segunda-feira, 1 de abril de 2013

RELATO DO MEU PRIMEIRO DIA DE CURSO

Sempre quando eu chego à Universidade, eu tenho tido ultimamente, um misto de muitas emoções. É como aquele negócio: fico entre o riso e o choro. Muitas coisas passam por minha cabeça, pelo meu ser. Riso, porque é um lugar lindo, cheio de verde. Riso, porque é um lugar de conhecimento, de livros, de ideias, professores, de “vanguarda”. Riso, porque essa “ponte” bonita, entre o serviço/universidade, está novamente sendo construída. Choro, porque sinto saudade de uma época boa, que é a nossa graduação. Choro porque fico pensando: até quando, eu ainda vou ter que carregar essa mochila nas costas (como na época da graduação), pesada por vezes, para entender melhor, uma realidade do qual, já fiquei anos, na graduação estudando. E novamente, entro no mesmo lugar onde me graduei, para novamente buscar “mais” conhecimento. Até quando? Fico pensando... E qual é o sentido disso? É ter mais um diploma? É ter mais reconhecimento? De quem? Financeiro? Da satisfação de um bom atendimento, de uma boa prática? E vem aquele pessimismo: as coisas não vão mudar... Continuo caminhando por entre as árvores da Universidade, e entro na sala de aula. Tudo isso tudo junto, e muitas mais coisas. Tudo misturado.

Depois, no auditório, um monte de gente reunida. Gente dos 4 cantos do estado. Gente também como eu, querendo participar de um curso em saúde da família. Fico pensando no escândalo do Hospital Universitário, que está logo ali, a poucos metros. Fico pensando na própria situação de saúde pública do município, com várias polêmicas, denúncias, corrupção. Quase não estava saindo da minha cabeça esse assunto. Indignado. Fico pensando se alguém, se algumas das autoridades, falará sobre o assunto, se dará alguma explicação. Se algum palestrante citará algum caso. Fará algum paralelo. Ao menos alguma coisa.

No telão do salão, passando animais do Pantanal. Garça. Capivara. Rios. Matas. Umbrais. E música de Almir Sater. Acho que ninguém falará de nada mesmo.

Na mesa de autoridades, o representante do Reitor, e o coordenador do curso de medicina. Ninguém falou nenhum “a” sobre o escândalo daquela instituição que está “logo ali.” Será que não é importante falar alguma coisa sobre aquele escândalo? Medicina não é o curso principal na área de saúde? Eu sei que é um curso de Atenção Básica, mas não é interessante ao menos dar, recitar uma nota, sobre o que está ocorrendo ali? Não tem uma relação intrínseca Atenção Básica, com o hospital, considerado alta complexidade?

Ninguém falou nada. Mas na mesa de autoridade, começou a falar um importante médico daqui da cidade. Eu sempre presto atenção ao que ele fala. Era só para ele dar boas vindas a nós alunos, mas tomou o microfone e falou algumas coisas que anotei, pois achei muito interessantes.

Primeiro ele falou algo que não concordei muito. Ele disse que estava impressionado com os números que esse curso estava apresentando. Que a cada turma do curso se formavam, capacitavam, muitas pessoas, e a soma total, de todas as turmas, passava mais de mil pessoas, milhares. Ele estava defendendo o método do EAD. Disse que era um método incrível, e que se fosse pelo método de ensino mais tradicional, de alguns alunos em uma sala de aula presencialmente, pelo número que a Universidade já havia formado até então, se fosse pelo método anterior, seriam necessário mais de 60 anos para que se atingisse esse mesmo número de pessoas “capacitadas.” E bem como sabemos, "capacitadas", é um termo muito abrangente, no mínimo.

Eu acho muito interessante o método de Educação a Distância. Mas acredito que esse método não deva ser visto assim com tanto “glamour”. A sua qualidade depende muitas vezes da instituição que está por detrás do EAD. E acredito que não tem nem comparação, em termos de se “adquirir conhecimento”, o EAD, em comparação com o método presencial. Já tive algumas experiências nos dois métodos.

Para mim é complicado pensar em “HUMANIZA SUS” em EAD.

Mas acho que vai ser muito bom esse curso.

Entretanto, o conhecimento que adquirimos nas “entrelinhas”, em contato direto com colegas, professores, isso é inestimável em minha opinião. Que nenhum computador, nem programa, software, poderá me proporcionar. Sou ainda do tempo do “olho no olho”. E acredito que muito do que está necessitando o SUS, a Atenção Básica, são justamente ensinamentos, práticas, que podemos aprender em contato direto com o outro. Assim, um computador amputa totalmente algumas possibilidades de aprendizagem.

