domingo, 7 de abril de 2013

Violência extrema e a palavra de especialistas.

AS TERRÍVEIS NOTÌCIAS:

06/04/2013 14:52
Adolescente diz que matou criança de 6 anos para ela não contar dos roubos que cometia
 
Graziela Rezende
”Achei que ele poderia me entregar novamente. Mas não o matei, apenas tapei a boca para o menino não contar nada para a tia dele, que mora ali próximo”, diz o adolescente O.G.S., 17 anos, preso após roubar e matar uma criança de seis anos, que estava sozinha em sua casa no bairro Jardim Itamaracá, em Campo Grande.
Era a segunda vez que O.G. entrava na casa. Na primeira vez, de acordo com a polícia, o adolescente levou R$ 50 escondidos em um pote na cozinha e Kauã Golube prometeu contar para a mãe. Na última quinta (4), ele bateu no portão e o garoto estaria comendo uma maça. O adolescente falou que também queria uma fruta e pediu para o menino abrir o portão.
A criança entregou a ele uma chave velha, mas que ele conseguiu forçar e entrar. O garotinho, segundo apontam as investigações, ainda teria oferecido pão com manteiga para o assassino. Porém, ele negou e começou a mexer no mesmo local onde levou R$ 50 da 1ª vez.
O menino pediu a ele para não mexer nas coisas e então começou uma briga. O garoto foi amordaçado e amarrado com alguns panos. Naquele momento, a perícia constatou que foi tamanha a força na boca do menino que quebrou um dente e por isso o sangramento.
Sem dinheiro na casa, o adolescente pegou um aparelho de DVD e fugiu, deixando lá a camiseta amarela que estava em seu ombro. A namorada, grávida de três meses, estava do outro lado da rua. Ambos se dirigiram para a casa da mãe do adolescente, no bairro Taveirópolis e, no trajeto, o assassino vendeu o aparelho por R$ 20.
“Ela sabia o que ele estava fazendo, não fez nada para impedir o crime e ainda usufruiu do dinheiro da venda do aparelho roubado. Por isso, responderá também por latrocínio (roubo seguido de morte), como co-autora”, afirma ao Midiamax a delegada Regina Márcia Rodrigues, responsável pelas investigações.
A intenção do casal era seguir para Campinas. Quando a polícia soube da informação, iniciou as investigações para capturá-los. Porém, no intuito de despistar, a família do suspeito afirmou que ele estaria indo para o município de Anastácio, distante a 134 quilômetros de Campo Grande.
Mas, assim que os investigadores souberam que um ônibus, às 16h30 de ontem, estava partindo rumo a Campinas e saindo de Bataguassú, eles entraram em contato com os homens para realizarem a abordagem, por volta das 21h de ontem (5). O casal estava lá e foi levado para a delegacia.
 
O adolescente confessou o crime. Com ele, Eliane Pereira Martins de Souza, também foi presa. “Ele não tinha passagens policiais e agora ambos responderão por latrocínio”, fala a delegada Regina Márcia, prestes a concluir o inquérito policial.
 
 
28/03/2013 11h11 - Atualizado em 28/03/2013 11h43

Após analisar imagens, delegado diz que manicure matou criança sozinha

Susana aparece entrando e saindo de hotel em Barra do Piraí, RJ, sozinha.
Pais do menino e camareira serão ouvidos na próxima semana.

Janaína Carvalho Do G1 Rio

 
O delegado José Mário Omena, responsável pela investigação da morte do menino João Felipe Eiras Santana Bichara, 6 anos, em Barra do Piraí, Região Sul Fluminense, analisou as imagens do hotel para onde a manicure Susana do Carmo de Oliveira Figueiredo levou a criança antes de matá-la e disse não ter mais nenhuma dúvida de que ela agiu sozinha. "Nas imagens, só ela aparece chegando e saindo. Não tenho dúvida de que ela não recebeu a ajuda de ninguém para cometer esse crime", disse Omena ao G1 na manhã desta quinta-feira (28).
Susana, que está presa no Complexo Penitenciário de Bangu, na Zona Oeste do Rio, confessou ter matado João Felipe na segunda (25), depois de ligar para a escola onde ele estudava se passando pela mãe, pedir para que ele fosse liberado da aula e colocado em um táxi. O garoto foi levado para o Hotel São Luís, onde acabou asfixiado. O corpo foi colocado em uma mala e achado pela polícia na casa de Susana. Uma das cinco versões dadas à polícia pela suspeita era de que o motivo do crime seria se vingar do pai da criança, com quem teria um relacionamento.
O delegado agora vai aguardar os laudos e pretende ouvir outras testemunhas na próxima semana, entre elas a camareira do hotel e os pais da criança.
 
