quarta-feira, 20 de março de 2013

Casa & Carrapato

Esses dias fomos (eu e uma colega Agente de Saúde) visitar uma família: a tia-avó e o seu sobrinho.

Conheço essa família há muito tempo. Essa tia-avó, bem idosa, cuida do sobrinho, que tem 11 anos, desde criancinha. Ela nunca se casou e nem teve filhos.  A mãe desse menino às vezes passa uns dias por ano na casa onde os dois vivem, ela é profissional do sexo, e passa longas temporadas longe do filho em outras cidades do estado.

A primeira visita que realizei a essa família, há alguns anos atrás, encontrei a mãe do menino na casa. Nós havíamos ido a casa, mediante a queixa da tia e da escola, de que o menino não estava estudando, e que provavelmente até perderia o ano letivo. Nós conversamos com essa mãe, e ela explicou o motivo do filho ainda estar sem estudar, mas disse que prontamente, colocaria novamente o filho na escola. O menino voltou à escola, e não perdeu o ano escolar.

O menino sabe que a mãe é profissional do sexo, pois sua tia “vira e mexe”, fala disso para o menino, e com o menino. Para o menino não faltam nada de coisas materiais. No quartinho adaptado na sala da casa simples da tia, tem um videogame de última geração, computador, TV grande, brinquedos etc.

O pai desse menino é totalmente ausente, e ele nem gosta que a tia-avó se refira ao pai, chamando-o de pai dele. Prefere que ela o chame pelo nome, como ele mesmo faz.

O penúltimo encontro que tive com essa família, aconteceu no posto de saúde. Conversamos sobre um fato que envolveu até o Conselho Tutelar. O menino havia queimado a tia-avó com a ponta do cigarro dela, no pé, justificando essa atitude como uma forma de protesto, pois não queria que ela continuasse com o vício. Uma vizinha chamou o Conselho Tutelar. A tia relatou esse acontecimento, com um sorriso no rosto. Mostrou-nos a marca da cicatriz da queimadura no pé, e logo depois disse que o sobrinho se preocupa com ela. Ou seja, apesar de toda a agressividade do sobrinho contra ela, ela ainda de alguma maneira tem “prazer”, por aquela e outras atitudes do menino, que demonstram que ela tem importância, que alguém se preocupa com ela.

No momento desse encontro relatado acima, o menino estava muito ansioso, pois a sua mãe novamente, talvez por se sentir rejeitada mediante a relação do menino com a tia-avó, vez ou outra, ameaça para os dois, a possibilidade de levar o filho, para onde está residindo. Mas nunca o leva definitivamente.

A tia-avó diz que não tem condições do menino ir com ela. Que ele já passou uns dias com a mãe, e voltou “falando cada coisa”, que “viu cada coisa”, “é muita bebedeira e noites mal dormidas no ambiente da mãe”. Ela reafirma que não tem condições do menino viver em um prostíbulo. Ela não tem a guarda dele, está com a mãe. Nós conversamos dizendo que é muito ruim para o menino, essa indecisão do menino ir ou não, ainda mais naquele momento de matrícula escolar de volta às aulas.

A tia-avó disse que o menino não a respeita. Mas disse que é um menino muito doce também. E em outro momento, diz que faz muitas dívidas para satisfazer o desejo do menino, comprando um jogo novo de computador por exemplo. O menino nesse momento disse que sua mãe manda dinheiro sempre. Mas a tia-avó fala que é muito irregular o dinheiro que ela manda. A tia-avó é aposentada.

 

Nós retornamos desta última vez a casa, para perguntarmos como estava a situação da família com o Conselho Tutelar, e o menino novamente pelo que ficamos sabendo, não estava querendo ir à escola. Depois de nossa última conversa, parece que estava definido que ele não iria morar com a mãe mesmo, mas ele havia mudado de escola. E a escola em que estava estudando atualmente, era considerada mais rígida, e ele estava querendo retornar para a escola do ano passado. Porém, parece que não pode fazer isso, segundo a tia-avó.

A tia-avó advertiu-o já na frente da residência mesmo, dizendo que ele tinha que responder por suas escolhas. Que foi ele quem escolheu mudar de escola. Dissemos que ainda estava no começo do ano letivo, e que ele estava ainda em fase de adaptação a nova escola.  A tia-avó completou falando que ele não estava indo na escola, porque ficava todo dia assistindo filme e jogando vídeo game até tarde da noite.

Nesse dia, ao chegarmos a casa deles, a tia-avó e ele, estavam lavando a pequena área da frente da casa. Fomos recebidos, por 5 cachorros vira-latas, que estavam muito agitados, e a todo momento ficaram “pulando” em nós. Havia um cachorro que estava sangrando no seu lombo, perto do pescoço. Avisamos a tia-avó, que aquele cachorro estava mal. Ela gritou para o menino como se ele fosse o culpado pela situação do cachorro, e disse que estava doando aquele cachorro, e perguntou senão conhecíamos alguém que gostaria de levá-lo. Na ferida do cachorro também, coexistia por entre os pelos engruvinhados e sangue, alguns carrapatos- fêmea, com forma de feijões de cor acinzentada. Depois de alguns gritos da tia-avó com os cachorros, e a água “rapada” pelos dois,  quando adentramos já na casa, no quarto do menino, percebemos que algo estava muito errado ali.  

Os carrapatos estavam surgindo em todo lugar. Inclusive subindo em nossas pernas e nas paredes. A tia-avó começou a culpar o menino, dizendo que o mesmo era que havia achado os cachorros na rua, e trouxe-os para dentro de casa. Ela contou que tinha apenas um animal.

O menino reclamou que não tinha amigos. E a tia-avó rebateu dizendo que ele tinha sim, e citou alguns nomes de meninos. Ela também disse que um amigo era algo que não podia se comprar, e que às vezes o menino pedia isso para ela.  

Começamos a ficar inquietos, e retornamos para frente da casa. Vários carrapatos, talvez assustados com a água, subiam pelas paredes.

Conversamos ali mesmo com o serviço de Zoonoses, e eles informaram que daqui uns dias iriam realizar uma dedetização na residência. Falamos em sacrificar alguns animais. O Zoonoses não realiza serviço de coleta de bichos, pelo que nos informaram. O menino nesse momento, e até a tia concordou com ele,  dizendo que não queria que nenhum dos cachorros fossem sacrificados. Que eles gostariam de doá-los.

Tentamos contato com uma ONG de proteção aos animais.    

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