Frenesi do abaixo-assinado pela internet desafia a classe política
Petições atraíram
mais de 3 milhões de brasileiros no último ano; organizações internacionais
voltam suas atenções ao País
11 de março de 2013 | 2h 11
SÃO PAULO - Dois minutos. Esse
é o tempo necessário para acessar um manifesto online, ler os argumentos e se
tornar um apoiador. No último ano, mais de 3 milhões de brasileiros agiram
dessa forma, e as duas maiores organizações mundiais de abaixo-assinados
abriram filiais no País. A novidade piscou no radar da classe política, que
ainda tenta aprender como lidar com esse mecanismo de pressão.
Os números são superlativos e
devem acompanhar o avanço da banda larga no País - hoje disponível para 30% dos
brasileiros. Dois milhões assinaram uma petição para que a Câmara dos Deputados
votasse o projeto da Lei da Ficha Limpa. Um milhão e 600 mil colocaram seu nome
contra a eleição de Renan Calheiros (PMDB-AL) para presidir o Senado.
Recém-eleito para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados, o pastor Marco Feliciano (PSC-SC) já é alvo de um manifesto pela sua
destituição com 280 mil apoiadores.
O fenômeno virtual desperta
desconfiança de setores da sociedade que temem que os abaixo-assinados online
consolidem o "ativismo
de sofá" e enfraqueçam formas tradicionais de protesto,
como intervenções urbanas ou marchas em vias públicas.
Mas, para pesquisadores, a
tendência é irreversível: a internet consolidou um novo espaço público para
debate e formação de opiniões e, assim como provocou mudanças na cultura e na
economia, também provocará transformações na política.
Para Pedro Abramovay, diretor
de campanhas da Avaaz, ONG internacional de ativismo online que reúne 20
milhões de apoiadores, sendo 3 milhões brasileiros, o modelo tradicional de
democracia representativa, com um voto a cada quatro anos, é insuficiente para
dar conta de uma realidade na qual os cidadãos podem se conectar rapidamente em
torno de um objetivo comum. "Tenho certeza de que a política nunca mais
vai ser a mesma", afirma.
Abramovay cita como exemplo o
ato de compartilhar uma petição no Facebook, para ele um comportamento
"profundamente político" na medida em que a pessoa assume uma posição
diante de seus amigos e abre espaço para contra-argumentos. "As pessoas
passam tanto tempo na internet, ela é uma parte tão importante para nossas
vidas, que considero despolitizador dizer que a política feita ali é menos
importante", diz.
Atento ao fenômeno, o
parlamento alemão desenvolveu sua própria plataforma oficial para que a
população organize abaixo-assinados. Se a petição alcançar 50 mil apoiadores,
os deputados são obrigados a discutir o tema. A Casa Branca, nos Estados
Unidos, tem sistema parecido, o "We The People".
Lobby. A Avaaz é financiada por doações voluntárias e se define como uma ONG
de defesa do interesse público, e não uma mera plataforma de petições. A
entidade deleta abaixo-assinados que ferem seus princípios e aposta suas fichas
em outros. Sua força vem da união dos manifestos com uma estrutura azeitada
para fazer lobby. "A gente combina esse instrumento de petição online com
uma equipe que tem acesso a parlamentares, que sabe fazer isso", diz
Abramovay, ele mesmo um conhecedor dos meandros de Brasília: foi ex-secretário
nacional de Justiça do governo Lula.
Na campanha contra Calheiros, a
Avaaz visitou gabinetes de senadores e contratou uma pesquisa do Ibope, que
apontou que 74% dos brasileiros seriam favoráveis à renúncia do alagoano.
Os pastores Silas Malafaia e
Feliciano já avisaram que vão processar a ONG após terem petições a seu favor
bloqueadas pela entidade. Contrariado, Feliciano organizou um manifesto em seu
próprio site e reuniu 150 mil apoiadores. "Isso mostra que nossa atuação
tem tido um efeito político grande", diz Abramovay.
Alternativa. Concorrente da Avaaz, a Change.org tem 23 milhões de usuários no mundo
- sendo 400 mil brasileiros - e abriu seu escritório no País em outubro. A
entidade não deleta petições, permite que duas campanhas com objetivos opostos
coexistam na plataforma e afirma não fazer lobby.
"Não cabe à nossa equipe
julgar o que é relevante ou não. Nossa política é confiar na transparência,
para o bem e para o mal", afirma a diretora de campanhas Graziela Tanaka.
A organização é financiada pela
venda de espaço em seu site para quem busca dar maior visibilidade à sua
campanha, modelo similar ao adotado por Google ou Facebook.
Em dezembro, o Ministério
Público do Estado de São Paulo hospedou na Change.org um dos primeiros
abaixo-assinados promovidos por uma instituição pública no País. O manifesto,
contrário à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, que retira
o poder de investigação criminal dos promotores, obteve 40 mil assinaturas.
"Se não atingir a imagem
do político, ele não vai se mexer. Nesse ponto, os abaixo-assinados podem ter
êxito", afirma o professor Jorge Machado, coordenador do Grupo de Pesquisa
em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP.
Ele alerta, no entanto, que as
campanhas online tendem a cair no esquecimento com facilidade, pois estão
intimamente ligadas ao impacto de uma notícia. "É diferente do que levar
dois ônibus de manifestantes para a Câmara. Mas uma não exclui a outra",
afirma.
Legislação. O senador Pedro Taques (PDT-MT) anunciou que apresentará, nos próximos
dias, uma PEC para incorporar as petições online ao processo legislativo.
Batizado de Medida de Urgência
Popular, o mecanismo pretende impor regime de urgência a projetos de lei que
tiverem o apoio de um porcentual do eleitorado - o número exato ainda não foi
definido.
"Precisamos criar um login
cidadão para que as pessoas possam participar", diz Taques. Segundo ele, a
Justiça Eleitoral seria responsável pelo desenvolvimento de um sistema online
que garanta a autenticidade das petições.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,frenesi-do-abaixo-assinado-pela-internet-desafia-a-classe-politica,1007154,0.htm
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