E fico pensando que temos que tomar muito cuidado com o EAD, no sentido do “tempo”. Pois vou me esforçar para realizar todas as atividades, em ambiente e horário de trabalho no máximo possível. Pois geralmente, o que acontece, é a pessoa em EAD, e a praticidade que o computador possibilita, realizar as atividades, ver as aulas, e exercícios, em casa, à noite, finais de semana, ou no horário de almoço (como estou fazendo agora). Pois são momentos estes, que deveriam estar voltados para o descanso, lazer, família, amigos, etc.

Enfim, continuando na fala desse professor, ele começou defendendo o SUS. Disse que o SUS veio proporcionar atendimento de saúde para 40, 50 milhões de pessoas que antes não tinham nenhum tipo de "acesso a saúde" . Pois essas pessoas aqui no Brasil eram consideradas indigentes, ou seja, “não-gentes”. E que isso era um avanço social fantástico.

Entretanto, completou, dizendo que devidos a ataques midiáticos dos meios de comunicação de massa, só é retratado o SUS que não funciona, seus entraves. E que os avanços, como o citado acima, são esquecidos. Ele disse que essa espécie de “terrorismo”, é motivada muitas vezes por corporações de saúde privadas, no intuito de que essa nova classe média, calcada apenas em aspectos financeiros, adquira planos particulares de saúde, ao invés da defesa e construção do SUS.

Uma frase citada por ele, sobre os nossos dias, o capitalismo: “Temos o valor de uso, mas não temos valor de troca.”

Esse mesmo professor ainda disse, que depois de todo esse montante de profissionais de saúde de nível superior “capacitados” para atuar na atenção básica (que já participaram do mesmo curso que estávamos começando), o que eles (a Universidade) deveriam focalizar agora, eram cursos, capacitações, voltados aos trabalhadores de nível técnico. Achei isso muito bom. E concordo plenamente com ele. Acho que os trabalhadores de saúde, de nível técnico, é um grande contingente de pessoas nas unidades de saúde, que muitas vezes são “esquecidos” por todos nós.

Eu particularmente tento realizar um trabalho muito grande voltado aos/com os Agentes Comunitários de Saúde. Inclusive fiquei muito feliz em saber que uma colega agente de saúde, estava fazendo o curso devido minha “propaganda”. Ela tem nível superior, e uma vez me perguntou se eu sabia de algum curso para ela fazer. Assim, eu estou sempre informando a ela, sobre cursos na área de saúde.

Por fim, esse professor ainda falou, que fazendo ele parte de um “coletivo”, onde se discute várias pautas relacionadas a saúde pública, teria que “alertar” a todos nós, sobre o retrocesso que está surgindo em políticas públicas, com a nova “lei de combate as drogas”. Disse que ele e o coletivo dele eram totalmente contrários a nova lei que está em trâmite no congresso, tratando desse assunto, que faz regulamentar absurdos como a internação compulsória. E até mesmo falou algo sobre a possibilidade de se compor uma lista, onde estariam nomes de pessoas usuárias de drogas no país. E também que nessa lei, está a criação de um “disk-denúncia de drogas na escola”, onde adolescentes poderiam ligar para um número e denunciar algum colega de escola, suspeito de fazer uso de Drogas. Ele disse que isso tinha um cheiro forte de resquícios de ditadura militar.

Enfim, foram essas suas considerações.

Novamente, “apenas” o que para mim ficou faltando em sua fala, é que ele sendo “fruto” da Universidade, e tendo importante cargo público na área da saúde do estado, poderia falar alguma coisa sobre a situação caótica de escândalos da saúde daqui. Pois sempre é muito mais fácil criticar “o outro”, e nunca a autocrítica. Só isso que achei que faltou esse professor ter citado em sua fala.

Depois, foi a vez do palestrante principal, dar sua “aula inaugural”. Veio um médico sanitarista falar sobre a Política Nacional de Atenção Básica.

Ele falou “mornamente”, ressaltando alguns pontos que estamos todos quase cansados de saber, e que temos que tirar tudo isso do papel (só me lembro de algumas coisas e anotei):

o    Se a Atenção Básica é resolutiva, ela é capaz de resolver tanto problemas individuais, como coletivos.

o    A Atenção Básica pode/deve reorganizar a Atenção a Saúde.

o    Ele falou que quando existe um lugar, com grande investimento em prontos atendimentos, como os UPA´s, em detrimento ao investimento em Atenção Básica, o resultado disso, são níveis altos de medicalização, e de auto-custo de financiamento. (Isso é bem a realidade em minha opinião, de nossa cidade, estado).

o    A perspectiva de trabalho multiprofissional, é uma perspectiva Brasileira. Na Atenção Básica de outros países também fortes nesse nível de atenção a saúde, não existe esse “formato” multidisciplinar.

Por fim, já não restava mais ninguém no auditório, eu fiquei esperando, para ver se aconteceria algum debate. Até passou pela minha cabeça, fazer alguma pergunta para o representante do Ministério, sobre alguma informação sobre o escândalo que estava acontecendo aqui na capital. Como Brasília estava “vendo” isso tudo. Mas não ia querer causar nenhum constrangimento. Mas gostaria de ao menos escutar o que ele teria para falar informalmente, sem os slides.

