A agressão até na fila do supermercado, por Matê da Luz


A agressão até na fila do supermercado
por Matê da Luz
A campanha da violência corre solta.
Comentário impossível de ser apartidário no atual cenário, mas que eu ingenuamente expressei no meu post anterior e, claro, estimulei a torcida do "é preciso escolher um lado". É óbvio que eu tenho meus princípios e convicções políticas, acontece que aquele foi um texto sobre o que eu, indivíduo, gostaria que acontecesse. Ser chamada de imatura por expressar uma opinião particular diz muito sobre o climão ansiolitico que assola não só o País, por motivos factíveis, mas especialmente as pessoas comuns, numa solução bizarra de que ao agredir o outro, me posiciono e defendo minha causa.
Desculpe, não consigo achar isso normal ou sequer racional de qualquer forma que seja.
Moro em cima de um supermercado, bairro de classe média alta em São Paulo, uma localização privilegiada e, diga-se, bem próxima à Avenida Paulista, palco dos protestos com ou sem hora marcada. Ontem fui comprar um simples pãozinho no comecinho da noite, quando a manifestação na avenida começava a tomar forma. Estava na fila e adentrou o mercado uma mãe com um bebê de colo. Ela vestia uma camiseta vermelha. O bebê chorava muito. Ela pediu abrigo ao segurança do mercado, "moço, estou sendo praticamente apedrejada na rua, estou com medo por causa do nenê", como se fosse preciso uma justificativa que envolvesse algo tão emocional quanto um bebê num contexto de agressão verbal.
O guarda, esperto, lançou: "entra aí, dona, finge que está comprando alguma coisa ali no fundo da loja, assim não enxergam a senhora". E ela foi.
Da fila, lancei um "afe, que situação!" ao que, prontamente, a mocinha atrás de mim respondeu: "claro, né, ela é louca, petista andando pela rua com nenê de colo, tá pedindo pra apanhar". Olha, tenho me contido absurdamente nestas discussões que tomaram conta da cabeça e coraçãozinho magoado de governo/oposição, primeiro porque meu sangue é quente e segundo porque, enfim, a troca, premissa básica pra qualquer relação, está esquecida quando o assunto é política. Agredir para defender, lembra? Prefiro evitar.
Mas a reação violenta da moça da fila contra a moça com o bebê fez aflorar em mim uma enorme vontade de questionar o funiocnamento daquela mentalidade. Perguntei: "você aconhece?". Ela: não. "Como sabe que ela é petista?". Ah, só pode, né? Está de vermelho!!!
ESTÁ DE VERMELHO foi o argumento usado pela pessoa que concordava e achava correto que uma outra mulher que passava na rua fosse agredida. Agora eu já nem pensava no bebê, ela podia estar sem bebê que o nível de revolta e absurdo que eu sentia estava alto demais pra calar.
"Você já pensou se ela apanha, desmaia e, na carteira dela, a gente encontre um santinho do Aécio?" - a voz levanta: "Querida, hoje em dia quem defende o País não usa uma roupa dessas e sai na rua impune. Chega de impunidade!". Pensei que ela gritaria ESPAAAAAAAAAAAAAAARTA e sairia correndo pelos corredores do supermercado, mas isso foi um claro devaneio. Ela estava sozinha e, sozinha, uma voz desta não surte muito efeito.
Imediatamente, a mocinha querida me pergunta se eu sou petista, "só pode ser, defendendo a tal democracia onde ladrão, analfabeto e uma burra representa as mulheres na presidência". Só ri. Ri muito, ri alto, um pouco aflita em receber os ovos que ela carregava nos braços, um pouco mais assustada em compartilhar visão política no atual cenário.
Ri pra não chorar. É absurdamente triste quando uma pessoa tem que pensar em tanta coisa relevante na vida real e uma destas coisas passa a ser a cor da roupa, elemento fundamental pra determinar uma escolha que, vá lá, deveria ser íntima e não passe livre pra ser maltratada no meio da rua, com um bebê no colo.