Depoimento do pai
José Mario Omena pretende ouvir o pai da criança, o empresário Heraldo Bichara Júnior, na próxima semana. Inicialmente, o depoimento dele estava marcado para a manhã desta quarta (27), mas um advogado da família informou que o pai não tinha condições de depor.

“Não adianta ouvir a testemunha assim, abalada. Temos que respeitar, deixar a poeira baixar, mas ele, o pai, é o depoimento mais importante, porque pode ajudar a esclarecer a motivação do crime”, contou Omena.
A polícia pretende entregar o inquérito para apreciação do MP após a quarta-feira (3).
Pai nega caso com manicure
O empresário Heraldo Bichara Júnior negou qualquer envolvimento com a suspeita, Susana do Carmo de Oliveira Figueiredo.

 
“Nunca houve nada entre a gente”, afirmou Heraldo em entrevista ao G1. Ele disse ainda que João Felipe não tinha autorização para ser retirado do Instituto de Educação Nossa Senhora Medianeira por nenhum táxi
“Era sempre a mãe dele quem buscava e levava. Nunca mandamos táxi. Inclusive no início do ano foi nos dado uma ficha de autorização que a gente preencheu informando quem seriam as pessoas que poderiam buscar o João na escola. E somente eu, a Aline (mãe do garoto), meu pai e uma cunhada, que também tinha os filhos estudando no colégio, poderiam buscar ele na escola. Mas era sempre a Aline quem levava e buscava”, revelou.
Heraldo Jr. afirmou ainda que a família não pensa em processar a escola. “Não pensamos nisso, mas o colégio não pode querer jogar, dividir a culpa com a gente, que não temos. Essas versões apresentadas agora pelo colégio não condizem com a verdade”, concluiu.
 http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/03/apos-analisar-imagens-delegado-diz-que-manicure-matou-crianca-sozinha.html

 

 OS ESPECIALISTAS

Uma chance para a paz em meio ao caos


Considerado uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela 'Time', o cientista Steven Pinker defende, em 'Os Anjos Bons da Nossa Natureza', que a violência está em declínio na sociedade


06 de abril de 2013 | 0h 17
 
Antonio Gonçalves Filho
A simples ideia de que houve um declínio de violência no mundo parece um tanto excêntrica quando o que se vê é o crescimento da intolerância. Seja a guerra atômica com a qual o ditador da Coreia do Norte ameaça o resto do planeta ou a volta de bélicos discursos nacionalistas, a humanidade parece ter mais motivos para se preocupar com a violência do que celebrar uma vitória contra ela. No entanto, o cientista cognitivo canadense Steven Pinker, 55 anos, diz que é preciso, de fato, comemorar esse declínio, baseado em seu extenso estudo sobre a queda global da violência, Os Anjos Bons da Nossa Natureza, lançado esta semana pela Companhia das Letras.
Pinker: As formas radicais do Islã estão interferindo na implementação dos direitos humanos - Universidade de Toronto/Divulgação
Universidade de Toronto/Divulgação
Pinker: As formas radicais do Islã estão interferindo na implementação dos direitos humanos

