segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

NOTA


Esses dias participei de uma atividade, que eu achei bastante interessante, em uma unidade de saúde.
Todo final de ano, essa unidade de saúde realiza um evento, onde o foco são as crianças da comunidade. Já é uma tradição. E fazem um “desfile” com os pequenos. Esse ano o tema foi “Anos 60”. Teve um ano em que o tema foi “Cowboy”, e na parede das salas da unidade, tem fotos das crianças que participaram nos anos passados.
É um momento em que eu vi a maior parte dos trabalhadores de saúde dessa unidade, principalmente os Agentes Comunitários de Saúde, se mobilizando, organizando, planejando um momento voltado para as crianças daquela comunidade. A Assistente Social cuidou das inscrições, a enfermagem e os Agentes fizeram a decoração, o odontólogo ficou com a fotografia, e quem não participou diretamente, fez uma doação: brinquedos, doces, materiais para a decoração etc. E existe sempre o “rateio” para comprar alguma coisa que fica faltando nas doações, que os Agentes principalmente angariaram na comunidade.
Percebi que foram momentos que integraram a equipe de uma forma ímpar. Por exemplo. Participei do momento em que as Agentes estavam aprontando a decoração no local. Havia até uma Agente, que estava de licença maternidade, e que foi até o local, para ajudar. É o momento em que os filhos dessas mulheres, também ajudam, e /ou atrapalham, com suas traquinagens. E conhecemos os filhos, netos, de quem trabalha conosco. E cuidamos do filho do nosso colega naquele momento. Foi um momento descontraído, de conversa, enquanto embalávamos os brinquedos, e pensávamos na decoração do lugar.
E essa história, para mim, especificamente, ficou complicada. É que além de dar uma “mãozinha” nesse evento, me pediram para que eu fosse o jurado do desfile. Eu, com a enfermeira, a educadora física e o Assistente Social da unidade, seríamos o “corpo de jurados”, e tínhamos que ver as crianças, bem pequenas, e darmos uma nota a elas. Os quesitos eram: desenvoltura, simpatia, armação da fantasia, e acompanhamento da criança pela unidade de saúde (como o número de consultas, vacinas, pré-natal etc). Desde já, as Agentes de Saúde, “pularam fora” dessa questão de dar notas as crianças. Pois elas mesmos disseram: “nós não podemos dar nota não, pois isso pode dar “rolo”, uma vez que moramos na comunidade, e vai que uma mãe acha que estamos beneficiando algum parente nosso, ou coisa parecida...”. Enfim, aceitei.
E fiquei pensando em como avaliar uma criança. Na verdade, eu nem sabia os quesitos que iríamos avaliar. Chegando no dia, ajudei a instalar o som, e ainda fiquei como DJ, vendo as crianças passarem por nós, aumentando e abaixando a música, enquanto a apresentadora falava.  Desfilaram crianças lindas (e não encontro nenhum outro adjetivo para elas), a maior parte delas, desfilavam acompanhadas por suas mães, avós, irmãs, responsáveis. Meninas com vestidos de bolinhas, óculos escuros, tiaras. Para os meninos até gel e bebês com costeletas feitas a lápis preto. E desfilaram também crianças com roupas sem correlação a temática proposta. Crianças com “roupas de sair”, de ir à igreja. Mas em todas as crianças, você via todo o cuidado e carinho que aquelas mulheres tiveram com elas para a preparação do momento, para o desfile. Mulheres que ao acompanhar as crianças na “passarela”, estampavam um sorriso na cara. Mulheres que desfilavam de chinelo de dedo.
E fiquei pensando sobre essa questão de se avaliar alguém, e mais, de se avaliar uma criança.
O primeiro pensamento que tive com essa proposta, foi com relação aquele belo filme: “Pequena Miss Sunshine”. Que retrata a priori, sobre o exagero que esses concursos de beleza voltados para crianças assumem. São meninas no caso, que colocavam dentes “postiços”, “mega hair”, salto alto, maquiagem, para ganharem os concursos. Sem falar no impacto emocional que vai causando essas “disputas”. E esse filme, retrata também, me parece, aquela coisa do “esvaziamento” na vida dos adultos, por detrás dessas crianças.
