de vestibular. A indignação dele era que nem mesmo
ele, se tivesse prestado e tentado resolver a tal questão, não conseguiria. Assim,
para Rubens Alves, o que deveria existir ao invés de vestibular, seria um
sorteio. Simples assim: sorteio de vagas, para quantidade de candidatos. Só um
humanista como ele, pode ter ideias assim.
Então,
como eu avaliaria aquelas crianças...
Esse negócio
de dar notas é complicado. Quem de nós não esteve já do outro lado da moeda? Ou
seja, quem de nós já não foi avaliado algum dia? Aliás, desde que nascemos, nas
primeiras horas, já “ganhamos” uma nota. O teste de Apgar, já é uma nota que
nos dão no hospital, avaliando alguns sinais do bebê. E tem o colégio, e tem a
carteira de habilitação, e as entrevistas e emprego, e muitas e muitas outras
avaliações, que nos fazem cotidianamente.
E acho
isso tudo muito complicado. Assim, como eu avaliaria aquelas crianças?
Por
fim, a única saída que eu vi para mim foi: dei 10 para todas as crianças, em
todos os quesitos, deixando assim, para os meus colegas jurados, as notas
diferenciais, que escolheram o primeiro, o segundo e o terceiro lugar. Mas
todas as crianças, ganhando ou não, ganharam um brinquedo. Lógico que para as
primeiras, o brinquedo era melhor.
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