Definido pelo inglês Ian McEwan, o autor de Desejo e Reparação, como "um desses cientistas extraordinários que sabem atrair a atenção dos leigos", Pinker foi considerado pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Não sem razão. Seus livros, sempre volumosos, com mais de 500 páginas - entre os quais se destacam Como a Mente Funciona e Do Que É Feito o Pensamento -, entraram invariavelmente nas listas de best-sellers, fazendo de Pinker um cientista tão popular como Carl Sagan ou Oliver Sacks. Em entrevista, por e-mail, ao Sabático, o professor da Universidade Harvard reafirma sua crença numa nova paz mundial, embora admita que não saiba - ninguém sabe - o que vai acontecer num futuro próximo. A despeito disso, ele prevê que a chance de um grave episódio de violência irromper na próxima década (um conflito com mais de 1 milhão de mortes) é de 9,7%.
Inspirado em Kant, que argumentava, em defesa das democracias, que elas não tendem a lutar umas contra as outras, Pinker define essa forma de governo como a ideal para evitar guerras, "pois os comandantes dos países democratas sempre pensarão duas vezes antes de gastar seu próprio dinheiro e sangue numa aventura tola no estrangeiro". Ainda que se possa evocar nomes como Nixon e Bush, é certo que os EUA tomaram outro rumo depois de Obama, o que justifica o otimismo de Pinker.
Embora ateu, Pinker usa anjos no título de seu livro argumentando que, para explicar o declínio da violência, é preciso entender os demônios que nos conduzem a atos sádicos e irracionais, conclamando a intercessão da parte boa de nossos cérebros para os conter. Ideologias, lembra Pinker, são outros mecanismos que nos incitam à violência. Elas, invariavelmente, perseguem uma utopia e tornam as pessoas obsessivas, levando-as a demonizar os opositores e eliminar os obstáculos à frente, sejam eles a classe dominante, os infiéis ou etnias que incomodam.
Um estudo publicado por duas cientistas sociais, Erica Chenoweth e Maria J. Stephan, Why Civil Resistance Works (Por que a Resistência Civil Funciona, 2008), lido por Pinker, certamente teve um peso significativo na elaboração de seu 13.º livro, pois Os Anjos Bons da Nossa Natureza defende tese semelhante: a de que as campanhas de não violência têm obtido melhores resultados que as campanhas políticas bélicas, pois as primeiras tendem a ganhar legitimidade com maior rapidez (especialmente na era da internet). As duas pesquisadoras estudaram dados históricos entre 1900 e 2006 para chegar a essa conclusão. Pinker usa igualmente dezenas de gráficos e estatísticas para provar que a taxa de sucesso de movimentos pacifistas é bem maior que a dos bélicos (75% ante 25%). Pode-se ou não dar razão ao cientista, mas é impossível ignorar esses dados.
Pinker não afirma, é claro, que a violência foi extinta do planeta. Diz, isto sim, que a evolução do comércio, da educação em massa e o respeito às leis fizeram do século 20 um tempo menos violento que a Idade Média, em que direitos individuais eram ignorados e reinava a linguagem do terror, usada pelo fundamentalismo religioso. Ele sabe que a violência talvez jamais seja erradicada, mas é preciso dar uma chance à paz, como pregou John Lennon.
Seu livro mostra uma correlação entre religião e violência, assim como entre a ideologia marxista e o crescimento da opressão no mundo. O senhor diria que a democracia é o único sistema político capaz de garantir a paz mundial?
Não é o único, mas certamente há uma correlação entre democracia e paz. Democracias quase nunca lutam umas contras as outras e parecem menos propensas a lutar fora de suas fronteiras (Pinker diz que o governo democrático "é concebido para resolver conflitos entre os cidadãos pelos ditames consensuais da lei", o que significa que as democracias "devem externar essa ética quando lidam com outros Estados"). Contudo, sob certas circunstâncias, países não democráticos podem igualmente recuar diante da guerra. Desde que a China se tornou capitalista, mas não democrática, ela não participou de nenhuma guerra. É um recorde melhor que o dos EUA.
O mundo já sofreu ameaças de aniquilamento no passado, considerando que enfrentamos o fantasma de uma guerra nuclear mais de uma vez. Ele não desapareceu, pois ainda estamos submetidos à loucura de ditadores como o da Coreia do Norte. O senhor considera possível um diálogo com gente como ele?
A Coreia do Norte parece um exemplo único no mundo em sua insularidade e irracionalidade. Não tenho a menor ideia de como começar esse diálogo com os coreanos do Norte. Provavelmente, a melhor escolha é esperar que a China faça isso (Pinker lembra, no livro, que há dez anos o mundo sabia que a Coreia do Norte iria adquirir capacidade nuclear, partilhando-a com terroristas, e iniciaria uma ofensiva contra a Coreia do Sul, mas observa que, apesar disso, o fim da década chegou e nada aconteceu).
Seu livro mostra um declínio da violência através dos tempos, mas como podemos estar certos disso quando o mundo ainda assiste à violência praticada pelo Estado, como a pena de morte, mesmo em países democráticos e desenvolvidos como os EUA, e testemunha o tráfico de pessoas, a crise econômica que leva ao conflito entre classes e a má-educação, que promove o irracionalismo?
