Carta aberta do Dr. Rosinha ao juiz Sérgio Moro
por Doutor
Rosinha no FB
Doutor Sérgio
Moro,
O senhor deve
conhecer 'O dia da criação', poema de Vinicius de Moraes:
"Hoje é sábado,
amanhã é domingo / A vida vem em ondas, como o mar / Os bondes andam em cima dos
trilhos / E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos
salvar.
Hoje é sábado, amanhã
é domingo / Não há nada como o tempo para passar / Foi muita bondade de Nosso
Senhor Jesus Cristo / Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo
mal."
Hoje é sábado, e se
bondes houvesse, continuariam, e onde há, continuam a andar em cima dos trilhos.
No mais, a vida --dos que estão vivos-- continua indo e voltando como as ondas
do mar.
Digo dos que estão
vivos porque alguns que neste sábado poderiam estar com filhos e esposas
esperando o domingo, não estão: são velados e enterrados por familiares e
amigos.
Doutor Sérgio Moro,
creio que o senhor deve estar se perguntando: “o que tenho a ver com esses
mortos e por que esta carta endereçada a mim?”. É que "Hoje é sábado, amanhã é
domingo / Amanhã não gosta de ver ninguém bem / Hoje é que é o dia do presente /
O dia é sábado".
Estou aproveitando
este sábado, “que é o dia do presente”, para uma reflexão, e não há como
refletir sem se fazer perguntas e sem perguntar o papel que cabe a qualquer um
de nós na vida, principalmente neste momento de crise, conturbações, ódio e
mortes.
E o senhor, para
muitos, inclusive para mim, é um dos corresponsáveis pelos contornos do atual
momento no Brasil.
Com todo respeito ao
seu ponto de vista, coloco o meu. Entendo ser um dos responsáveis pela crise e
pela conturbação porque é um dos dos personagens centrais de uma das mais
importantes investigações do momento, a chamada operação “lava jato” (em
minúscula).
Todos queremos ver um
país livre da corrupção, e todos queremos ver os corruptos e corruptores
punidos. Porém, discordo do método e de parte do mérito de sua
atuação.
Quanto ao método:
está expondo seletivamente, escolhendo a dedo, pessoas, empresas e processos.
Quanto ao mérito, não preciso citar nomes e partidos porque o senhor conhece bem
a todos: nem todo corrupto e nem todo corruptor está sendo
investigado.
Ainda quanto ao
método, a aliança com algumas das empresas privadas de comunicação e a maneira
com que têm sido divulgadas as informações está aprofundando a crise, a
conturbação e construindo o ódio na sociedade.
Sabe o senhor que
pessoas têm sido agredidas, física, psicológica e moralmente, nas ruas, só por
trajar uma peça de roupa vermelha ou por ser identificado ou suspeito de alguma
relação com o PT ou algum movimento social. Sedes de partidos, sindicatos e
centrais sindicais têm sido violadas.
Nas últimas semanas
(o senhor que é morador da cidade deve ter tomado conhecimento), moradores de
rua de Curitiba foram agredidos e assassinados. Dias atrás, o líder de um
movimento social e dirigente do PT de Mogeiro (PB), Ivanildo Francisco da Silva,
foi assassinado na frente de sua filha de um ano e seis meses.
No Paraná, na última
quinta-feira (7), dois trabalhadores rurais, militantes do MST, foram
assassinados por capangas e por alguns policiais militares que estavam, com o
consentimento do governador Beto Richa (PSDB), a serviço de uma empresa chamada
Araupel, comprovadamente uma grileira de terras da União.
Novamente, o senhor
deve estar se perguntando: “o que tenho a haver com isso?”
No último dia 13 de
março, um domingo, durante as manifestações de rua a favor de um golpe de
Estado, o senhor enviou uma nota para a Rede Globo, que entre outras afirmações
pedia “que as autoridades eleitas e os partidos ouçam a voz das
ruas”.
O senhor tem todo o
direito de fazer uma leitura diferente da minha quanto ao momento conjuntural
que vivemos, e o resultado a que se pode chegar. Mas quero lhe dizer que,
mantendo o atual modelo de investigação e divulgação da “lava jato”, não
chegaremos a bom porto.
Além de aprofundar a
crise, haverá crescimento do ódio e, consequentemente, da violência. Os atos de
violência comentados acima são os primeiros frutos deste ódio. Ódio construído
dia a dia pelo comportamento das empresas privadas de comunicação, com a
conivência, quando não estímulos, de algumas autoridades.
Doutor Moro, é
preciso investigar com imparcialidade e em silêncio, sem vazamentos seletivos,
sem manipulação da verdade, ou então o ódio crescerá.
“Hoje é sábado,
amanhã é domingo”. Hoje é um sábado, como será amanhã um domingo, para muitas
pessoas, diferente de outros, principalmente para os familiares e amigos de
Vilmar Bordim, 44 anos, casado, pai de três filhos e Leomar Bhorbak, 25 anos,
casado, cuja esposa está grávida de nove meses.
Hoje é sábado e estão
sendo enterrados Vilmar e Leomar. Amanhã é domingo de luto, indignação e
revolta.
Doutor Moro, se no
dia 13, um domingo, pediu que a voz das ruas fossem ouvidas, por que o senhor
não aproveita que amanhã é um domingo e pede para as autoridades ouvirem os
gritos de dor e o clamor, dessas famílias sem-terra, por justiça?
Assim, quem sabe, as
empresas privadas de comunicação façam o que não fazem na lava jato: contar a
verdade sobre estes assassinatos e sobre a grilagem de terras da
Araupel.
"Há um renovar-se de
esperanças
Porque hoje é
sábado."
Respeitosamente,
Florisvaldo
Fier
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