Para nós, trabalhadores da ponta, é sempre um privilégio, termos “contato” ao menos visual, auditivo, com alguma pessoa assim, do Ministério da Saúde. E ele havia dito na palestra, que seria rápido para sobrar tempo para a discussão. Mas o que acorreu, foi que findada sua fala, com poucos “gatos pingados” no auditório, a coordenação do curso já falou do horário do almoço. E todos fomos embora.

São medidas/posturas assim, que ocorrem em micro contextos, que fazem em minha opinião, deixar o povo cada vez mais pacífico, paciente. E depois, reclamam dizendo que o povo não se interessa mais por política. É que não existem mais espaços para discussões. Claro: no “ambiente virtual” terá muito espaço para discussão. Mas não é a mesma coisa.

Como falei, não queria constranger ninguém. Queria apenas trocar uma palavra com o representante do Ministério, talvez. Então, que tipo de educação em saúde nós queremos, fiquei pensando? Problematizadora, crítica, ou apenas essa vertical, onde algumas pessoas falam, soando como: “voz da verdade,,,,” Fico pensando nessas coisas.

Já no momento da tarde, a professora, falou um pouco sobre a questão do PI- que é o Projeto de Intervenção, que todos teremos que entregar, no final do curso. Então, ao invés da Monografia Final, ou como se diz TCC – Trabalho de Conclusão de Curso, ou até mesmo um Artigo Científico, nessa pós-graduação, entregaremos o PI.

Achei interessante, essa proposta de PI no final do curso. Entretanto, só não gostei de um aspecto, expressos pelos seguintes comentários da nossa professora: “Esse é um trabalho diferente de um trabalho científico”. “Esse trabalho não será como um trabalho científico”. “Esse trabalho não terá o mesmo rigor que um trabalho científico”. Ou seja, o que eu entendi, é que esse nosso trabalho, tem alguma coisa de “menor valia”, que um trabalho dito científico logo de início.

Concordo até com a ideia de que não é um trabalho científico. Mas deu a impressão de que seja um trabalho a ser realizado, mais “fácil”. Acho que o PI não deve ser “menor”, ou “maior” que um trabalho científico. Mas diferente, isso sim.

Em um questionamento que eu fiz da questão do diferente, eu perguntei para a professora, se esse trabalho de PI, poderia ser, de algum trabalho que já foi realizado, ou mesmo, que está em andamento. Ela disse que já realizado não, mas que em andamento, poderia até ser.

Eu perguntei isso, devido pensar, que são 500 alunos, e que não é possível, que pelo menos  alguns dos demais colegas, não tenha algum tipo de trabalho interessante, experiência, para compartilhar com os colegas, publiciza-lo para nós. Talvez um colega tenha um, ou até dois trabalhos interessantes, e que não tenha tido tempo ainda de escrever sobre, e que no curso, poderia se dar mais aporte “teórico” ao trabalho. Colocando no PI aquilo que vem trabalhando ao longo dos anos, e às vezes até, ao longe de décadas...

E todos nós sabemos que existem muitos profissionais, e eu acho que sou um desses, que quer estar no curso, não apenas para aprender (eu quero muito aprender “mais”), mas também, para trocar experiências, práticas, percepções, daquilo que eu penso que a grande maioria de nós, comprometidos e eticamente engajados nos serviços, já estamos realizando.

Às vezes, existirá algum colega que lerá algum texto, disponibilizado pelos professores do curso, e a “ficha cairá”, dizendo: “puxa, eu já faço isso no meu contexto, estou no caminho certo.” E não apenas trabalhadores que vão fazer totalmente diferente ao que estão trabalhando, pois “não é assim que estaria nos livros”, ou que não é o que os professores ensinaram.

Existe uma questão geral, relacionado a isso que eu escrevi acima, que é a questão de que nós, trabalhadores “da ponta”, não produzimos, ou até mesmo, não temos “o conhecimento”. Pode até ser que não seja o tipo de conhecimento mais valorizado socialmente, como é o próprio conhecimento tido científico. Mas nós da ponta, carregamos muitos “conhecimentos”, que é só nosso, próprio, de quem está lá no serviço, diariamente. Não é o do escritor do livro de atenção básica, não é o do professor universitário, não é o do nosso gestor da secretaria da saúde, nem mesmo do Ministro Padilha. É diferente. E único. E por isso importantíssimo. E isso que é o nosso diferencial. E é isso em minha opinião, que deve ser ressaltado no PI. Talvez não seja o “rigor” científico, mas a questão da realidade, “nua e crua”, crítica, das dificuldades, avanços e desafios, que nós, diariamente, estamos totalmente imersos.

É isso. Desculpe ter me alongado em demasia na narrativa.

Esse foi o relato do meu primeiro dia de aula.

Gostei bastante de tudo. Fez-me pensar bastante.

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