A pergunta, eu diria, está fundamentada num erro matemático. Um declínio na violência significa que a taxa de violência numa época mais recente é apenas mais baixa que em tempos passados. Não significa que a taxa de violência mais recente seja zero.
A tecnologia tornou mais comum a existência solitária e, como consequência, trouxe uma espécie de alienação que pode se transformar em ódio contra o semelhante, o que se vê com certa frequência no bullying praticado via computador. Há, de fato, um risco real de que tecnologias com alto poder destrutivo venham a diminuir as chances de uma paz duradoura. O senhor recomendaria a imposição de limites para a tecnologia?
Não vejo como a tecnologia possa facilitar o bullying. Há 20 anos um molestador podia espancar e insultar uma criança. Agora, se está usando o computador, ele pode apenas insultar. Como é que piorou? Acho que restringir a tecnologia armamentista, como a nuclear, é lícito. Porém, é ilógico falar em estabelecer um limite para a tecnologia. Que vantagem poderia advir de uma restrição aos avanços da tecnologia médica? Ou da tecnologia de computadores? Ou da energia solar? Como poderia essa evolução ameaçar a paz?
No capítulo dedicado aos direitos humanos, o senhor menciona o caso do matemático Alan Turing, criador do moderno computador, vítima do Estado tanto como Oscar Wilde, ambos por serem gays. Muitos países, especificamente do mundo islâmico, ainda conservam leis rígidas contra a homossexualidade e os direitos da mulher. É lícito esperar que esses países venham a respeitar os direitos humanos quando seus cidadãos são submetidos a formas radicais de crença religiosa?
Certamente, as formas radicais do Islã estão interferindo na implementação dos direitos humanos nos países de maioria muçulmana. É impossível dizer quando o progresso vai chegar às nações islâmicas, mas não considero irrealista imaginar que haverá melhorias nas próximas três décadas, graças à globalização e à mídia eletrônica. Os países islâmicos foram os últimos a abolir a escravidão - a Arábia Saudita e o Iêmen em 1962, a Mauritânia em 1980 -, mas resistiram quanto puderam à ideia. A Primavera Árabe trouxe as primeiras democracias ao mundo árabe. As pesquisas de opinião revelam uma enorme demanda pelos direitos das mulheres, mesmo nos mais repressivos países islâmicos. Duvido que eles consigam continuar vivendo na Idade Média para sempre.
No capítulo final o senhor diz que o declínio da violência pode ser o acontecimento mais importante e menos apreciado na história humana e assume que o livro está conectado com seu lado mais otimista. O senhor definiria esse estado mental como resultado de uma mudança mística no mundo, que ainda não fomos capazes de perceber? Um cientista como o senhor não deveria ser cético?
Nas páginas finais do livro explico que o declínio da violência não é produto de nenhuma dialética mística ou de qualquer movimento utópico. É simplesmente o resultado de pessoas tentando melhorar como seres pertencentes a uma coletividade. Violência, de modo geral, é uma atividade inútil - o mal causado às vítimas recai fatalmente sobre o agressor. Quando agressores e vítimas trocam de lugar, todos se beneficiam a longo prazo, se a violência for contida. Gradualmente baixamos essas taxas de violência pelas mesmas razões pelas quais baixamos as taxas de fome e doenças. Usamos nossa experiência para tornar nossas vidas mais agradáveis e produtivas. Não há nada de místico nisso.
OS ANJOS BONS DA NOSSA NATUREZA - POR QUE A VIOLÊNCIA DIMINUIUAutor: Steven Pinker
Tradução: Bernardo Joffily e Laura Teixeira Motta
Editora: Companhia das Letras (1.048 págs., R$ 74,50)
Trechos - Sobre Tortura
"A tortura na Idade Média não era escondida, negada ou mencionada com eufemismos. Não era apenas uma tática com a qual regimes brutais intimidavam seus inimigos políticos ou regimes moderados extraíam informações de suspeitos de terrorismo. Não irrompia em uma multidão furiosa insuflada de ódio contra um inimigo desumanizado. (...) A tortura integrava a tessitura da vida pública."
Uso de armas nucleares
"Zero é o número que se aplica a uma espantosa coleção de categorias de guerra durante os dois terços de século decorridos desde o fim da guerra mais letal de todos os tempos. (...) Zero é o número de vezes em que armas nucleares foram usadas em conflitos. Cinco grandes potências as possuem, e todas elas guerrearam. No entanto, nenhum dispositivo nuclear foi disparado em um acesso de cólera."
Uma reflexão final
"Sei que por trás dos gráficos há um jovem que sente uma punhalada de dor e assiste à vida que se esvai dele, sabendo que foi despojado de décadas de existência. Há uma mulher que soube que seu marido, seu pai e seus irmãos jazem mortos em uma vala, e que ela dentro em pouco ‘cairá nas mãos de quente e forçada violação’. (...) Com todas as tribulações (...), o declínio da violência é um resultado que podemos saborear."

