quarta-feira, 20 de março de 2013

Mães com medo dos filhos

Ontem em um encontro com mulheres no qual estamos participando, depois de discutirmos levemente sobre a solidão que nos assola nos dias atuais, um tema mais concreto e epidérmico foi debatido: a nossa prole.

Dona N., uma mulher que sempre estamos conversando, novamente, falou sobre a sua suprema dificuldade de comunicação com a filha. Essa filha tem necessidades especiais cognitivas, e pelo que Dona N. me contou, é um problema congênito. Sempre diz que a filha é muito rebelde. Outro aspecto que sempre relata, é a agressividade da adolescente com relação a ela: “ela diz que não sou mãe dela. Que eu sou preta, que não presto por isso, e que eu tenho mau cheiro.”. Também contou que esses dias, em dois episódios: dentro do ônibus, e no próprio posto de saúde, a filha “arrumou encrenca” com pessoas e saiu às tapas com outras mulheres. E que a filha, depois que conheceu algumas pessoas do espiritismo, vive falando que em outras vidas, Dona N. era sua filha. E que ela sofrera muito com Dona N. Ampliando sua história de sofrimento com os filhos, ainda, Dona N. demonstrou toda sua preocupação com seu outro filho, de 12 anos, que esse ano não está indo mais para escola. Esse filho, pelo que ela diz, e o principal cuidador de do pai, que está em precárias condições de saúde há muito tempo no hospital, internado.

Depois que Dona N. falou, uma senhora aparentando já ter seus quase 50 anos, começou uma história, não tão menos no mínimo, complexa e doravante trágica. Disse que estava morando na casa da irmã (que também estava participando do encontro com a filha pequena no colo). Que na verdade morava no bairro ao lado, mas que devido o filho ter colocado fogo em sua casa, ela mudou-se, e estava passando um tempo na casa da irmã.

Falou que tinha 02 filhos, um filho e uma filha. E que em sua casa morava ela, o esposo que “ela cuida”, pois tem algum tipo de deficiência, e/ou alguma “doença incapacitante”, e o filho de 25 anos.

Contou que esse filho é usuário de drogas, e que esses dias, destruiu a casa dela. Disse que ele também retirou as janelas, vendeu o que tinha dentro da casa, e o que restou, ele ainda destruiu. Contou que foi a maior confusão na rua. A irmã completou dizendo, que quem duvidasse, que passasse em frente a casa da irmã, e visse o estrago que estava a casa.

Na hora eu pensei nessa “espécie de raiva”, que esse filho deve ter de sua mãe. Uma vez eu ouvi um relato de um outro filho, que arrancou o vaso sanitário da casa para levar para a “boca de fumo”, conseguindo uma ou duas pedras de crack. Não é que o cara da boca de fumo iria vender um vaso sanitário, mas é aquele negócio de “manter o vício” do sujeito, eu acho. Já constatei relatos verídicos de mães dizendo que filhos pegam até mesmo o saco de arroz do sacolão, ou o botijão de gás, ou as duas únicas cadeiras que existem na casa, para trocarem por crack. Lembrei-me daquele filme, “Réquiem para um Sonho”, em que o rapaz, viciado em heroína (senão me engano), também rouba a única TV de sua casa (onde residem ele e a mãe), numa espécie de conluio silencioso que fez com mãe, para que ela lhe dê dinheiro “indiretamente”, pois depois do “furto”, a mãe sempre ia ao traficante de drogas, não sei quantas vezes, recomprar essa mesma TV. Mas botar fogo, e destruir a casa toda, é algo inimaginável. Sempre.

A irmã dessa mãe também disse que a casa estava com vários furos de balas na parede da frente, pois um vizinho depois de uma briga que teve com o sobrinho, no mesmo dia do acontecido, atentou com vários disparos em direção a casa. Disseram que o vizinho foi preso, pois outros vizinhos chamaram a polícia, mas que agora ele já estava solto.

Perguntaram se depois que o filho fizera tudo isso com a casa, se ela não havia chamado à polícia. E eu também pensei que aquela história era um caso de polícia. A mãe disse sem parecer saber sobre polícia, que os vizinhos novamente haviam chamado a polícia também.

E onde o filho estava? O que aconteceu com ele? Ela disse que ele estava “andando por aí”. Disse que no dia do acontecido, os Bombeiros foram até o local, e levaram o filho dela para o Hospital Psiquiátrico. Mas de lá ele já havia fugido. A mãe completou dizendo que “lá eles amarram as pessoas com algumas faixas bem finas, ou seja, a pessoa pode desamarrar a qualquer momento e ir fugir.”

A irmã da mãe ainda disse que o sobrinho ameaçou a irmã de morte, na frente de todo mundo.

E novamente atentou a todos, para quem quisesse ver a casa, que ela ficava na Rua da “Compaixão” (é um nome parecido). Outra participante ironizou, dizendo que de compaixão essa rua não tinha nada, pois era uma das mais violentas do bairro, e com vários episódios de violência em sua história. “Já morreu muita gente matada ali.”

Outra participante, depois, também começou a falar sobre seus dois filhos. Disse que hoje eles já estão adultos, mas que quando mais novos, deram muito trabalho para ela. Disse que o filho, também, na adolescência, esteve envolvido com drogas. E aponta para a causa do filho ter passado por essa problemática, foi devido à influência dos amigos. E que quando surgiu esse problema com o filho, mudou-se por dois anos com ele e o restante da família, para uma chácara. Ela falou sobre um ponto de encontro no bairro, dizendo que ali era “o ponto de encontro para a perdição da rapaziada”. Relatou que muitas vezes acordava no meio da noite, e que não vendo os filhos na cama, saia com a sua bicicleta de madrugada, atrás deles. Por fim, disse que também tinha medo do filho. Ele ainda vive em sua casa. Disse que ele não faz mais uso de drogas. Mas sente um certo medo dele. Não lembro de entender se ela tinha um medo dele ter uma recaída nas drogas, ou dela ter medo por ele morar em sua casa, e talvez fazer alguma coisa violenta/agressiva com ela, como o que havia sido relatado pela outra mãe. Pode ser que seja das duas coisas.

Depois de findado o café do encontro, a mãe que teve a casa incendiada pelo filho foi conversar com a Ass. Social, em sua sala.

Um comentário de um estudante universitário, que estava participando do encontro, foi: “essas coisas que a gente escutou são muito distante da gente. É coisa que apenas vemos acontecer bem longe da nossa realidade”.

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