Dona N., uma mulher
que sempre estamos conversando, novamente, falou sobre a sua suprema
dificuldade de comunicação com a filha. Essa filha tem necessidades especiais
cognitivas, e pelo que Dona N. me contou, é um problema congênito. Sempre diz
que a filha é muito rebelde. Outro aspecto que sempre relata, é a agressividade
da adolescente com relação a ela: “ela diz que não sou mãe dela. Que eu sou
preta, que não presto por isso, e que eu tenho mau cheiro.”. Também contou que
esses dias, em dois episódios: dentro do ônibus, e no próprio posto de saúde, a
filha “arrumou encrenca” com pessoas e saiu às tapas com outras mulheres. E que
a filha, depois que conheceu algumas pessoas do espiritismo, vive falando que
em outras vidas, Dona N. era sua filha. E que ela sofrera muito com Dona N.
Ampliando sua história de sofrimento com os filhos, ainda, Dona N. demonstrou toda
sua preocupação com seu outro filho, de 12 anos, que esse ano não está indo
mais para escola. Esse filho, pelo que ela diz, e o principal cuidador de do
pai, que está em precárias condições de saúde há muito tempo no hospital,
internado.
Depois que Dona N.
falou, uma senhora aparentando já ter seus quase 50 anos, começou uma história,
não tão menos no mínimo, complexa e doravante trágica. Disse que estava morando
na casa da irmã (que também estava participando do encontro com a filha pequena
no colo). Que na verdade morava no bairro ao lado, mas que devido o filho ter
colocado fogo em sua casa, ela mudou-se, e estava passando um tempo na casa da
irmã.
Falou que tinha 02
filhos, um filho e uma filha. E que em sua casa morava ela, o esposo que “ela
cuida”, pois tem algum tipo de deficiência, e/ou alguma “doença incapacitante”,
e o filho de 25 anos.
Contou que esse filho
é usuário de drogas, e que esses dias, destruiu a casa dela. Disse que ele
também retirou as janelas, vendeu o que tinha dentro da casa, e o que restou,
ele ainda destruiu. Contou que foi a maior confusão na rua. A irmã completou
dizendo, que quem duvidasse, que passasse em frente a casa da irmã, e visse o
estrago que estava a casa.
Na hora eu pensei nessa
“espécie de raiva”, que esse filho deve ter de sua mãe. Uma vez eu ouvi um
relato de um outro filho, que arrancou o vaso sanitário da casa para levar para
a “boca de fumo”, conseguindo uma ou duas pedras de crack. Não é que o cara da
boca de fumo iria vender um vaso sanitário, mas é aquele negócio de “manter o
vício” do sujeito, eu acho. Já constatei relatos verídicos de mães dizendo que
filhos pegam até mesmo o saco de arroz do sacolão, ou o botijão de gás, ou as
duas únicas cadeiras que existem na casa, para trocarem por crack. Lembrei-me
daquele filme, “Réquiem para um Sonho”, em que o rapaz, viciado em heroína
(senão me engano), também rouba a única TV de sua casa (onde residem ele e a
mãe), numa espécie de conluio silencioso que fez com mãe, para que ela lhe dê
dinheiro “indiretamente”, pois depois do “furto”, a mãe sempre ia ao traficante
de drogas, não sei quantas vezes, recomprar essa mesma TV. Mas botar fogo, e
destruir a casa toda, é algo inimaginável. Sempre.
A irmã dessa mãe também
disse que a casa estava com vários furos de balas na parede da frente, pois um
vizinho depois de uma briga que teve com o sobrinho, no mesmo dia do
acontecido, atentou com vários disparos em direção a casa. Disseram que o
vizinho foi preso, pois outros vizinhos chamaram a polícia, mas que agora ele já
estava solto.
Perguntaram se depois
que o filho fizera tudo isso com a casa, se ela não havia chamado à polícia. E
eu também pensei que aquela história era um caso de polícia. A mãe disse sem
parecer saber sobre polícia, que os vizinhos novamente haviam chamado a polícia
também.
E onde o filho
estava? O que aconteceu com ele? Ela disse que ele estava “andando por aí”.
Disse que no dia do acontecido, os Bombeiros foram até o local, e levaram o
filho dela para o Hospital Psiquiátrico. Mas de lá ele já havia fugido. A mãe
completou dizendo que “lá eles amarram as pessoas com algumas faixas bem finas,
ou seja, a pessoa pode desamarrar a qualquer momento e ir fugir.”
A irmã da mãe ainda
disse que o sobrinho ameaçou a irmã de morte, na frente de todo mundo.
E novamente atentou a
todos, para quem quisesse ver a casa, que ela ficava na Rua da “Compaixão” (é
um nome parecido). Outra participante ironizou, dizendo que de compaixão essa
rua não tinha nada, pois era uma das mais violentas do bairro, e com vários
episódios de violência em sua história. “Já morreu muita gente matada ali.”
Outra participante, depois,
também começou a falar sobre seus dois filhos. Disse que hoje eles já estão
adultos, mas que quando mais novos, deram muito trabalho para ela. Disse que o
filho, também, na adolescência, esteve envolvido com drogas. E aponta para a
causa do filho ter passado por essa problemática, foi devido à influência dos
amigos. E que quando surgiu esse problema com o filho, mudou-se por dois anos
com ele e o restante da família, para uma chácara. Ela falou sobre um ponto de
encontro no bairro, dizendo que ali era “o ponto de encontro para a perdição da
rapaziada”. Relatou que muitas vezes acordava no meio da noite, e que não vendo
os filhos na cama, saia com a sua bicicleta de madrugada, atrás deles. Por fim,
disse que também tinha medo do filho. Ele ainda vive em sua casa. Disse que ele
não faz mais uso de drogas. Mas sente um certo medo dele. Não lembro de
entender se ela tinha um medo dele ter uma recaída nas drogas, ou dela ter medo
por ele morar em sua casa, e talvez fazer alguma coisa violenta/agressiva com
ela, como o que havia sido relatado pela outra mãe. Pode ser que seja das duas
coisas.
Depois de findado o
café do encontro, a mãe que teve a casa incendiada pelo filho foi conversar com
a Ass. Social, em sua sala.
Um comentário de um
estudante universitário, que estava participando do encontro, foi: “essas
coisas que a gente escutou são muito distante da gente. É coisa que apenas
vemos acontecer bem longe da nossa realidade”.
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