http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,uma-chance-para-a-paz-em-meio-ao-caos,1017562,0.htm

CONTRAPONTO


O país do autoengano


Para psicanalista, recentes erupções de violência no Rio de Janeiro mostram que, sob a fachada do ufanismo desenvolvimentista, o Brasil esconde as velhas mazelas de sua modernização imperfeita


06 de abril de 2013 | 16h 30
Ivan Marsiglia
O conceito de "retorno do reprimido", descrito por Sigmund Freud pela primeira vez em 1895, é um mecanismo de defesa segundo o qual os conteúdos reprimidos, expulsos da consciência de uma pessoa, tendem a reaparecer constantemente. Três tragédias ocorridas sucessivamente no Rio de Janeiro nos últimos dias parecem sintomas de algum distúrbio oculto. Na manicure que asfixiou sem dó um menino de 6 anos com quem convivia, no estupro brutal de uma turista americana que pegou uma van em Copacabana e na agressão incompreensível que teria provocado a queda de um ônibus de cima de um viaduto expressam-se os sintomas de um antigo mal-estar de nossa civilização: a violência.
Universitário que agrediu o motorista tinha antecedentes - Marcos de Paula/Estadão
Marcos de Paula/Estadão
Universitário que agrediu o motorista tinha antecedentes
Nascido em São Paulo e radicado no Rio, o filósofo e psicanalista André Martins Vilar de Carvalho vê nesses acontecimentos a ponta do iceberg do autoengano nacional. "A propaganda enganosa da pacificação do Rio é a mesma do Engenhão construído há só cinco anos, que corre o risco de cair na cabeça da multidão", compara. "O Brasil vive uma espécie de capitalismo desenvolvimentista selvagem, que no fundo não quer gastar dinheiro com o social."
Doutor em filosofia pela Universidade de Nice e em teoria psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde é professor associado, Martins diz ter a sensação de que tudo é feito hoje no País apenas para montar uma fachada que esconde nossos problemas mais profundos. Isso é perigoso e "favorece junto a pessoas com menos estrutura psíquica a ideia de que esta é uma terra de ninguém, onde tudo pode ser feito, inclusive crimes hediondos". O professor sustenta que as psicopatias, embora individuais e independentes de formação ou classe social, relacionam-se inevitavelmente ao descaso persistente com a primeira infância em nosso país.
Na entrevista a seguir, o autor de Pulsão de Morte? - Por uma Clínica Psicanalítica da Potência (Editora UFRJ, 2010) e O mais Potente dos Afetos: Spinoza e Nietzsche (Martins Fontes, 2009) vê na violência que emerge no cotidiano nacional os sinais da modernização imperfeita do País - em especial a marca persistente da escravidão, que "naturalizou" o fosso social brasileiro e a cultura do privilégio e do interesse mesquinho, que se manifestam tanto na corrupção política quanto nos instintos particularmente animais de certos empresários.
O estupro de uma turista dentro de uma van e o assassinato de um menino de 6 anos pela manicure que frequentava sua casa parecem ter feito o Rio despertar do sonho pacificador das UPPs para uma espécie de ‘retorno do reprimido’ da violência. O que houve?
Vejo as UPPs não como uma política ideal, mas possível, que age de maneira razoavelmente eficaz contra o crime organizado e o tráfico de drogas. Acontece que a violência que emerge agora não é fruto desse contexto. No caso da van, foram uma série de assaltos e estupros cometidos por três indivíduos e a manicure, uma mulher que cometeu o crime sozinha. O que vale colocar em questão aqui é esse "sonho pacificador", é a política local transformar uma iniciativa bem-sucedida em uma grande propaganda de um Rio de Janeiro pacificado. Isso é que é falso. Faço uma analogia, guardadas as devidas proporções, com o Engenhão interditado. Às vésperas da Copa do Mundo e da Olimpíada, a coisa é apresentada como se o Rio não tivesse mais problemas, virou uma cidade organizada, valorizada... Aí um estádio que foi construído cinco anos atrás corre o risco de desabar na cabeça da multidão. Descobre-se que a construção foi malfeita, obviamente por algum tipo de superfaturamento - e digo isso sem nenhum cuidado porque acho que é preciso dizer o óbvio. É a mesma propaganda enganosa que assistimos sobre a violência.
