Conheço essa família há muito tempo. Essa tia-avó, bem
idosa, cuida do sobrinho, que tem 11 anos, desde criancinha. Ela nunca se casou
e nem teve filhos. A mãe desse menino às
vezes passa uns dias por ano na casa onde os dois vivem, ela é profissional do
sexo, e passa longas temporadas longe do filho em outras cidades do estado.
A primeira visita que realizei a essa família, há alguns
anos atrás, encontrei a mãe do menino na casa. Nós havíamos ido a casa,
mediante a queixa da tia e da escola, de que o menino não estava estudando, e
que provavelmente até perderia o ano letivo. Nós conversamos com essa mãe, e
ela explicou o motivo do filho ainda estar sem estudar, mas disse que
prontamente, colocaria novamente o filho na escola. O menino voltou à escola, e
não perdeu o ano escolar.
O menino sabe que a mãe é profissional do sexo, pois sua
tia “vira e mexe”, fala disso para o menino, e com o menino. Para o menino não
faltam nada de coisas materiais. No quartinho adaptado na sala da casa simples
da tia, tem um videogame de última geração, computador, TV grande, brinquedos
etc.
O pai desse menino é totalmente ausente, e ele nem gosta
que a tia-avó se refira ao pai, chamando-o de pai dele. Prefere que ela o chame
pelo nome, como ele mesmo faz.
O penúltimo encontro que tive com essa família, aconteceu
no posto de saúde. Conversamos sobre um fato que envolveu até o Conselho Tutelar.
O menino havia queimado a tia-avó com a ponta do cigarro dela, no pé, justificando
essa atitude como uma forma de protesto, pois não queria que ela continuasse
com o vício. Uma vizinha chamou o Conselho Tutelar. A tia relatou esse acontecimento,
com um sorriso no rosto. Mostrou-nos a marca da cicatriz da queimadura no pé, e
logo depois disse que o sobrinho se preocupa com ela. Ou seja, apesar de toda a
agressividade do sobrinho contra ela, ela ainda de alguma maneira tem “prazer”,
por aquela e outras atitudes do menino, que demonstram que ela tem importância,
que alguém se preocupa com ela.
No momento desse encontro relatado acima, o menino estava
muito ansioso, pois a sua mãe novamente, talvez por se sentir rejeitada
mediante a relação do menino com a tia-avó, vez ou outra, ameaça para os dois, a
possibilidade de levar o filho, para onde está residindo. Mas nunca o leva
definitivamente.
A tia-avó diz que não tem condições do menino ir com ela.
Que ele já passou uns dias com a mãe, e voltou “falando cada coisa”, que “viu
cada coisa”, “é muita bebedeira e noites mal dormidas no ambiente da mãe”. Ela reafirma
que não tem condições do menino viver em um prostíbulo. Ela não tem a guarda
dele, está com a mãe. Nós conversamos dizendo que é muito ruim para o menino,
essa indecisão do menino ir ou não, ainda mais naquele momento de matrícula
escolar de volta às aulas.
A tia-avó disse que o menino não a respeita. Mas disse
que é um menino muito doce também. E em outro momento, diz que faz muitas dívidas
para satisfazer o desejo do menino, comprando um jogo novo de computador por
exemplo. O menino nesse momento disse que sua mãe manda dinheiro sempre. Mas a
tia-avó fala que é muito irregular o dinheiro que ela manda. A tia-avó é
aposentada.
Nós retornamos desta última vez a casa, para perguntarmos
como estava a situação da família com o Conselho Tutelar, e o menino novamente pelo
que ficamos sabendo, não estava querendo ir à escola. Depois de nossa última
conversa, parece que estava definido que ele não iria morar com a mãe mesmo, mas
ele havia mudado de escola. E a escola em que estava estudando atualmente, era considerada
mais rígida, e ele estava querendo retornar para a escola do ano passado.
Porém, parece que não pode fazer isso, segundo a tia-avó.
A tia-avó advertiu-o já na frente da residência mesmo,
dizendo que ele tinha que responder por suas escolhas. Que foi ele quem
escolheu mudar de escola. Dissemos que ainda estava no começo do ano letivo, e
que ele estava ainda em fase de adaptação a nova escola. A tia-avó completou falando que ele não estava
indo na escola, porque ficava todo dia assistindo filme e jogando vídeo game
até tarde da noite.
Nesse dia, ao chegarmos a casa deles, a tia-avó e ele,
estavam lavando a pequena área da frente da casa. Fomos recebidos, por 5
cachorros vira-latas, que estavam muito agitados, e a todo momento ficaram “pulando”
em nós. Havia um cachorro que estava sangrando no seu lombo, perto do pescoço.
Avisamos a tia-avó, que aquele cachorro estava mal. Ela gritou para o menino
como se ele fosse o culpado pela situação do cachorro, e disse que estava
doando aquele cachorro, e perguntou senão conhecíamos alguém que gostaria de
levá-lo. Na ferida do cachorro também, coexistia por entre os pelos engruvinhados
e sangue, alguns carrapatos- fêmea, com forma de feijões de cor acinzentada. Depois
de alguns gritos da tia-avó com os cachorros, e a água “rapada” pelos dois, quando adentramos já na casa, no quarto do
menino, percebemos que algo estava muito errado ali.
Os carrapatos estavam surgindo em todo lugar. Inclusive
subindo em nossas pernas e nas paredes. A tia-avó começou a culpar o menino,
dizendo que o mesmo era que havia achado os cachorros na rua, e trouxe-os para
dentro de casa. Ela contou que tinha apenas um animal.
O menino reclamou que não tinha amigos. E a tia-avó
rebateu dizendo que ele tinha sim, e citou alguns nomes de meninos. Ela também
disse que um amigo era algo que não podia se comprar, e que às vezes o menino
pedia isso para ela.
Começamos a ficar inquietos, e retornamos para frente da
casa. Vários carrapatos, talvez assustados com a água, subiam pelas paredes.
Conversamos ali mesmo com o serviço de Zoonoses, e eles
informaram que daqui uns dias iriam realizar uma dedetização na residência.
Falamos em sacrificar alguns animais. O Zoonoses não realiza serviço de coleta
de bichos, pelo que nos informaram. O menino nesse momento, e até a tia
concordou com ele, dizendo que não
queria que nenhum dos cachorros fossem sacrificados. Que eles gostariam de
doá-los.
Tentamos contato com uma ONG de proteção aos animais.
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