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quarta-feira, 3 de abril de 2013
Blogueiros criam fundo para batalhas judiciais
Por Luiz Carlos Azenha* no Carta Capital
Reunidos ontem à noite na sede do
Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé, em São Paulo, blogueiros,
ativistas, militantes de partidos políticos, movimentos sociais e advogados
decidiram, por consenso, criar um fundo para socorrer financeiramente colegas
que sejam alvo de processos judiciais, ameaças ou violência em todo o
Brasil.
O fundo de emergência será inicialmente
organizado pelo Conselho Nacional da blogosfera, formado por 26 ativistas de
todo o Brasil no mais recente encontro da entidade, em Salvador, na Bahia. Uma
conta bancária receberá as contribuições de internautas, por enquanto em nome do
Barão de Itararé. Decidiu-se também que a entidade terá um corpo jurídico
exclusivamente devotado à defesa de blogueiros.
Segundo Altamiro Borges, presidente do
Centro, a judicialização do debate político e a ameaça a poderes nunca antes
questionados multiplicou o número de ações, que incluem ameaças, agressões e
assassinatos.
“Os coronéis acostumados a mandar sem
contestação ou crítica, seja em nível nacional, estadual ou local, encontram na
Justiça frequentemente o caminho para calar ou intimidar a blogosfera”, afirmou
Altamiro. “Com isso, escapam do debate das questões políticas de fundo, como a
da democratização da mídia, para um terreno no qual dispõem de maiores
recursos”, aduziu.
Presentes, os blogueiros Paulo Henrique
Amorim, Rodrigo Vianna e Lino Bocchini — além deste que vos escreve –, que
enfrentam na Justiça ações movidas por grandes corporações da mídia, declararam
que não pretendem recorrer ao fundo, nem agora nem no futuro. Conceição Lemes,
editora-chefe do Viomundo, explicou: “Há gente que nem dispõe de advogado e que,
por falta de recursos, se cala diante de autoridades em várias partes do Brasil.
Não é o nosso caso”.
Eduardo Guimarães deixou claro: “É
importante que o fundo de apoio a blogueiros tenha critérios claros e
pré-estabelecidos para aqueles que serão beneficiados em caso de necessidade.
Sugiro que os que se interessarem por tal apoio façam uma contribuição mensal —
pequena, talvez simbólica –, de forma que integre o esforço que está sendo
empreendido e, assim, faça jus ao eventual apoio do qual poderá vir a precisar.
Dessa maneira, não haverá questionamento sobre quem vier ou não a ser
apoiado”.
Embora as decisões futuras ainda
dependam do Conselho Nacional, vários oradores lembraram como absolutamente
prioritário o caso do jornalista/blogueiro Lúcio Flávio Pinto, do Pará. Editor
do Jornal Pessoal, Lúcio Flávio foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça
a indenizar Cecílio do Rego Almeida, a quem acusou de ser grileiro de
terras.
A versão mais recente do Jornal Pessoal
critica o PT pela homenagem póstuma a Cecílio, proposta pelo deputado federal
André Vargas, do Paraná, com apoio de José Mentor (PT-SP), conforme noticiou
aqui o Viomundo.
Na edição, porém, Lúcio Flávio
comemora:
“Pará recupera terras:
Graças à justiça federal, o Pará vai
ter de volta ao seu patrimônio quase cinco milhões de hectares de terras de que
o grileiro Cecílio do Rego Almeida tentou se apossar. Os sucessores do
empresário perderam o prazo do recurso e a sentença condenatória transitou em
julgado.”
Através de coleta realizada via
internet, Lúcio Flávio arrecadou os R$ 25.116,75 que depositou em juízo para
indenizar Cecílio, depois que desistiu de recorrer no STJ. Antes, havia se
perguntado: “O grileiro vencerá?”.
Apoiadores de Lúcio Flávio mantém o
blog Todos com Lúcio Flávio Pinto, aqui.
Segundo o site, Lúcio Flávio também foi
alvo de 15 processos judiciais, penais e cíveis movidos por uma das familias
mais ricas do Pará, que controla as Organizações Maiorana, detentora entre
outros negócios da concessão local da Rede Globo de Televisão.
Ao lamentar que seus recursos não
tenham sido acolhidos pela Justiça, Lúcio Flávio afirmou então: “Os tribunais se
transformaram em instâncias finais. Não examinam nada, não existe mais o devido
processo legal. E isso não acontece só comigo. São milhares de pessoas em todo o
Brasil, todos os dias, que não têm direito ao devido processo legal. Em 95% dos
casos julgados no país rejeitam-se os recursos. Não tem jeito”.
Reconhecido com o Prêmio Especial
Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos em 2012, Lúcio Flávio edita o
Jornal Pessoal há 25 anos, é uma das vozes mais respeitadas em questões
relativas à Amazônia e se tornou símbolo da resistência da palavra contra o
poder.
“A persistência de Lúcio Flávio nos
anima a todos”, declarou ontem a blogueira Conceição Oliveira.
Os presentes também decidiram dar apoio
aos atos previstos contra as Organizações Globo no dia 26 de abril, quando a
emissora comemora 48 anos de idade. Os atos serão organizados pela Frentex —
Frente Paulista pelo Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão — e o FNDC —
o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
As duas entidades acreditam que a Globo
simboliza a concentração midiática e a falta de diversidade que se dedicam a
combater. Manifestações similares aconteceram em anos anteriores. Em 2007, por
exemplo, o ativista Bráulio Ribeiro, do Intervozes, declarou:
‘Todos sabem que, nesses 42 anos, a
Globo tem atuado quase como um partido político, defendendo teses, candidatos e
projetos que lhe interessam no Congresso. E faz tudo isso usando um bem público,
que é o espectro radioelétrico. Mas, assim como qualquer emissora de rádio ou
televisão, a Globo é uma concessionária de um bem público. Portanto, o interesse
público é que deveria reger o uso desse bem’, explica Ribeiro.
Desde então, pouco mudou, como ficou
claro em episódios como o da bolinha de papel nas eleições presidenciais de 2010
e nos 18 minutos dedicados pelo Jornal Nacional a uma “retrospectiva” do
mensalão, na semana que antecedeu o segundo turno das eleições municipais de São
Paulo, em 2012. Nos dois casos, coincidentemente, o candidato tucano José Serra
enfrentou adversários do PT.
Durante o encontro, Altamiro Borges
anunciou que está praticamente pronto um levantamento nacional sobre os
processos, ameaças, perseguições e assassinatos cometidos contra blogueiros, que
será encaminhado junto com uma carta-denúncia à Organização dos Estados
Americanos e às Nações Unidas.
O mapa dará origem a um blog dos
ameaçados, que será linkado nos principais endereços da blogosfera de esquerda
do Brasil.
Os blogueiros presentes também
prometerem apoio ao Projeto de Iniciativa Popular de um novo marco regulatório
das comunicações organizado pela campanha Para Expressar a Liberdade, que será
apresentado ao Congresso nos moldes do projeto que acabou dando origem à Lei da
Ficha Limpa. O objetivo é recolher pelo menos um milhão de assinaturas. A coleta
começa no dia do aniversário da Globo mas deverá ganhar força ainda maior no
Primeiro de Maio, quando a Central Única dos Trabalhadores (CUT) dedicará as
comemorações do Dia do Trabalho a defender “o direito de todos à
palavra”.
*Publicado originalmente no blog
Viomundo
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