O colunista carioca Artur Xexéo escreveu, sobre os últimos acontecimentos, que ‘quando a cidade se olhar no espelho e vir o que ela realmente é por debaixo das muitas camadas de maquiagem e aplicações de botox, talvez descubra como se tornar maravilhosa de verdade’. O Rio e o Brasil padecem de certo distúrbio de autoimagem?
Concordo, inclusive em relação ao Brasil, que vive uma espécie de capitalismo desenvolvimentista selvagem, que no fundo não quer gastar dinheiro com o social, interessando-se pelo lucro a qualquer custo. A violência que escapa nesses dois exemplos, dos rapazes da van e da assassina do menino, é proveniente de indivíduos que refletem um descaso social como um todo. Para usar um termo que tem origem na filosofia política do século 17, o Brasil pode até ter um contrato social, mas ele está muito corrompido. E o que não temos é um pacto social, não existe um discurso de construção de fato de um país para todos. O que existe e, mais triste ainda, é aceito, são interesses individuais ou de pequenos grupos mesquinhos, mas não uma disposição de pensar o coletivo. A ideia do "cada um puxa a sardinha para seu lado" está legitimada socialmente no Brasil.
Então as oportunidades representadas pela organização da Copa do Mundo e das Olimpíadas estão sendo jogadas fora?
Exatamente. Poderíamos estar aproveitando esses eventos para, dentro de um capitalismo minimamente responsável, utilizá-los para captar recursos para melhorias sociais. Todo mundo sabe disso, mas ninguém faz e ninguém cobra. Há um sentimento geral de que tudo é feito no Brasil hoje apenas para montar uma fachada. É algo muito desanimador. E que, no meu entender, favorece junto a pessoas que têm menos estrutura psíquica a ideia de que o Brasil é terra de ninguém, onde tudo pode ser feito, inclusive crimes hediondos.
Na mesma semana, a queda do ônibus de um viaduto durante uma briga banal entre o motorista e um passageiro mostrou até onde os impulsos agressivos do cotidiano podem levar. O que o fato de ambas as tragédias terem ocorrido no transporte público sinaliza?
Esse mesmo descaso com a coletividade. Não é por acaso que o transporte público tanto no Rio como em São Paulo, onde nasci, é tão ruim. E, a partir de um certo nível social ou de idade, ninguém mais quer andar de ônibus, por exemplo, ao contrário do que acontece na Europa ou nos EUA. O universitário que agrediu o motorista já tinha vários antecedentes de violência física. Aquele ônibus já registrava 40 multas, quase a metade por excesso de velocidade. Os motoristas não são fiscalizados e devem cumprir metas de número de viagens diárias. Como motoristas despreparados e sem formação continuam dirigindo? E a responsabilidade dessa companhia de ônibus? Por que não se interessa pela pressão sofrida por seus motoristas, mas ao contrário a exerce e a agrava? No caso dos três rapazes na van, também: se eles já haviam cometido diversos assaltos e estupros, com denúncias registradas inclusive em delegacias da mulher, por que nada foi feito? O mesmo pode ser dito quanto às diversas irregularidades absurdas vigentes no incêndio da boate em Santa Maria no Rio Grande do Sul, quando gestão privada e poder público se preocupavam exclusivamente com o lucro que o negócio gerava. É um problema não só político, mas jurídico. A Justiça brasileira tem que renovar sua forma de funcionar. E Brasília dá um péssimo exemplo com a corrupção, não só do mensalão, que pelo menos foi julgada, mas no sentido amplo da palavra - por sua falta de zelo com a res publica, a coisa pública.
De que maneira as ferramentas da psicanálise ajudam a compreender a violência?
