quinta-feira, 4 de abril de 2013

"O MPF chegou até a formar uma lista dos “sem radioterapia”, que incluía mais de uma centena de paciente em fila de espera para conseguir tratamento de uma doença fatal feroz."

04/04/2013 13:29

Puccinelli e Dobashi não falam sobre suas ações em favor do Hospital do Câncer

Pio Redondo

 
Mesmo que neguem, o governador André Puccinelli e a sua secretária estadual de Saúde, Beatriz Dobashi, participaram decisivamente em todas as ações que centralizaram o tratamento do câncer no MS no Hospital Alfredo Abrão.
O Hospital do Câncer foi o pivô da Operação Sangue Frio, da Polícia Federal, de ações do Ministério Público Estadual e de auditorias da CGU, e teve os seus três principais diretores destituídos por ordem judicial, sob acusação de favorecimento de empresas familiares.
Adalberto Siufi, Wagner Miranda e Blener Zan foram afastados pelo juiz da Vara de Direitos Difusos, Coletivos, Individuais e Homogêneos, Amaury da Silva Kuklinski, por liminar em ação da promotora Paula Volpe, do Ministério Público Estadual.
A CGU estima que empresas e prestadores de serviço ligados à família Siufi, como a Neorad, faturaram mais de R$ 16 milhões no período entre 2009 e 2011. A Elétrica Zan, de Blener Zan, outro ex- diretor, também era favorecida.
Como a Polícia Federal dispõe de mais de mil horas de escutas telefônicas autorizadas judicialmente, ninguém sabe ainda, a não ser os policiais que comandam as investigações, aonde e a quem a Operação Sangue Frio vai chegar.
Governador repassou dinheiro
Enquanto o tratamento oncológico nos hospitais público foi desativado no HU e restringido no HR, sem radioterapia, notícias oficiais do governo do estado relatam que o próprio governador André Puccinelli, por duas ocasiões, deu recursos para a Fundação Carmem Prudente, mantenedora do Hospital do Câncer Dr. Alfredo Abrão.
Primeiro foram R$ 9 milhões em recursos para as obras de construção das novas instalações do hospital. O dinheiro ainda está sendo repassado em parcelas mensais de R$ 250 mil, desde março de 2012.
Antes, no final de 2011, o governador repassou mais R$ 200 mil para compra de medicamentos, segundo nota oficial. “Para a Fundação Carmem Prudente, que tem como presidente Blener Zan e representado hoje pelo médico Adalberto Abrão Siufi, a transferência de recursos será no valor de R$ 200 mil para apoio ao custeio do Hospital do Câncer”, relata o informe.
Puccinelli havia cumprido assim, promessa anterior, expressa em outra nota oficial de 23 de dezembro de 2012, quando o governador visitou as obras: "O Estado tem interesse em ver o funcionando as novas instalações do Hospital e sua administração procurará ajudar tanto quanto possível, liberando ou intermediando a busca de verbas em nível estadual ou federal".
Ao receber a doação, Adalberto Siufi declarou:
- É fundamental que a gente tenha esse apoio e o governo tem sido um grande parceiro. Nós temos que agradecer porque vem nos ajudar muito neste momento de décimo terceiro. Vai aliviar nossa despesa”. 
Secretária de Saúde não atende reportagem
Nem a secretária estadual de Saúde, Beatriz Dobashi, comandante de Puccinelli na área, nem a assessoria de Comunicação do governo estadual responderam aos vários pedidos de entrevista formulados pela reportagem.E não é de hoje.
Via de regra, a resposta é “não encontrada”.
Até por força do cargo, como principal gestora do SUS no MS, Dobashi dirigiu várias reuniões oficiais, aos longos dos anos, que decidiram por transferir para o Hospital do Câncer, de Adalberto Siufi, e a sua Neorad, o filão mais importante do tratamento oncológico no estado – mesmo sob protesto do Ministério Público Federal e deputados.
Um exemplo claro: questionada em julho de 2011 pelo deputado estadual George Takimoto, que queria saber da secretária porque o Hospital Regional não teria mais radioterapia, fato que beneficiou o HC, Dobashi respondeu:
- Nossa projeção de receita para os próximos anos não nos dá a perspectiva de implantação de estrutura própria de radioterapia (...) Não há dotação orçamentária do governo estadual para atender essa demanda, haja vista que precisamos manter e atualizar a complexa estrutura já existente". No entanto, mais tarde, o governador repassou recursos diretamente no HC, como visto acima.
Ao questionar a secretária, o deputado se referia a uma reunião da Comissão Intergestores Bipartite – CIB, que decidiu a instalação da radioterapia no Hospital Regional. Da CIB participam a secretária e seus principais assessores.
