No
Brasil, a mulher que deixa o emprego para criar os filhos tem o respeito
de 78% dos homens. Já um pai que tomar a mesma decisão recebe a aprovação
de apenas 11% deles e, para 54%, a atitude é simplesmente vergonhosa.
Os
dados, que estão em uma pesquisa recém divulgada pelo Data Popular, mostram
ainda que a maioria dos entrevistados acredita que o homem que larga o trabalho
para cuidar das crianças o faz por “comodismo, preguiça e vagabundagem”.
Nada
de novo, infelizmente: nossa sociedade continua funcionando dentro de um
sistema de divisão sexual do trabalho, onde existe tarefas que são consideradas
masculinas e outras, femininas.
A
base para essa distribuição é uma ideologia naturalista, onde, a partir do sexo
biológico designado ao nascer, associa-se um gênero que teria um “destino
natural”. Traduzindo: quando alguém vem ao mundo com uma vagina e afirmam que
essa pessoa é uma menina, ela é quase que automaticamente criada de uma maneira
distinta e preparada para ocupar papéis tradicionalmente femininos, como o
cuidado com o lar, as crianças e xs idosxs.
Somado
a isso está uma divisão hierárquica, onde as tarefas masculinas “valem” mais
que as feminina. No mercado de trabalho, as mulheres continuam ganhando cerca
de 25% menos pelas mesmas funções. E ocupações com forte valor social agregado,
como a política e a igreja, permanecem majoritariamente nas mãos dos homens.
Ao
mesmo tempo – e talvez o que chame mais a atenção nos resultados – existe uma
vigilância pesada em cima dos homens: a pesquisa indica que não é possível, a
eles, deixarem esses papéis que lhes foram atribuídos culturalmente. Manter o
lugar de patriarca dentro da família parece, para eles mesmos, uma obrigação da
qual não se pode fugir, sob o risco de ser taxado de “vagabundo” ou
“preguiçoso”.
E
por que esse apego todo a ser o chefe da família?
Bem,
com todas as dificuldades, nos últimos 20 anos houve um crescimento de 90% no
número de lares comandados por mulheres, chegando hoje a 38% do total. No mesmo
período, 10 milhões de mulheres ingressaram no mercado de trabalho, com uma
renda total de R$ 1,2 trilhão ao ano.
À
maior autonomia financeira das mulheres junta-se uma alteração nas relações
amorosas: vivemos em uma época em que o casamento não é mais um acordo
perpétuo. Tampouco é necessário para reprodução. Assim, muitas pessoas já estão
em seus segundos, terceiros ou mais matrimônios. Ou permanecem solteiras. A
consequência disso é que uma criança pode ter várias figuras paternas e
maternas e irmãos e irmãs de pais ou mães diferentes.
Da
mesma forma, temos o reconhecimento social cada vez maior das famílias
homossexuais, que também têm crianças que crescem em um contexto diferente da
tríade, antes intocável, “papai-mamãe-filhinho”.
Ou
seja, estamos vivendo uma mudança profunda no que entendemos por família, que
deve influenciar diretamente na divisão sexual do trabalho e vice-versa. Claro,
as mulheres continuam ocupando as tarefas domésticas e familiares, cumprindo
uma dupla jornada. Ou terceirizando-as para outras mulheres de menor renda,
como empregadas, babás e faxineiras. Mas isso também pode se alterar.
Talvez
a resposta negativa dos homens à dedicação aos filhos seja, então, um medo de
perceber-se em um mundo onde não estão no lugar mais alto do pódio. E, à
primeira vista, o porto seguro seria apegar-se a seus papéis já definidos, a
uma situação que pareça mais confortável.
Mas
a tendência é que essas resistências comecem a cair, como demonstram
experiências em países europeus que já concedem licenças-parternidade mais
longas ou onde é muito mais comum encontrar pais andando sozinhos com os filhxs
nas ruas, ocupando espaços de representantes nas escolas primárias etc.
Quem
sabe, em um futuro não tão distante, as estatísticas do começo do post mudem
radicalmente e cada vez mais homens sintam orgulho em cuidar de suas crianças.
Referências bibliográficas
KERGOAT,
D. “Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo”. in: HIRATA, H. et
al. (org).Dicionário
crítico do feminismo. São Paulo: Edunesp, 2009.
ROUDINESCO, E. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
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