É uma psicopatia grave a dessa moça que sequestrou e assassinou um menino com quem convivia havia três anos. O que se percebe é uma falta de identificação com o outro. Essas pessoas, seja a manicure, sejam os rapazes da van, manifestam uma perversidade e indiferença para com o outro. O processo de identificação com o outro se dá ao longo da vida, mas fundamentalmente na infância. Quando a criança lida com cuidadores hostis a ela, pode separar no processo identificatório - que está na origem da capacidade de se sensibilizar com o outro - aqueles com quem se sensibiliza e outros com por quem não sente nada. A pessoa que desenvolve essa psicopatia pode até nutrir sentimentos em relação à mãe, um amigo ou parente, mas não se sensibilizar, por exemplo, por uma criança de 6 anos que conviveu com ela, como aconteceu no crime da manicure. Ou pelas várias mulheres que esses homens estupraram, com uma violência capaz de quebrar ossos. Isso significa que filhos de classes mais pobres vão estar necessariamente mais inclinados a esse risco do que os ricos que estudaram em bons colégios? Não. Está aí o caso Suzane Richthofen para mostrar. Ou o próprio agressor do motorista do ônibus, que tinha nível universitário. Mas é preciso reconhecer coletivamente a importância desse cuidado na primeira infância - algo que o País não tem feito. Um exemplo é a falta de creches boas e em número suficiente. Aqui, de novo, não basta "entregar" fisicamente tais obras, mas se preocupar com a qualidade do que será vivenciado lá dentro. O mesmo acontece com a educação pré-escolar e no ensino fundamental. É algo gritante e urgente.
Dois dos crimes que o sr. cita tiveram um componente sexual - evidente no caso do estupro, mas presente também na acusação, feita pela manicure, de que estaria sendo assediada pelo pai do menino. Ambos não parecem ter sido cometidos só pelo benefício financeiro. Por que foram então?
Primeiro, não vejo que esses crimes possam ser atribuídos a aquelas pulsões agressivas do ser humano que Freud chamou de pulsão de morte ou destrutiva, ou a uma pulsão sexual vista como fundamentalmente bestial. Três rapazes que sentem mais prazer em violentar mulheres para poder ter uma relação sexual paradoxalmente não estão encontrando o gozo no sexo em si, mas na violência. Uma pessoa minimamente saudável, numa situação dessas, perderia o interesse, acharia deprimente. Muito mais do que expressar pulsões naturais ou bestiais do ser humano, eles estão se excitando sexualmente por uma violência hedionda e atroz contra outra pessoa. Eu vejo como parte dessa patologia comum da não identificação, que gera uma raiva difusa e uma destrutividade por essa vítima que eles não conhecem, como no caso da van, ou que conhecem muito bem, como no caso da manicure. Repito: a não identificação é construída em relações afetivamente precárias da primeira infância, não é "natural" ou instintiva.
Seu trabalho discute a forma como o corpo é manipulado na atual sociedade de consumo. Como a violência se insere nisso?
É outro aspecto, mas que se liga a esse que acabamos de discutir. A propagação, seja por interesses de mercado ou financeiros, de um ideal de corpo perfeito, de felicidade financeira perfeita, de relações sexuais performáticas, cria uma pressão psicológica social que suscita nas pessoas que se percebem distantes desses ideais um mal-estar, que pode se expressar em ressentimento. Que, em casos graves, pode se expressar em violência, destruição em relação a essa sociedade em que elas não se encaixam.
Então, a mistura do déficit social brasileiro com a expansão das possibilidades de consumo tem um potencial explosivo.
Sim. E aí podemos voltar àquele ponto inicial do sonho pacificador não só no Rio de Janeiro, mas do momento econômico do Brasil. Do que a gente está se vangloriando tanto? De que as classes C, D e E possam consumir? Isso é muito bom em vários aspectos. Agora, a possibilidade de consumir vir à frente da sociedade ter um pacto coletivo, sentir-se coletivamente envolvida numa melhor distribuição de renda, com melhorias na saúde, na educação e na moradia, é uma visão deturpada do coletivo. E a violência é uma face disso.
Há diversas explicações para o caráter violento da sociedade brasileira, desde as que culpam o trauma da colonização, as que apontam nossa prolongada escravidão, até o precário acerto de contas com violações cometidas durante a ditadura militar. Qual dos fatores concorre mais, em sua opinião?