A decisão, a favor do HR, no entanto, foi cancelada pela mesma CIB, segundo a Ata de nº 212, do final de 2007:
“Rede de Atenção à Oncologia em MS – Dr. Lastória (SES) o Hospital Universitário se comprometeu a reativar e manter os seus serviços, com oncologia química, cirúrgica, clínica e a radioterapia. A Fundação Carmem Prudente/Hospital do Câncer de Campo Grande permanece com radioterapia, Associação Beneficente de Campo Grande/Santa Casa sem radioterapia, Hospital Regional, sem radioterapia”.
Ao mesmo tempo, em 2008, a radioterapia do Hospital Universitário, dirigida por Siufi, que havia se comprometido com o atendimento, deixou de funcionar de vez por falta de manutenção e novos equipamentos, fato de grande repercussão no estado.
E no mesmo ano, a CIB passou a permitir a contratação da Neorad, de Siufi, que aos poucos passou a integrar a Rede Oncológica estadual, recebendo até 70% acima da tabela SUS, como o denunciado pelo MPE, CGU e PF.
À época, o então procurador dos Direitos do Cidadão do MPF, Felipe Braga, protestava quanto à contratação da Neorad, em reuniões diretas com Dobashi:
- É necessário investir na oncologia de hospitais públicos. Temos aqui o Hospital Regional e o Hospital Universitário - o que é que tem sido feito para criar ali uma radioterapia de ponta? Nada. Estado e município pagarão para clínica particular um montante que, ao longo de poucos anos, lhes permitiriam montar toda a estrutura necessária para o funcionamento de uma radioterapia em hospital público".
Foi o que aconteceu, até a chegada da Operação Sangue Frio.
Ações eram definidas por órgão criado pela secretaria
Em maio de 2011, a própria Secretária Estadual de Saúde criou a Câmara Técnica Inter-hospitalar, que reúne diretores dos três maiores hospitais de Campo Grande – HR, Santa Casa e HU – para pautar as grandes decisões do CIB. Na ocasião, em nota do governo estadual, Dobashi explicou a função da Câmara:
- Criamos uma Câmara Técnica entre os três hospitais que é uma ferramenta de gestão para otimizar a atuação dos três maiores hospitais do Estado que têm missões similares e especificas”.
Da Câmara, por exemplo, saíram as propostas de privatização dos modernos aceleradores lineares doados pelo Ministério da Saúde, como pagamento da instalação e manutenção.
A posição oficial defendida pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) na CIB foi doar um dos aceleradores para o Hospital do Câncer, entre detrimento do HR, que se tornaria Unidades de Assistência de Alta Complexidade (UNACON) só para pediatria, e sem radioterapia:
“Hospital Regional de Mato Grosso do Sul/Fundação Serviços de Saúde de Mato Grosso do Sul - Unacon com Serviço de Oncologia Pediátrica (Macrorregião Campo Grande);
Hospital do Câncer Professor Dr. Alfredo Abrão/Fundação Carmem Prudente de Mato Grosso do Sul - Unacon com Serviço de Radioterapia (Macrorregião Campo Grande) – Ampliação;
Hospital Santa Casa/Associação Beneficente de Campo Grande - Unacon com Serviços de Radioterapia e Hematologia Macrorregião Campo Grande) - Criação. Homologado”.
Como a Santa Casa não tem estrutura para atender a sua requalificação para “Unacon”, subcontratou os serviços da Neorad, não se sabe a que preços.
A reportagem aguarda informação da Secretaria Municipal de Saúde.
A posição de inclusão do Hospital do Câncer na lista de recebedores do novo acelerador foi derrotada em reunião do Conselho Estadual de Saúde, de dezembro do ano passado, que exigiu que todos os aceleradores sejam instalados em hospitais públicos.
Presente à reunião, Dobashi teve seu posicionamento inicial derrotado. E o próprio Ministério da Saúde excluiu da lista o HC, introduzindo o HR, que estava fora dos planos do governo estadual, desde 2007.
A Justiça também obrigou o Hospital Universitário a receber o equipamento, porque a sua diretoria havia declinado a proposta do Ministério da Saúde, indiretamente em favor do HC.
Enquanto esses fatos se desenrolavam, milhares de paciente do estado eram mandados para os hospitais de Câncer de Barretos, em São Paulo, e Cascavel, no Paraná, por falta de vagas e de radioterapia suficientes a todos no MS. O HC não tinha capacidade de atender a todos, inclusive porque superfaturava preços da ‘sua’ Neorad, e o dinheiro federal do SUS encurtava.
O MPF chegou até a formar uma lista dos “sem radioterapia”, que incluía mais de uma centena de paciente em fila de espera para conseguir tratamento de uma doença fatal feroz.

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