Uma vez eu li um texto, em que a autora falava exatamente do papel que as crianças exerciam na vida das pessoas, que moravam nas comunidades mais pobres. Naquelas famílias em que o pai e a mãe são um mero detalhe. São avós, tios, tias, sobrinhos, filhos de outros casamentos, mães que deixam seus filhos com vizinhos, avós que tomam filhos de filhas, e por aí vai, tudo na mesma casa, no mesmo ambiente. E no centro disso tudo: as crianças. E em sua tese, a ideia de que as crianças, nem mais, nem menos, representavam para os adultos dessas famílias: um futuro melhor.
Quando eu penso em criança ultimamente, eu me lembro de Manoel de Barros: ele simplesmente diz que é nas crianças, que estão os verdadeiros ensinamentos. Que devemos sempre aprender com elas.
E fiquei pensando nesse negócio de dar nota para uma criança. E me lembrei do Rubens Alves. E tenho que falar um pouco sobre Rubens Alves. Tive duas vezes oportunidades de ouvi-lo falar. Da primeira vez que eu o vi, tinha 17 anos, e fui assistir a uma palestra sua. Depois fui à casa onde ele estava almoçando. Eu era amigo de uma das mulheres que estavam organizando o evento, e ele foi almoçar na casa dela. Mas na época, de tanta timidez eu acho, nem troquei sequer uma palavra com ele. Mas lembro-me bem que uma das cenas mais impactantes que eu presenciei, foi no final de sua palestra, em ver o aglomerado de professoras, pedagogas, entorno dele, querendo sua atenção. Pareciam fãs adolescentes “alá” Luan Santana. Mas como? Um senhor, com o mínimo de cabelo brancos, provocando mulheres dessa maneira, com sua inteligência, carinho, carisma? A ponto delas quase darem suas calcinhas para ele autografar. Fiquei pensando nisso. E da outra vez que eu o vi falar, foi nessa cidade aqui mesmo. Depois de mais de uma década. O auditório lotado, e não havia lugar mais nem para se sentar no chão.
Mas a história que ele me contou, relacionado ao tema nota, é que tem uma ideia de como para ele, deveria ser o vestibular. Na verdade, em sua opinião (e já ressalta que é maluco mesmo), não deveria nem existir o vestibular. Um dos argumentos que o fez chegar a essa conclusão, foi ter tido conhecimento da indignação de um cronista na época, depois de ter tido um trecho de uma de suas crônicas, publicada em uma questão de vestibular. A indignação dele era que nem mesmo ele, se tivesse prestado e tentado resolver a tal questão, não conseguiria. Assim, para Rubens Alves, o que deveria existir ao invés de vestibular, seria um sorteio. Simples assim: sorteio de vagas, para quantidade de candidatos. Só um humanista como ele, pode ter ideias assim.
Então, como eu avaliaria aquelas crianças...
Esse negócio de dar notas é complicado. Quem de nós não esteve já do outro lado da moeda? Ou seja, quem de nós já não foi avaliado algum dia? Aliás, desde que nascemos, nas primeiras horas, já “ganhamos” uma nota. O teste de Apgar, já é uma nota que nos dão no hospital, avaliando alguns sinais do bebê. E tem o colégio, e tem a carteira de habilitação, e as entrevistas e emprego, e muitas e muitas outras avaliações, que nos fazem cotidianamente.
E acho isso tudo muito complicado. Assim, como eu avaliaria aquelas crianças?
Por fim, a única saída que eu vi para mim foi: dei 10 para todas as crianças, em todos os quesitos, deixando assim, para os meus colegas jurados, as notas diferenciais, que escolheram o primeiro, o segundo e o terceiro lugar. Mas todas as crianças, ganhando ou não, ganharam um brinquedo. Lógico que para as primeiras, o brinquedo era melhor.

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