Todos concorrem, mas o segundo, no meu entender, é sem dúvida o predominante: a nossa história de escravidão. Porque nos outros dois outros fatores podemos até encontrar aspectos positivos. No caso da colonização, apesar de toda a violência, tivemos a miscigenação, a mistura de raças, que nos trouxe qualidades distintivas. Mesmo em relação à ditadura, com a sua injustiça escandalosa, há o elogiável sentimento brasileiro de não cultivar o ódio ou a vingança. Já a herança escravocrata é particularmente perversa: ela cria um sentimento de desigualdade social aceito de maneira não questionada no Brasil. E também uma perversidade na relação de poder, a ideia de que inevitavelmente vai existir uma elite, que esse fosso de distribuição de renda "faz parte". É um sentimento muito ruim, muito prejudicial para o pacto coletivo de que precisamos.
O componente sexual dessas agressões pode também estar relacionado a essa herança escravocrata?
Sem dúvida. Na escravidão, como se sabe, as negras eram também escravas sexuais. O que difundiu uma percepção de que é legítimo submeter sexualmente o outro à força, de que o sexo não é nem precisa ser algo bom e consensual entre parceiros, um prazer ou uma alegria compartilhados. Isso é cultural, não um comportamento advindo de alguma natureza bestial do ser humano. Nem tem a ver com o sadomasoquismo, que é um jogo compartilhado. Mas com o desprezo pelo outro e o prazer pela violência.
Como o Brasil pode lidar melhor com esse conteúdo violento que parece tentar negar, seja nesse ufanismo pré-Copa, seja sob a eterna fantasia do povo alegre e festeiro?
A tese que defendo é que é inútil para o Brasil tomar a Europa como um modelo civilizatório. A civilização, no sentido europeu do termo, conseguiu combater uma violência primária, direta e sem mediação, ao preço de desenvolver uma violência secundária, que se dá em nome da civilização, de forma institucionalizada - e cujo maior exemplo são as guerras. Há menos violência nas ruas, mas mais violência contida que estoura no momento de uma guerra. No Brasil, a gente manteve uma violência primária que vem junto com o nosso tão propalado caráter cordial.
Que não é necessariamente positivo, como alguns interpretam.
É isso. A cordialidade, como bem definiu Sérgio Buarque de Holanda, vem da palavra "coração": é uma não mediação social. Algo assim: "Olha, vou ser muito gentil com você, se você for comigo. Mas se você não for, vou ser muito violento". É o contrário do que ocorre na Europa, onde predomina a polidez: mesmo pessoas muito zangadas e com raiva das outras, mantêm uma delicadeza dissimulada no trato. Enquanto a cordialidade aproxima, para o bem e para o mal, a polidez afasta, para o bem e para o mal. Penso que essa reflexão pode orientar o Brasil no sentido um projeto de coletividade: não vale a pena a gente aspirar a um processo civilizatório tal como o da Europa, pois muito dificilmente a gente vai aceitar essa imposição da lei, no sentido psicanalítico, pelo preço que isso acarreta. Então, insistir nisso é insistir num provincianismo brasileiro de pensamento que considera que o modelo dos outros é bom em todos os aspectos e o nosso ruim em todos os aspectos. Porém, para que serve observar esses modelos? Para tentarmos entender que um certo respeito às instituições, um pouco de polidez, e ter um pacto social de projeto de coletividade é preciso - mas isso pode ser feito a nossa maneira. Mantendo o aspecto cordial do povo, que aproxima as pessoas, mas aprendendo o valor do respeito às instituições, jurídicas, políticas e de organização urbana. Tentar importar a polidez europeia nunca vai dar certo e vira uma desculpa para não se fazer nada. E acaba nos levando a simplesmente enaltecer a cordialidade, sem perceber que, sem o respeito às instituições e um projeto de coletividade, junto com ela vem a violência.
* ANDRÉ MARTINS É FILÓSOFO, MEMBRO DO CÍRCULO PSICANALÍTICO DO RIO DE JANEIRO E AUTOR, ENTRE OUTROS, DE PULSÃO DE MORTE? (EDITORA UFRJ, 2010) 

 

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